Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

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Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por Guga Chacra


Flores homenageiam vítimas de massacre em escola primária no Texas: lobby das armas valoriza o direito de um assassino comprar um AR-15 — Foto: CHANDAN KHANNA/AFP
Flores homenageiam vítimas de massacre em escola primária no Texas: lobby das armas valoriza o direito de um assassino comprar um AR-15 — Foto: CHANDAN KHANNA/AFP

Não mudou nada no acesso a armas nos EUA depois de Sandy Hook, quando um atirador matou 27 pessoas, incluindo 20 crianças. Nada mudou quando um atirador matou 17 em uma escola em Parkland, na Flórida. Nada mudou quando um atirador matou 58 em Las Vegas. Nada mudou quando um atirador matou 49 em uma boate em Orlando. Nada mudou quando um atirador antissemista matou 11 em uma sinagoga em Pittsburgh. Nada mudou quando um atirador supremacista matou nove em uma igreja na Carolina do Sul. E provavelmente nada mudará depois de um atirador matar 19 crianças e dois adultos em uma escola primária no Texas. No fim, o lobby das armas sempre vence.

A Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês), como é conhecida a mais importante entidade lobista em defesa do porte de arma pelas pessoas nos EUA, controla o Partido Republicano e mesmo alguns membros do Partido Democrata. O domínio se dá tanto pelas doações de campanha como também por uma aliança genuína com muitos políticos que compartilham da ideologia do lobby pró-armamentos. Ironicamente, a partir de sexta-feira, será realizado o congresso dessa associação justamente no Texas. Entre os convidados para discursar estão o ex-presidente Donald Trump, o governador do Texas, Greg Abbott, e o senador Ted Cruz. Assim como dezenas de políticos, todos receberam dinheiro da organização.

A NRA e seus defensores na política dos EUA são contrários a qualquer forma de restrição no acesso à compra de armamentos, apesar de mudanças contarem com apoio da maioria da população. Distorcem as informações e argumentam que o objetivo dos democratas é desarmar os americanos, violando a Segunda Emenda da Constituição, que garante o direito de portar armamentos. Na realidade, as propostas de democratas chegam no máximo a exigir checagem de antecedentes em todas as compras de armas nos EUA e proibição da venda de fuzis como AR-15.

Sempre que acontece um ataque de um atirador como o de terça-feira, a NRA mantém silêncio por alguns dias. É parte da estratégia. Seus defensores propõem mais armamentos. Argumentam que, se houvesse “alguém armado” na escola, mortes poderiam ter sido evitadas. Passados alguns dias ou semanas, o tema começa a cair no esquecimento. O lobby age no Congresso e também no âmbito dos estados. Nada acontece.

Sandy Hook, Columbine e Santa Fé: Relembre ataques a tiros em escolas dos EUA

Há casos de atiradores em Canadá, Nova Zelândia, Noruega, Austrália e Reino Unido. Em nenhum deles, porém, na mesma escala quase semanal que ocorre nos EUA — afinal, não nos esqueçamos, ainda no mês de maio um supremacista branco matou dez pessoas em um supermercado em Buffalo.

Ao redor do mundo, quando as pessoas escutam sobre um atirador nos EUA, já encaram com normalidade. Veem como uma doença da sociedade americana. Mas o que haveria aqui de tão diferente em relação a outros países avançados? Cultura do videogame? Bobagem. Joga-se mais videogame no Japão e na Coreia do Sul do que no território americano e raramente ouvimos falar de atiradores japoneses e sul-coreanos. Veja como são raríssimos os casos entre os britânicos. Qual seria a diferença afinal? São as armas. Até a NRA sabe disso. A diferença é que o lobby e seus defensores aparentemente valorizam mais o tal direito de um assassino de 18 anos comprar um fuzil AR-15 do que o direito de crianças assistirem a aulas sem o medo de morrer. E, no final, os lobistas sempre vencem.

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