Mundo

Relatório de Inteligência é usado para adiar retirada americana do Afeganistão

Documento, feito ainda no governo Trump, diz que Talibã pode retornar ao controle do país em três anos se militares dos EUA saírem
Veículo blindado patrulha área próxima ao local de um ataque na província de Nangarhar, no Afeganistão Foto: PARWIZ / REUTERS
Veículo blindado patrulha área próxima ao local de um ataque na província de Nangarhar, no Afeganistão Foto: PARWIZ / REUTERS

WASHINGTON — A poucas semanas da data prevista para a retirada das tropas americanas do Afeganistão, pondo fim a quase duas décadas de ocupação, o presidente americano Joe Biden deu sinais de que não iria cumprir o prazo, estipulado ainda no governo de Donald Trump . Uma visão que se deve, em boa parte, a informações de inteligência que recomendam a permanência militar por mais algum tempo.

Segundo o New York Times, as informações apontam para um possível retorno do Talibã ao comando do país em até três anos, potencialmente abrindo o caminho para uma presença mais ostensiva da rede terrorista al-Qaeda no país. A principal motivação da guerra, iniciada em outubro de 2001, foi a recusa dos talibãs em entregar o então chefe da al-Qaeda, Osama bin Laden, mentor dos atentados de 11 de setembro daquele ano. Bin Laden foi capturado dez anos depois, mas o conflito em solo afegão permanece até os dias de hoje.

Como a situação de segurança no país continua crítica, agora contando também com ataques periódicos e violentos do grupo Estado Islâmico , muitos dentro do governo advogam que a única forma de evitar o fracasso da missão é manter uma força mínima — uma posição defendida pelo próprio Biden quando era vice-presidente. Uma saída às pressas, como alegam ter sido feito no Iraque, na década passada, pode ser tão prejudicial que obrigará o país a retornar pouco tempo depois.

'Não tenho medo do Talibã': Influencer 'mais popular' que presidente mostra nova face das mulheres do Afeganistão

Há ainda uma menção à situação das mulheres afegãs, que se veem diante do risco de um retorno dos Talibãs ao poder, o que poderia representar graves retrocessos em termos de direitos humanos. Quando a milícia comandava o país, ela foi acusada pela ONU de incentivar “todos os tipos de discriminação contra elas, como restrição a saúde, educação, emprego fora de casa, ajuda humanitária e limites à liberdade de movimento”.

— Qualquer acordo precisa preservar seus (das mulheres) ganhos se o Afeganistão quiser manter o apoio político e financeiro da comunidade internacional — afirmou a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, ao Conselho de Segurança nesta semana.

Prazos para retirada

A retirada das tropas americanas do Afeganistão foi acertada em negociações diretas entre o governo americano e representantes dos talibãs no ano passado, ainda no governo Trump, em circunstâncias pouco claras. Além da promessa da retirada, que surpreendeu aliados e mesmo integrantes do governo afegão, há uma iniciativa para um acordo entre o Talibã e as autoridades de Cabul, ainda em andamento e com muitas questões em aberto .

Segundo o New York Times, os dados de inteligência usados por Biden estão prontos desde o ano passado, mas Trump, mesmo assim , quis pressionar pela saída completa até maio. Biden foi mais cauteloso, sinalizando que não vai cumprir o prazo, mas declarando que “não pode imaginar” as tropas no país no ano que vem.

Os Talibãs já informaram que esperam que o combinado seja cumprido, ou seja, que as tropas estrangeiras saiam em breve. Caso contrário, prometeu retomar os ataques contra as forças de intervenção.

Mas enquanto boa parte da comunidade militar e de inteligência pressiona pela permanência, alguns integrantes do governo veem com certo ceticismo as informações dos relatórios. Segundo o New York Times, não há sinais de um reagrupamento de organizações terroristas em solo afegão — e o fato dos talibãs serem rivais do Estado Islâmico contribui para esta posição. Há ainda o debate sobre até que ponto a presença militar americana serve como um freio para o desenvolvimento pleno do Afeganistão.

A Casa Branca afirma que uma decisão final ainda não foi tomada. Uma revisão sobre a política americana para o Afeganistão ainda está sendo feita, e deve ser concluída em abril.