A uma distância de 1,6 quilômetro da costa da Praia de Pernambuco, na cidade de Guarujá (SP), fica a Ilha dos Arvoredos. Próxima ao Parque Estadual da Serra do Mar, é a única ilha de atração turística, no Hemisfério Sul, a receber o selo Green Key, certificação global de excelência ambiental, concedido pela organização não governamental Foundation for Environmental Education (FEE), com sede na Dinamar:
— Conheci a ilha há 40 anos e sempre quis voltar — conta a funcionária pública Denise Martins, de 69 anos, que visitou o local em 15 de junho.
Ela ficou impressionada com o trabalho de turismo com sustentabilidade feito pela Fundação Fernando Lee (FFE) e o Instituto Nova Maré, organizações voltadas para desenvolvimento sustentável que trabalham na ilha:
— Os guias são muito bem preparados. Os jardins da ilha estão maravilhosos.
Impulsionar turismo sustentável não somente de forma localizada, como na Ilha dos Arvoredos, mas em escala global: esse será um dos grandes desafios a serem discutidos na próxima reunião do grupo de trabalho (GT) de Turismo, no âmbito do G20, que reúne as maiores economias do mundo.
O GT terá encontro presencial no Rio de Janeiro nos dias 30 de junho e 1º de julho, e deve reunir cerca de 36 delegações, entre representantes de países e organizações.
O interesse do G20 em discutir ideias de como prover turismo com sustentabilidade coincide com o momento em que o setor se recupera da pandemia. Representando cerca de 9,1% do PIB mundial, a economia do turismo deve movimentar globalmente este ano US$ 11,1 trilhões, de acordo com o Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC, na sigla em inglês).
Em 2023, o setor gerou em torno de US$ 9,9 trilhões, segundo a WTTC. Caso seja confirmado, o valor de 2024 será recorde, acrescentou a organização em relatório veiculado em abril.
Marco estatístico
No Brasil, o setor injetou no ano passado cerca de R$ 752,3 bilhões na economia, 3,4% acima de 2022 e cerca de 8% do PIB nacional, de acordo com dados da WTTC citados pelo Ministério do Turismo.
- Com discussões sobre IA e meio ambiente: tribunais de Justiça buscam avançar na cooperação em reunião do G20 no Rio
— No Brasil, acreditamos que o turismo bem realizado, bem planejado e dentro de padrões éticos e ambientais controlados, é uma grande arma para defender a sustentabilidade — diz Heitor Kadri, chefe da Assessoria Especial de Relações Internacionais da pasta, que tem presidido as reuniões do GT do setor.
Ele explica que, em dois encontros já realizados este ano, foram discutidos meios de fomentar a sustentabilidade no turismo e elencadas ideias para um modelo de financiamento de projetos turísticos entre países do bloco.
![Heitor Kadri: “Sabemos que temos muito a elaborar em termos educacionais” — Foto: Gesival Nogueira Kebec/Valor](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/1O9EoMtBRPsdd5TLey95-DVRp9o=/0x0:1750x1167/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/0/u/wwPGwzRpAhpfiD5hlUUg/107485892-data-24-06-2024-local-esplanada-dos-ministerios-bloco-u-sala-329-brasilia-df-editori.jpg)
Esses dois temas continuarão a ser abordados no próximo encontro, no Rio, diz Kadri. Serão ainda discutidas estratégias de cooperação, entre os países do G20, em treinamento e capacitação de trabalhadores e empreendedores no setor, explica:
— A questão da cooperação em matéria de treinamento e capacitação, é um tema particularmente caro ao Brasil. Porque sabemos que temos muito a elaborar, ainda, em termos educacionais.
No caso da questão de financiamento de projetos, Kadri afirmou que o governo brasileiro acredita no modelo cooperado para a área. Segundo ele, o turismo é um setor que pode se beneficiar muito de um maior envolvimento tanto de bancos de fomento internacionais como de órgãos multilaterais, como a Organização Mundial do Turismo. Kadri reconhece, no entanto, que a sustentabilidade é uma questão que permeará os três temas.
A importância da sustentabilidade nas discussões sobre turismo no âmbito do G20 é tanta que o grupo de trabalho no Rio somará esforços para adesão ao novo marco estatístico mundial para medir sustentabilidade de destinos.
Esse marco, explica Kadri, foi desenvolvido nos últimos três, quatro anos, por várias entidades. O objetivo é unificar o conceito do que é um destino sustentável, no âmbito do turismo global.
— É uma discussão importantíssima, porque o Brasil tem formas de medir (o que é um destino sustentável), todos os países têm. Mas não existe metodologia unificada (para definir o destino como sustentável) — afirma ele.
- Cidades inteligentes: Estratégias para superar problemas urbanos exigem soluções locais
O governo brasileiro, que tem este ano a presidência rotativa do G20, espera que os países do bloco assumam um compromisso com esse novo marco estatístico. Segundo Kadri, no momento está sendo discutido se esse compromisso seria feito por meio de carta ou se fará parte de declaração final da cúpula, que será em novembro.
Demanda de mercado
Kadri ressalta ainda que o debate sobre o turismo não deve ficar restrito aos governos.
E o setor privado está atento à missão de prover estratégias para fomentar sustentabilidade na indústria, diz João Dias, gerente de Sustentabilidade Américas na divisão Premium, Midscale & Economy da rede de hotelaria Accor, que reúne 450 hotéis nas Américas, sendo 332 no Brasil.
Ele explica que, depois da pandemia, a rede assumiu o compromisso de zerar emissões de carbono até 2050. As estratégias incluem investir em energias renováveis e otimizar o uso da água.
Hoje, a Accor já tem nove hotéis com certificação Green Key, e mais 40 em processo, segundo Dias.
— Em 2020, 2021, veio demanda mais forte das grandes redes hoteleiras, que começaram a pressionar para que todos os hotéis em todas as regiões tivessem certificados — afirma a coordenadora nacional do programa Green Key no Brasil, Leana Bernardi.
Ela explica que esse movimento se deve, em parte, à própria demanda do mercado, especialmente de grandes empresas que buscam redes hoteleiras com certificação ambiental para realizar seus eventos. Mas Leana lmbra que o programa Green Key tem as categorias hotéis, campings, pousadas, centros de convenções, restaurantes e atrações turísticas.
— Temos que falar de sustentabilidade globalmente com todos os segmentos do turismo — diz.
No caso da gastronomia, os restaurantes ainda têm um longo caminho a percorrer no turismo sustentável, diz Luccio Oliveira, presidente do Instituto Capim Santo. Criada em 2010, a ONG já deu capacitação profissional gratuita, em gastronomia com práticas sustentáveis, a mais de 7.500 alunos de baixa renda. Oliveira também vê uma demanda maior por turismo sustentável, inclusive com as pessoas dispostas a pagar mais por isso.
Pouca visibilidade
Mas há obstáculos para o desenvolvimento do turismo sustentável, no Brasil e globalmente, avalia Adhara Luz, fundadora da AMZ Projects. Entre estes, a ausência de investimentos e a pouca visibilidade.
A produtora AMZ é especializada em turismo sustentável e atua em localidades da Região Norte, no Jalapão (TO) e em Lençóis Maranhenses (MA), com foco em turismo de base comunitária e etnoturismo. No primeiro, a visitação é administrada pelas comunidades locais, e no segundo os viajantes têm vivências imersivas em aldeias indígenas.
— No caso do turismo de base comunitária, é preciso ter fundos de desenvolvimento, menos burocráticos. Não dá para escrever edital focado em uma realidade de São Paulo, por exemplo, para um projeto na Amazônia — diz Adhara.
Ela cita ainda o fato de, no Brasil, o turismo ser muito focado em eventos como o carnaval, enquanto a floresta “é vista como uma grande massa verde perigosa com onça.”
A empresária defende que o turismo de base comunitária entre nas discussões do GT, pois, ao dar apoio financeiro às comunidades, ajuda a fomentar a preservação da floresta. (*Alessandra Saraiva do Valor)