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Mais de 1.000 soldados afegãos fogem para o vizinho Tadjiquistão após avanço do Talibã

Governo tadjique convocou 20 mil reservistas e conversa sobre a crise com nações da Ásia Central e a Rússia; em meio à ofensiva, talibãs defendem negociações e sugerem que plano de paz pode ser apresentado em breve
Tropas de elite afegãs chegam à capital da província de Badakhshan depois de ofensiva do Talibã na região Foto: Afghanistan Ministry of Defence / via REUTERS
Tropas de elite afegãs chegam à capital da província de Badakhshan depois de ofensiva do Talibã na região Foto: Afghanistan Ministry of Defence / via REUTERS

CABUL — Mais de mil integrantes das forças de segurança do Afeganistão escaparam para o vizinho Tadjiquistão depois de uma ofensiva da milícia Talibã no Norte do país, em mais um sinal de que o grupo planeja ampliar suas ações no momento em que militares dos EUA estão nas últimas etapas da retirada de solo afegão, depois de quase duas décadas.

De acordo com autoridades locais, o Talibã, que hoje controla a maior parte dos distritos do Afeganistão e está envolvido em combates em praticamente todas as regiões, tomou seis áreas consideradas estratégicas na província de Badakhshan, que faz fronteira com a China e o Tadjiquistão. A entrada dos militares afegãos em solo tadjique foi autorizada pelo governo local, que já prepara acampamentos para abrigar os militares e um potencial grande número de civis que tentam escapar dos combates.

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No domingo, o presidente afegão, Ashraf Ghani, conversou com o líder tadjique, Emomali Rakhmon, e os dois abordaram a crise na região, em especial as “travessias forçadas”, se referindo aos militares que pediram abrigo. Rakhmon também conversou com líderes de outros países da Ásia Central, como o Cazaquistão e o Uzbequistão, e acertou uma reunião de cúpula para decidir sobre ações futuras. Em telefonema, o presidente russo, Vladimir Putin, garantiu que Moscou apoiará o Tadjiqustão se for necessário. Por razões de segurança, o consulado russo em Mazar-e-Sharif foi fechado até segunda ordem.

De acordo com a agência russa RIA, cerca de 20 mil reservistas tadjiques já foram deslocados para a área de fronteira — também à agência russa, o conselheiro de Segurança afegão, Hamdullah Mohib, afirmou que as forças do governo não esperavam a ofensiva do Talibã, mas sinalizou que já planeja uma contra-ofensiva para deter o avanço da milícia.

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A ofensiva do Talibã, que até o momento poupa apenas algumas áreas, como a capital, Cabul, coincide com os capítulos finais da intervenção internacional liderada pelos EUA iniciada há quase 20 anos. Na semana passada, os últimos militares de países como a Alemanha e a Itália deixaram o solo afegão, enquanto os EUA também abandonaram instalações usadas por quase duas décadas. A principal delas, a base aérea de Bagram , agora já está sob controle dos militares do Afeganistão.

— Eles agora estão completamente fora e tudo está sob nossa responsabilidade, incluindo as torres de vigilância, controle de tráfego aéreo e o hospital — afirmou à Reuters um funcionário do governo afegão. Construída nos anos 1950, a base já abrigou forças soviéticas durante a guerra travada entre 1979 e 1989, e foi ocupada pelos EUA logo depois do início da intervenção de 2001, chegando a abrigar até 7 mil militares.

Plano de paz

A ofensiva do Talibã, que parece ganhar força ao longo das semanas, é vista como um sinal preocupante para os planos de estabelecer um acordo de paz entre a milícia e o governo de Cabul. Essa era uma das condições apresentadas no plano para a retirada internacional, acertado em fevereiro do ano passado, mas as conversas caminharam pouco desde então e foram retomadas na semana passada, sem muito alarde.

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De acordo com a Reuters, o grupo planeja apresentar uma nova proposta de paz a Cabul no mês que vem, mas sem sinalizar uma interrupção nos combates em terra.

— Apesar de termos uma mão pesada no campo de combate, somos sérios sobre as conversas e o diálogo — afirmou o porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, declarando que as negociações devem se intensificar nos próximos dias. — Possivelmente vai levar um mês para chegar ao estágio em que os dois lados poderão compartilhar seus planos.

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Um tópico que vem travando as conversas é o formato de governo a ser adotado depois de um acerto — boa parte das lideranças talibãs querem o retorno do modelo de emirado islâmico, similar ao adotado no período em que o grupo comandou o Afeganistão, entre 1996 e 2001, uma postura rejeitada por Cabul e boa parte da comunidade internacional.