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Fotojornalista ganhador do Pulitzer é morto durante combates entre forças do Afeganistão e talibãs

Danish Siddiqui estava com soldados do governo na província de Kandahar, onde Talibã conquistou posto de fronteira com o Paquistão
Velas são colocadas por jornalistas junto à foto de Danish Siddiqui num tributo em Calcutá na Índia Foto: DIBYANGSHU SARKAR / AFP
Velas são colocadas por jornalistas junto à foto de Danish Siddiqui num tributo em Calcutá na Índia Foto: DIBYANGSHU SARKAR / AFP

CABUL — O fotojornalista indiano Danish Siddiqui, vencedor do Prêmio Pulitzer e que trabalhava para a Reuters, foi morto durante confronto entre militares afegãos e o Talibã no Sul do país, no momento em que a guerrilha amplia suas operações e conquista novas áreas em todo o Afeganistão.

Siddiqui acompanhava as tropas durante uma missão para tentar controlar o distrito de Spin Boldak, onde fica um dos mais importantes postos de fronteira com o Paquistão — a área foi tomada no começo da semana pelo Talibã , que já ocupa outras posições fronteiriças. Além de estratégicas militarmente, o grupo extremista vê nos postos uma importante fonte de renda, uma vez que cobra pedágio dos veículos que passam por ali.

Nos últimos dias, o fotojornalista vinha relatando os combates em sua conta no Twitter, e a sensação de que os militares seriam atacados pelos talibãs a qualquer momento.

“Eu podia sentir a tensão no ar enquanto as Forças de Segurança do Afeganistão estavam esperando um ataque iminente do Talibã. Havia disparos esporádicos de metralhadoras, mas tudo veio abaixo quando os Humvees [veículos de transporte militar] chegaram ao ponto de retirada”, escreveu no dia 13 de julho. Ali, ele relatava a operação para resgatar um militar cercado pelos talibãs.

Nesta sexta-feira, o comboio onde ele estava foi novamente atacado, e Siddiqui foi ferido no braço, conforme relatou à Reuters. Horas depois, quando o fotojornalista conversava com comerciantes, houve uma nova ofensiva da guerrilha, e ele foi morto no fogo cruzado.

“Estamos buscando urgentemente mais informações e trabalhando com as autoridades na região”, escreveram, em comunicado, o presidente da Reuters, Michael Friedenberg, e a editora-chefe da agência, Alessandra Galloni. “Danish era um jornalista sensacional, um marido e pai dedicado e um colega muito amado. Nossos pensamentos estão com sua família neste momento terrível.”

O fotojornalista Danish Siddiqui, morto no Afeganistão Foto: Twitter / Reprodução
O fotojornalista Danish Siddiqui, morto no Afeganistão Foto: Twitter / Reprodução

O presidente Ashraf Ghani também expressou suas condolências, se dizendo “profundamente entristecido” com os relatos sobre a morte do fotojornalista.

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Siddiqui trabalhava na Reuters desde 2010, e liderou a equipe da agência que, em 2018, ganhou o Prêmio Pulitzer de fotografia pela cobertura da repressão à minoria muçulmana rohingya em Mianmar. Segundo a comissão julgadora, “as fotos chocantes expuseram ao mundo a violência que os refugiados rohingya enfrentaram ao fugir de Mianmar”.

Violência

A morte do fotojornalista ocorreu em um dos momentos mais críticos para o Afeganistão em quase duas décadas. No final de agosto, todas as forças estrangeiras deverão deixar o país , pondo fim à intervenção iniciada em 2001 depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, que culminou com a queda do governo do Talibã (1996-2001), acusado de dar abrigo a Osama bin Laden, fundador da al-Qaeda.

A retirada foi acertada no ano passado, entre o governo dos EUA e o Talibã, mas seus termos até hoje são questionados: por um lado, os americanos e seus aliados da Otan concordaram em sair do Afeganistão, enquanto os talibãs se comprometeram a negociar com o governo de Cabul um acerto para comandarem em conjunto o país.

A primeira etapa do acordo está perto de ser cumprida, mas a segunda segue em aberto. As negociações, iniciadas meses depois do previsto, estão estagnadas, ao mesmo tempo em que o Talibã ganhou força militar e realiza uma grande ofensiva em todo território afegão, passando a controlar a maior parte dos distritos, incluindo em áreas de fronteira com Irã, Tadjiquistão, Turcomenistão e, agora, Paquistão.

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O posto de Spin Boldak fica na estrada que liga Kandahar, no Sul do Afeganistão e uma base histórica do Talibã, a Quetta, do lado paquistanês, e é usada como via de acesso ao porto de Karachi. Segundo autoridades locais, cerca de 900 caminhões cruzam a fronteira diariamente, e agora precisam pagar aos talibãs para entrar e sair do país.

Para especialistas, a estratégia de tomar postos de fronteira é uma maneira de compensar a falta de poder militar para uma ofensiva contra Cabul. Ao mesmo tempo, os talibãs conseguem novas fontes de renda e abalam o moral das tropas rivais. Além disso, a série de vitórias militares enfraquece o governo de Ashraf Ghani, o que pode se refletir nas negociações que devem ser retomadas em breve.

— Tenho a impressão de que os talibãs preferem uma via política, mas uma cujo objetivo seja a capitulação [do governo] — declarou à agência AFP Ibraheem Bahiss, analista do centro de estudos International Crisis Group. — Se isso fracassar, têm a opção de tomar a via militar.