Ninguém sabe calcular ao certo como a chamada bioeconomia pode se traduzir em renda e crescimento para o mundo. As estimativas variam de acordo com quem faz a conta e com o entendimento que se tem do que é bioeconomia. Há estudos que apontam para oportunidades de negócios que giram em torno de US$ 7,5 trilhões — duas Índias — por ano em termos globais. Outros indicam US$ 550 bilhões ao ano somente para a Amazônia.
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Não por acaso, as 19 maiores economias do mundo, mais a União Europeia (UE) e a União Africana se debruçam com afinco sobre o tema enquanto preparam a reunião de líderes dos países do G20, que acontecerá em novembro deste ano no Rio Janeiro. A principal tarefa antes de passar aos números, contudo, é definir o que é a bioeconomia.
Ainda não há um conceito internacionalmente aceito. E talvez não haja tão cedo. Nem é preciso nesse momento. O Brasil, que incluiu o tema na agenda do G20 pela primeira vez, quer que um dos itens do comunicado final de sua presidência à frente do grupo — aquele que incluirá todos os consensos a que essas nações tão diferentes terão chegado ao fim de um ano — seja a menção a “princípios” da bioeconomia.
Esse seria o caminho mais fácil para se chegar a um acordo palatável no documento final. Seriam linhas básicas que atenderiam as particularidades de países de bases econômicas e socioambientais tão diversas.
Avanço para negociações
Se isso acontecer, já terá sido uma grande vitória do grupo que vem tratando do assunto desde o início do ano, na avaliação do secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, André Corrêa do Lago.
— A bioeconomia é muito mais ampla e teve reconhecimento de todos os países presentes sobre o quanto abre portas — disse.
Só isso já serviria de ponto de partida para futuras negociações. Afinal, o termo bioeconomia engloba muitas indústrias e atividades econômicas. É importante que se tenha uma classificação, por mais genérica que seja, para que seja identificável em linhas de financiamento ou programas de cooperação.
Por mais óbvio que o tema possa parecer, esta é a primeira vez que é tratado em um foro internacional. Para a secretária de Bioeconomia do Ministério do Meio Ambiente, Carina Pimenta, só o fato de ter entrado em definitivo na agenda internacional deve ser visto como resultado positivo deste G20.
— Ainda estamos na fase de conhecer, qualificar e enriquecer o debate. Não é definir, mas criar os contornos dos princípios integradores dessas diferentes economias, nos diferentes países. É o começo de uma conversa. Cria um espaço internacional muito novo — disse Carina.
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A ideia é o Brasil, a partir do G20, liderar o alinhamento internacional sobre conceitos, barreiras, pesquisa e desenvolvimento e financiamento. Para muitos países desenvolvidos, que já não têm a biodiversidade do passado, o conceito estaria mais ligado a proteger o que restou dela.
Para o Brasil, dono da maior biodiversidade do planeta, o meio ambiente é grande aliado para a promoção do crescimento econômico, distribuição de renda e proteção ambiental.
No Ministério da Fazenda, trabalha-se com a possibilidade de o setor criar entre 7,5 milhões e dez milhões de novos empregos e investimentos de US$ 130 bilhões a US$ 160 bilhões até 2026. Esses são os dados que o ministro Fernando Haddad tem carregado consigo em reuniões internacionais. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o Brasil gera mais de três mil produtos genéticos por ano.
Os debates no G20 giram em torno de três grandes eixos: o papel da ciência, tecnologia, pesquisa, inovação e conhecimento tradicional para a bioeconomia; o uso sustentável da biodiversidade para a bioeconomia, e a bioeconomia como promotora do desenvolvimento sustentável.
Conceito de consenso
A inauguração da segunda rodada de debates do grupo, conduzida pelas ministras da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, e do Meio Ambiente, Marina Silva, e pela primeira-dama Janja, na semana passada, teria sensibilizado os países presentes sobre a importância de que o conceito de consenso, qualquer que seja ele, associe a bioeconomia ao conhecimento tradicional e à economia sustentável.
— Isso traz a certeza de que temas como o conhecimento tradicional, o patrimônio genético, necessidade de restaurar ecossistemas e de cuidar dos recursos naturais são intrínsecos ao desenvolvimento desse setor econômico. Temos essa chance de tornar isso claro — disse Carina.
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— Onde estão os novos medicamentos, terapias e tratamentos? Grande parte deles sai do nosso conhecimento sobre a nossa biodiversidade, seja no Brasil ou em outras partes do mundo. Estamos falando de fontes de uso ou de conhecimento futuro. Questões de acesso e uso do patrimônio genético se tornam muito mais relevantes no contexto de uma indústria que pode ser parte da bioeconomia como a de novos fármacos — disse Carina.
Para a secretária de Bioeconomia do MMA é importante que a discussão no âmbito do G20 esteja acontecendo no mesmo momento em que o governo brasileiro debate o seu plano de bioeconomia nacional.
— É um momento em que os ministérios estão todos juntos e em diálogo com os outros países. É um momento muito especial de construção de política pública — garante.
Mas nada disso fará sentido, se o debate se perder em meio às diferentes leituras que se faz de bioeconomia dentro do próprio país, segundo o cientista e climatologista Carlos Nobre, que é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia.
Risco de ‘ecossuicídio’
Segundo ele, no Brasil, muitos no setor do agronegócio definem a chamada agropecuária tradicional como bioeconomia, o que considera um “ecossuicídio”.
— O que muitos têm feito, nós também, é não usar o termo bioeconomia. Usamos uma palavra muito longa para não haver dúvida: socioeconomia de saudáveis florestas em pé e rios fluindo. O sócio é para incluir o valoroso conhecimento dos povos indígenas, das comunidades locais, quilombolas, dos ribeirinhos — afirma Nobre, que esteve em reuniões em Brasília no MMA.
O cientista afirma que o G20 precisa entender o potencial social e econômico da bioeconomia nestas condições.
— As cooperativas de sistemas agroflorestais na Amazônia são muito mais lucrativas do que a agropecuária na região. Empregam dez vezes mais do que pecuária, 20 vezes mais que a soja. A comunidade dos cooperados ascendeu à classe média. Compram de 1.800 produtores agrícolas de sistemas agroflorestais, não é monocultura, nem desmatamento. Esses produtores ascenderam à classe C, muitos à B.
Fontes de financiamento para o setor também são desafio nas conversas do G20. Segundo a subsecretária de Desenvolvimento Sustentável do Ministério da Fazenda, Cristina Reis, é urgente construir instrumentos financeiros e discutir o pagamento por serviços de ecossistemas ambientais.
— Essa é uma ferramenta muito poderosa, que precisa ser muito bem planejada — disse ela.
O cálculo sobre o potencial de negócios ainda tem de ser afinado. Para se chegar a ele, é preciso fazer minucioso inventário das oportunidades nos diferentes biomas brasileiros, cada um com suas peculiaridades.
Baseado no Acre, o secretário-geral da Fundação SOS Amazônia, Miguel Scarcello, afirma que o governo brasileiro também deve levar ao G20 a necessidade de se mensurar o valor dos serviços florestais a serem cobrados de quem explora os recursos da floresta. Até porque eles terão influência sobre os preços dos produtos nos diferentes países.
Dentro do Brasil, a extração da amêndoa do Buriti, por exemplo, é muito mais custosa na Amazônia do que no Maranhão, embora o fruto amazônico seja mais proteico. Para se chegar à variedade do fruto amazônico, que nasce de dois em dois, e não de quatro em quatro, como o maranhense, há que se passar por uma casca muito mais grossa.
— Quanto vale o conhecimento tradicional, a ação humana, o uso da natureza? Tudo isso se traduzirá nos preços finais da produção. Quanto custa transformar os produtos para atribuir-lhes valor agregado e quem domina tecnologias e conhecimento científico para fazê-lo? Isso demanda tempo — lembra Scarcello.