Sacola surpresa da Food To Save vira febre no Rio na luta contra o desperdício de alimentos

Alimentos em bom estado, condenados ao lixo, são vendidos com descontos em plataforma que reúne mais de 580 estabelecimentos

Por — Rio de Janeiro


Sacola surpresa do Food to Save vira febre no Rio na luta contra o desperdício de alimentos Domingos Peixoto

É no boca a boca (real ou virtual) que a notícia de bons produtos em promoção se espalha. Com descontos de até 70%, a surpresa — o cliente não escolhe o que vai levar — é guardada em sacolas que custam a partir de R$ 10,99. Mercearia, padaria, café, restaurante, pizzaria, hotel, supermercado... Em comum, todos têm itens que seriam descartados, seja por proximidade da data de validade ou por serem produtos artesanais, que não podem ficar para o dia seguinte. O desejo de evitar o desperdício desses alimentos inspirou a Food To Save, foodtech (startup do setor alimentício) que tem atraído cada vez mais usuários.

Na plataforma, sai o menu, entram as sacolas: o cliente só descobre o que carregam depois de pagar. Dependendo do lugar, podem ser escolhidos produtos doces, salgados ou uma mistura dos dois, em tamanhos e preços variados. O consumidor acaba desenvolvendo sua estratégia. Há quem prefira pedir em estabelecimentos que já frequenta para provar o que não costuma comprar.

— Eu vou em lojas que gosto. No aplicativo, favoritei algumas e recebo as notificações. Vem a da padaria Nema, por exemplo. O pão é diferente, adoro. Tenho que me segurar — conta a profissional de marketing Vanessa Moreira, de 46 anos, na plataforma há três semanas, por indicação de vizinhos na Barra da Tijuca, na Zona Oeste, onde mora. — Uma vez veio um pão integral que é maravilhoso. Eu tinha visto na loja, mas comprava os mesmos. Foi a oportunidade de experimentar.

Já os “desbravadores” aproveitam para conhecer lugares e cardápios novos.

— Tem lugares que são caros que, às vezes, colocam a sacola com preço bem inferior, e é interessante. Na Cacau Noir, por R$ 14,90 vieram duas barras, uma custa cerca de R$ 23 e outra, R$ 27. Valeu super a pena. Foi uma oportunidade de conhecer — diz a enfermeira Renata Blanco, de 32 anos. — Já tive compras boas, não tão boas e ruins. Gosto pela experiência.

Renata conheceu a plataforma há um ano e seis meses. Inicialmente, eram poucos os estabelecimentos disponíveis, e, na maioria, supermercados e hortifrútis. Restaurantes, padarias, lojas de chocolate, cafés e docerias começaram a aderir, o que transformou o Estado do Rio na segunda praça mais importante para a plataforma, atrás apenas de São Paulo, onde a Food To Save foi lançada, em maio de 2021.

Mais de 1 tonelada salva

Uma das características da iniciativa é a presença de redes — são marcas como Gurumê, Hortifruti, supermercado Zona Sul, padaria Nema, Porto do Sabor, Cacau Show, Megamatte, Lecadô e BR Mania. A lista inclui até um aplicativo: o popular Zé Delivery, negócio de entrega de bebidas.

Desde a chegada da empresa ao Rio, em maio de 2022, cerca de 1,2 tonelada de alimentos foi salva do desperdício, segundo estimativa da empresa. Os números do desperdício no Brasil variam. No ano passado, levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que 46 milhões de toneladas de alimentos são jogadas fora, enquanto o movimento social Pacto Contra a Fome calcula quantidade ainda maior, de cerca de 55 milhões de toneladas.

— O desperdício está onde tem alimento. Em todas as categorias ele existe; em algumas mais, em outras menos. A gente não anula a promoção de gôndola ou no caixa, é uma forma complementar — explica Lucas Infante, CEO e cofundador da Food To Save, ao destacar que a plataforma não tem como proposta gerar lucro, mas, sim evitar a perda, o que também é vantajoso. — A gente provoca os empresários a revisitar os produtos perto do vencimento. Por que não colocar parte na sacola e parte na operação e evitar o desperdício? É uma reflexão sobre hábitos.

Na Cake & Co., são oferecidas, em média, cinco sacolas por dia pela Food To Save, que esgotam rapidamente — Foto: Alexandre Cassiano/Agência O Globo

A administradora Tatiana Wolf, de 30 anos, já esteve dos dois lados do balcão. Hoje, tem contato com a gastronomia apenas como cliente, mas já trabalhou numa padaria, onde pôde acompanhar a tarefa nada simples de evitar o desperdício da produção excedente. A entrada na plataforma, há cerca de seis meses após indicação, surpreendeu pela quantidade de lugares.

— Já trabalhei em padaria e restaurante, e sei o quanto minimizar o desperdício é importante para a empresa. As lojas que conheço sei que virão coisas boas. O legal é a Sacola Surpresa. Não sabe o que vem, mas sabe que a qualidade é boa — conta Tatiana, que já comprou em padarias e hortifrútis. Os pedidos são feitos perto de onde está, como no trabalho, no Leblon, ou em casa, na Barra, sempre de olho para não comprar demais e deixar estragar em casa.

Para minimizar o esbanjamento, as empresas — assim como os consumidores — adotam estratégias. Na Porto do Sabor, os produtos que os clientes costumam desprezar são o alvo.

— Vamos observando o que não teve saída ou o item que não está dentro de um padrão visual para o cliente comprar. Isso acontece com as últimas duas ou três fatias de quiche, por exemplo. O consumidor às vezes não quer quando vê o prato assim. Então, nas sacolas, colocamos essa quiche, que está fresca, assada pela manhã, e repomos com uma nova na vitrine. Isso elimina a perda das que ficariam ali — diz Daniel Lazary, diretor de franquias da rede, que tem 35 lojas, das quais metade está na Food To Save.

Na Cake & Co., a tática é semelhante. A doceria oferece descontos de 70%: produtos que custam R$ 45 saem por R$ 13. Em média, são disponibilizadas cinco sacolas por dia, que acabam em minutos.

— Pode ser com todos os produtos que a loja possui. A fatia que não está bonita e vai ficar seca a partir de amanhã, o brigadeiro que vai açucarar... colocamos na sacola antes que isso aconteça. Vão fatias, não tortas inteiras, docinhos, pão de queijo. Ela é vendida com o que viria a ser desperdício — diz o porta-voz João Mayrinck.

Loja da rede Porto do Sabor aderem cada vez mais à Food To Save para evitar o desperdício da produção diária — Foto: Domingo Peixoto/Agência O Globo

A Pain Perdu Boulangerie, no Village Mall, na Barra, entrou na plataforma no ano de seu lançamento. A bandeira de salvar os itens de saírem da vitrine para o lixo foi o principal estímulo para a adesão. Um dos destaques da sacola são os folhados que, no dia em que são assados, conservam a crocância da massa, característica perdida para o dia seguinte. Com opções doces e salgadas, é uma das estrelas.

— O que nos levou para a Food To Save é a questão do desperdício. Por parte da empresa, a gente sempre foi muito limitado a dar comida, como doação. A plataforma é um intermediário. Minha perda, hoje, reduziu quase a zero — conta a diretora de operação, Adriana Pinto. — A gente recupera pelo menos o custo. Só o fato de um produto que está bom para consumo não ir para o lixo, qualquer valor que fosse, mesmo simbólico, valeria. É uma questão social mesmo.

E se o negócio azedar?

Desde que foi lançada, a plataforma só faz crescer no Rio. No início, a concentração de parceiros estava na Zona Sul, depois, expandiu-se para as zonas Norte e Oeste, até chegar a Niterói. Hoje, são 820 mil usuários e mais de 580 estabelecimentos cadastrados. Nos planos da foodtech — que atende, ao todo, sete capitais e 53 municípios — estão Nova Iguaçu e Volta Redonda.

Mas ainda acontecem ruídos. Nos últimos dias, na rede social X (antigo Twitter), viralizou o vídeo de um cliente de Belo Horizonte que optou pela sacola mista (em que deveriam constar itens doce e salgado) na opção mercearia de um supermercado e, ao abrir, encontrou 15 pacotes de biscoito recheado de mesmo sabor e marca, todos com vencimento para o dia seguinte.

Aqui no Rio, a primeira experiência da jornalista Jacqueline Costa também desandou. Na compra em um hortifrúti, parte dos itens que recebeu estava estragada. Ao reclamar, a segunda remessa também tinha problemas. Só com uma nova queixa foram enviados itens em bom estado.

— Uma decepção, tudo de péssima qualidade. E acho que a proposta não é essa. Mandei mensagem, entenderam e trocaram. Enviaram cinco itens, entre eles, uma caixa de ovos vencendo no dia seguinte. Depois de reclamar uma segunda vez, veio uma cesta bonitinha. Recebi alimentos impróprios para o consumo, perde-se totalmente o princípio do aplicativo — critica.

Lucas Infante enfatiza que os problemas devem ser relatados. No aplicativo há a opção “Fale conosco”. Neste link, o cliente é redirecionado para o WhatsApp da plataforma, que tem, entre as opções, “Problemas com meu pedido”.

— Não adianta resolver o problema do desperdício no estabelecimento e levar para sua casa. É muito relevante a opinião do cliente — afirma.

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