Crítica
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Por Patricia Kogut

Certos fatos extraídos dos noticiários parecem ficção. Mas não são. É o caso do que acompanhamos na série documental “O príncipe que nunca foi rei”, em cartaz na Netflix.

O personagem central é Vittorio Emanuele de Savoia (há muitos outros prenomes no meio, mas, por razões de espaço, é melhor abreviar). Filho de Umberto II, ele subiria ao trono italiano com a morte do pai. Isso não aconteceu porque a monarquia foi vencida pela república num referendo em 1946. Ainda garoto, seguiu com a família para um exílio que só terminou em 2002. Somos apresentados a ele em 1978, na casa de praia da família. A pequena baía em Cavallo, na Córsega, onde ele, a mulher e o filho passavam as férias, fica em frente à Sardenha. É de lá que vem um alegre grupo de jovens numa manhã de verão. Eles aportam para passar o dia. Nadam, bebem e dançam. A ideia é voltar no fim do dia, mas o tempo fecha e a navegação fica perigosa. Os amigos decidem pernoitar em sua lancha. Antes, procuram um restaurante, onde cruzam com Vittorio Emanuele e a família, que se irritam com a algazarra da turma.

Tudo isso piora mais tarde.

Os rapazes e moças estão dormindo no barco quando o príncipe aparece armado com um rifle. Uma discussão se instala e deriva em tiros. Dirk Hamer, um jovem alemão que acompanhava a irmã mais velha no passeio, é atingido. O socorro custa a chegar de Ajaccio, e o rapaz vai para o hospital. Contudo, semanas depois, não resiste.

O príncipe vai preso em Bonifácio. Contrata bons advogados e acaba solto dois meses depois. Irmã da vítima, Birgit Hamer, lutou anos para fazer justiça, mas esbarrou sempre na influência de Vittorio Emanuele. “O príncipe que nunca foi rei” traz um recado sobre impunidade.

Os jovens da lancha, hoje sessentões, são entrevistados, assim como o acusado, sua mulher e seu filho. Amigos e jornalistas que acompanharam tudo de perto também estão no documentário. O grande volume de material de arquivo impressiona e diz muito dos personagens envolvidos. Em 1978, como o leitor sabe, ninguém tinha celular e os meios de produção de vídeos não estavam democratizados, como hoje. Por isso, a própria fartura de registros em filme revela o perfil daquela elite retratada na série — e não me refiro apenas ao príncipe, mas também aos rapazes e moças que passeavam em Cavallo.

Vittorio Emanuele e sua mulher, Marina Doria, beldade suíça campeã de esqui aquático, levaram uma vida glamourosa. Se casaram em Teerã, apadrinhados pelo então Xá da Pérsia. É tudo bem curioso e exótico, mas não espere assistir a uma obra-prima. Acompanhar esta produção equivale a folhear uma daquelas revistas recheadas de alentadas coberturas de cada passo dado pela realeza europeia. Pura distração e frivolidade para devorar em pouco tempo. E por que não?

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