Crítica
PUBLICIDADE

Por Patrícia Kogut

(para seguir no Instagram é @colunapatriciakogut)

Que a televisão é um vetor fundamental da cultura brasileira todo mundo sabe. Porém, de vez em quando, ocorre algo que legitima essa ideia de forma arrebatadora. Aconteceu no último domingo, com a estreia da série documental sobre os 50 anos do “Fantástico”. O primeiro episódio (serão cinco no total) misturou informação, nostalgia e memória. Fez ferver as redes sociais. E não deixou dúvidas sobre a força dessa mídia como agente de formação da nossa identidade.

O semanal estreou em 1973. Deixo a quem for bom de matemática a conta de quantos domingos se passaram desde então. Ele mesclava jornalismo com show e sua fórmula conserva a essência. Mas nessas décadas, houve ali milhões de experimentações.

O primeiro episódio se debruçou sobre a primeira década e, com isso, trouxe um desafio. As primeiras edições do programa foram destruídas juntamente com grande parte do arquivo, num incêndio ocorrido na emissora em 1976.

A solução encontrada foi recorrer à Inteligência Artificial para “ressuscitar” fenômenos de audiência do passado. Assim, vimos Nizo Neto se transformar em Azambuja, personagem criado por seu pai, Chico Anysio. Léo Batista voltou a contracenar com a Zebrinha, aquela figura adorada que dava os resultados da loteria esportiva quando a palavra zebra ainda tinha o acento diferencial — era “zêbra”. A atriz Sandra Bréa ressurgiu, repetindo um número musical homenageando Marilyn Monroe. E Ney Matogrosso e os Secos & Molhados, com as cabeças servidas em pratos, também se transferiram para hoje. Tudo graças ao deep fake, em geral tão criticado, mas, aqui, com uma aplicação “do bem”. Foi obra de Bruno Sartori, conhecidíssimo nas redes por seu domínio da técnica.

Essa conexão entre o passado e o presente tão bem representada na tela teve também um valor simbólico. Ela abre uma reflexão sobre o vigor do “Fantástico”. Seus recados de 50 anos atrás continuam valendo e interessando. Tudo foi nostalgia na série documental. Mas a atualidade do formato também ficou evidente. Outra expressão concreta disso é a música de abertura, criação de Guto Graça Mello, no ar até hoje. 

Outro ponto em que a comemoração toca diz respeito à própria televisão tradicional. O “Fantástico” foi criado para fechar o domingo com um “sentimento de esperança”, como informa Boni nos primeiros minutos da série. Hoje, ele pode ser assistido quando o espectador quiser, no Globoplay. Mas continua profundamente identificado com seu horário de grade. E tem um público cativo que prestigia a faixa há anos. É um feito.

Voltando ao início desse texto, queria destacar uma fala de Ney Matogrosso. Ele lembrou que o lançamento dos Secos & Molhados e do clipe do grupo no “Fantástico” fez escândalo na época. “Mas, na TV, nunca nos pediram para parar aquilo. Era a televisão expandindo a mentalidade do público”.

Mais recente Próxima 'O príncipe que nunca foi rei', da Netflix: ingredientes saborosos