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Conheça a filial do Estado Islâmico no Afeganistão, inimiga comum de EUA e Talibã

Estado Islâmico do Khorasan opera desde 2015 em solo afegão e foi responsável por massacres da população civil
Local da explosão em escola de meninas em Cabul, no dia 8 de maio Foto: STRINGER / REUTERS
Local da explosão em escola de meninas em Cabul, no dia 8 de maio Foto: STRINGER / REUTERS

No discurso em que confirmou que manterá a data para a conclusão da retirada dos militares americanos do Afeganistão, 31 de agosto, Joe Biden mencionou um dos riscos de segurança que o levaram a tomar a decisão: a possibilidade de ataques do Estado Islâmico do Khorasan, ou Isis-K, na sigla em inglês, grupo terrorista que é inimigo em comum dos EUA e da milícia Talibã.

O grupo é agora o principal suspeito da explosão que atingiu nesta quinta-feira os arredores do aeroporto de Cabul .

Surgido em meados de 2014, o Isis-K tem como base ex-integrantes de um grupo igualmente radical, o Tehrik-i-Taliban, “Movimento dos estudantes”, do Paquistão, presente em áreas de fronteira entre os dois países e que mantém uma relação marcada por altos e baixos com o Talibã.

Ela segue um modelo similar ao de outras células — chamadas de províncias — do Estado Islâmico pelo mundo: uma relativa independência da liderança do grupo, baseada na Síria e no Iraque, e levando em consideração fatores regionais.

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Isso ocorre, por exemplo, com o Estado Islâmico da Província da África Ocidental, ativa na Nigéria, da Província do Sinai, no Egito, e do Iêmen, onde tem papel crucial na longa guerra civil no país. No caso do Isis-K, o nome vem da província histórica de Khorasan, que abrange partes do que hoje são Irã, Afeganistão, Paquistão e de outras nações da Ásia Central.

Contudo, o Isis-K sempre foi visto como prioritário para as lideranças do Estado Islâmico: no momento de sua criação, em janeiro de 2015, o grupo ainda estava em um momento de força em sua expansão pelo Oriente Médio, e via ali a chance de aumentar sua presença em um território historicamente estratégico. Desde o início, a “província” recebeu apoio logístico, financeiro e até moral: são inúmeros os vídeos de combatentes do Estado Islâmico na Síria e Iraque saudando a criação do Isis-K.

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Meses depois, com o avanço das forças oficiais sírias e iraquianas, além do decisivo apoio aéreo de EUA e Rússia, a expansão para o Afeganistão passou a ser vista como uma alternativa para proteger figuras de destaque do grupo terrorista, como dirigentes e combatentes procurados por autoridades em outros países.

Sua estratégia de recrutamento era igualmente agressiva, buscando adeptos em áreas rurais e urbanas, sempre com promessas de dinheiro — muitas vezes oferecendo maços de notas de dólar e euro — e um discurso contra o Talibã. Muitas das lideranças do Isis-K viam a milícia como “apóstata”, considerando que eles não aplicavam de forma correta os preceitos do Islã e que se mostravam abertos a conversas com os EUA . Por outro lado, muitos reclamavam da brutalidade do Estado Islâmico, que queimaram grandes áreas de cultivo de papoula, principal fonte de renda de muitos camponeses e do próprio Talibã.

A crise entre os extremistas explodiu em junho de 2015, quando comandantes do Talibã enviaram uma carta ao líder do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi, exigindo que suspendesse a campanha de recrutamento no Afeganistão e alegando que só havia espaço para “uma bandeira” na luta para restabelecer um emirado islâmico.

Não houve acordo, e semanas depois o Isis-K passaria a controlar a província de Naranghar, no Leste afegão, e áreas em Helmand e Farah, agora com combatentes recrutados localmente e outros vindos de países da região, como o Uzbequistão. Mas essa fase expansionista duraria pouco, e o grupo foi parcialmente dizimado por bombardeios dos EUA, em 2016, recuando para posições isoladas e perdendo um grande número de integrantes, agora de volta às linhas do Talibã.

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Além dos combates, o Isis-K realizou, segundo o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, centenas de ataques contra posições do governo afegão pró-Ocidente e contra civis, deixando um rastro de horror até mesmo na capital, Cabul. Em maio de 2020, homens armados invadiram uma maternidade e abriram fogo contra médicos, enfermeiras e gestantes. Ao todo, 24 pessoas morreram, incluindo dois recém-nascidos — no mesmo dia, 32 pessoas morreram em um funeral em Naranghar.

Em maio, quase 100 pessoas, na maioria estudantes de uma escola para meninas, foram mortas em um grande ataque a bomba em Cabul. As ações foram creditadas ao Estado Islâmico. Por isso, diante do caos provocado pela vitória militar do Talibã e a iminente saída das forças estrangeiras, é real a ameaça de uma nova onda de violência provocada pelo grupo terrorista, seja contra o Talibã, seja contra a população afegã.