WASHINGTON — O presidente Joe Biden decidiu postergar em pouco mais de quatro meses o prazo para a retirada total dos soldados americanos do Afeganistão. Antes prevista para 1 o de maio, a data limite agora será 11 de setembro, coincidindo com o aniversário de 20 anos dos atentados contra o World Trade Center e o Pentágono, que desencadearam a guerra mais longa da História americana.
A decisão manterá os mais de 3 mil soldados americanos que permanecem no país além do prazo previamente negociado entre o governo do então presidente Donald Trump e o grupo guerrilheiro Talibã, que foi derrubado do poder na invasão americana de 2001 e hoje controla boa parte do território do país da Ásia Central. Há ainda cerca de 7 mil soldados da coalizão encabeçada por Washington, em sua grande maioria forças de países da Otan, a aliança militar ocidental.
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Em um comunicado no mês passado, o Talibã havia ameaçado retomar os ataques contra a aliança comandada pelos Estados Unidos, mas ainda não comentou as notícias que vêm de Washington. A expectativa americana é que a fixação de uma nova data próxima, que não deverá ser acompanhada de novas condições para a retirada, seja suficiente para evitar uma nova onda de violência em território afegão.
O secretário de Estado, Antony Blinken, e o titular da Defesa, Lloyd Austin, deverão comunicar formalmente a decisão à Otan em uma reunião em Bruxelas, na quarta-feira. Segundo a Casa Branca, Biden fará no mesmo dia um discurso anunciando a nova data ao público.
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A retirada dos EUA sem que o país esteja pacificado marca a terceira derrota histórica imposta por diferentes forças afegãs a exércitos estrangeiros, começando pelos britânicos, no século XIX, e passando pelos soviéticos, nos anos 1980.
Outros inimigos
No decorrer das últimas semanas, ficou cada vez mais claro que Washington não pretendia cumprir a data original, diante da falta de preparação para a retirada. Indícios também vinham da Inteligência americana , que apontava para um possível retorno do Talibã ao comando do país em até três anos. Para contê-lo, portanto, recomendava a permanência de um contingente militar reduzido: uma saída às pressas, como alegam ter sido feito no Iraque em 2011, poderia ser tão prejudicial que obrigaria o país a retornar pouco tempo depois.
O atraso coincide também com a falta de avanços nas conversas entre o Talibã e o atual governo afegão, apoiado pelo Ocidente. A negociação de um acordo de paz e de divisão do poder entre as forças afegãs era considerado um seguimento necessário do pacto assinado entre Trump e o grupo armado fundamentalista. Porém, integrantes do governo Biden acusam o grupo de não cumprir seus compromissos para reduzir a violência, que continua crítica no país, agora contando também com ataques periódicos e violentos do grupo Estado Islâmico .
Funcionários da Casa Branca também demonstram hesitação diante dos elos do Talibã com a al-Qaeda, grupo terrorista responsável pelos ataques de 11 de Setembro de 2001 — ligações que desencadearam a intervenção militar americana há quase 20 anos. Na época, o Talibã governava o Afeganistão e abrigava Osama bin Laden, líder da al-Qaeda. O regime foi derrubado e substituído por um governo pró-Ocidente. Bin Laden, por sua vez, só seria capturado quase 10 anos depois, em maio de 2011, no Paquistão.
Os atentados contra o World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, nos arredores de Washington, além das vítimas do voo 93 da United Airlines, que caiu na Pensilvânia após ser sequestrado, deixaram quase 3 mil mortos. Nas duas décadas da guerra trilionária, mais de 775 mil militares foram enviados para o Afeganistão, muitos deles repetidamente. Mais de 2,3 mil soldados americanos morreram, junto com ao menos outros 100 mil civis afegãos.
Conversas em xeque
Falando anonimamente, funcionários do governo americano reconhecem que o Afeganistão não representa mais uma ameaça de terrorismo para o território americano: os maiores riscos são internos ou de grupos baseados em países do Norte da África e nações do Oriente Médio, como a Síria e o Iêmen. As prioridades estratégicas também hoje são outras, passando pelos embates com a China e a Rússia e os programas nucleares iraniano e norte-coreano.
— Nós vamos precisar sobreviver ao impacto da retirada, e isso não deve ser considerado uma vitória ou uma retomada do poder pelo Talibã — disse uma fonte de Cabul, onde setores viam a presença militar americana como uma garantia de apoio.
Ainda assim, a Casa Branca garante que continuará a apoiar o processo de paz, mas que não utilizará mais a presença militar como elemento de barganha. A Turquia anunciou nesta terça que sediará conversar entre o Talibã e o governo afegão, do dia 24 deste mês a 4 de maio, para alavancar as conversas em direção a um acordo. O Talibã, no entanto, não confirmou presença.
Com o aval americano, o governo afegão proporia um governo interino que substitua o presidente Ashraf Ghani, pró-EUA, abrindo a porta para outros agentes políticos nas futuras eleições. Um cessar-fogo imediato também estava nos planos.