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A crise no Afeganistão pode levar a uma nova crise de refugiados na Europa?

Milhares de afegãos já partiram ou tentam desesperadamente embarcar em aviões que saem de Cabul após a tomada pelo Talibã; mais de 550 mil foram deslocados desde janeiro, segundo Acnur
Pessoas são retiradas do Afeganistão em avião militar americano após tomada do país pelo Talibã Foto: SHAKIB RAHMANI / AFP
Pessoas são retiradas do Afeganistão em avião militar americano após tomada do país pelo Talibã Foto: SHAKIB RAHMANI / AFP

BRUXELAS — A tomada do Afeganistão pelo Talibã no final de semana alimentou temores de um êxodo de afegãos e uma repetição da crise de refugiados e migratória de 2015 na Europa, quando mais de um milhão de pessoas do Oriente Médio fugiram para o continente e lá se instalaram.

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Milhares de afegãos já partiram ou estão tentando desesperadamente embarcar em aviões que saem da capital, Cabul, temendo um retorno à interpretação austera da sharia (lei islâmica) imposta durante o regime anterior do Talibã, que terminou há 20 anos.

Haverá um êxodo em massa do Afeganistão?

O medo da dura sharia não é a única razão pela qual os afegãos podem fugir. A violência, a seca e a Covid-19 já deixaram milhões de afegãos necessitando de ajuda humanitária, e muitos deles podem se tornar migrantes econômicos nos próximos meses.

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O Talibã bloqueou pontos-chave de fronteira e tem havido um número "muito limitado" de afegãos cruzando as fronteiras, mas a União Europeia diz que espera "aumento da pressão migratória" no longo prazo devido à instabilidade sob o regime do Talibã.

A agência de refugiados da ONU (Acnur) diz que mais de 550 mil afegãos foram deslocados internamente desde janeiro devido à piora da situação de segurança, e a UE pediu aos Estados membros que aumentem as cotas de admissão para afegãos que precisam de proteção, especialmente mulheres e meninas.

O Reino Unido disse que receberá até 5 mil afegãos durante o primeiro ano de um novo programa de reassentamento, priorizando mulheres, meninas e minorias, e até 20 mil no longo prazo.

As portas da Europa estarão abertas como estiveram em 2015?

Resumindo, não. A Alemanha abriu suas fronteiras em 2015 e 2016 para os sírios e outros que fugiam da guerra e da pobreza, um movimento que rendeu aplausos à chanceler Angela Merkel no exterior, mas a prejudicou politicamente em casa.

Merkel planeja deixar o cargo após as eleições federais de 26 de setembro, então não estará mais à frente das decisões tomadas pelo país. Em todo caso, ela agora diz que os refugiados deveriam ter segurança garantida em países vizinhos ao Afeganistão antes que a UE considere abrir as portas.

O Paquistão já abriga 1,4 milhão de refugiados afegãos, enquanto o Irã abriga quase um milhão, de acordo com dados da agência de refugiados da ONU do início de 2021. Estima-se que o número de afegãos sem documentos em ambos os países seja muito maior.

Outros países da UE estão determinados a evitar uma nova corrida migratória, em parte devido ao temor de uma reação eleitoral.

A Áustria sugeriu a criação de "centros de deportação" para migrantes afegãos rejeitados e foi um dos seis países da UE que advertiram na semana passada contra a suspensão da deportação de afegãos com asilo negado no bloco. Desde então, três dos seis — Dinamarca, Alemanha e Holanda — mudaram de curso.

As forças de fronteira da Grécia estão em alerta para evitar uma repetição das chegadas em massa de refugiados sírios via Turquia em 2015 e, recentemente, impediram que pessoas entrassem em suas águas, embora neguem qualquer "resposta" ilegal.

Desde a última crise, a UE reforçou sua agência de fronteira e guarda costeira Frontex, que agora tem maior capacidade para dissuadir e repatriar pessoas em situação irregular.

Os afegãos encontrarão vias de trânsito fáceis para a Europa?

Chegar à Europa será ainda mais difícil para os afegãos do que antes. O Irã, com sua economia sufocada pelas sanções dos EUA, encorajou muitos dos mais de 2 milhões de indocumentados e mais de 800 mil refugiados afegãos registrados na República Islâmica a voltar para casa.

A Turquia já é o maior anfitrião mundial de refugiados e requerentes de asilo, com mais de 4 milhões vivendo lá, a grande maioria deles sírios. Com o objetivo de evitar uma nova onda, o país está construindo um muro ao longo de grande parte de sua fronteira com o Irã.

A UE também tem um acordo com a Turquia que foi estabelecido após a última crise, segundo o qual Ancara restringe o fluxo para a Europa em troca de dinheiro e outros benefícios. As rotas de trânsito para a UE através dos Balcãs também se tornaram menos abertas do que antes.

A Europa pode influenciar o Talibã?

Os países ocidentais ainda não reconheceram formalmente o Talibã como governante do Afeganistão, mas reconhecem que a ajuda para o país assolado pela pobreza é necessária, e isso poderia ser um incentivo para o Talibã evitar um êxodo.

Merkel disse esta semana que a assistência humanitária seria a chave para evitar uma repetição da crise de 2015.

O Reino Unido anunciou que dobrará sua ajuda humanitária e de desenvolvimento ao Afeganistão para quase US$ 400 milhões neste ano, e a Comissão Europeia quer ver mais apoio aos vizinhos do Afeganistão para manter os migrantes e refugiados lá.