Cidades são causa e consequência de eventos extremos

Grandes emissoras de CO2, elas sofrem com ondas de calor e chuvas intensas. Especialistas alertam para urgência de medidas de adaptação


Transportes são o maior emissor de gases do efeito estufa nas cidades. Rio e São Paulo estão no topo do ranking nacional Edilson Dantas / O Globo

Porto Alegre é o mais dramático exemplo no Brasil do protagonismo das cidades na crise climática. Ao mesmo tempo em que emitem gases do efeito estufa, é nelas onde mais se sofre com as consequências dos extremos do clima. Eventos como grandes inundações e ondas de calor severo, antes raros, se tornaram mais frequentes e intensos. E tendem a se agravar se não houver medidas de adaptação e mitigação.

Mais da metade da população mundial — e 61% da brasileira — vivem em cidades. Globalmente, elas abrigarão dois terços da população em 2050. E, apesar de cobrirem cerca de 2% da superfície (no Brasil, 1%) do planeta, consomem 75% da energia e respondem por 70% das emissões relacionadas do setor.

Para continuarem a crescer com os métodos empregados hoje, inviabilizarão até mesmo as metas menos ambiciosas de cortes de emissões. Somente a produção dos materiais para sua expansão responderá por metade das emissões permitidas, caso se atenda ao limite máximo de aumento de temperatura média do planeta de 2°C em 2100, indicam dados do Urban 20, a iniciativa que reúne prefeitos das principais cidades de países do G20.

Leia mais: De árvores gigantes em Cingapura a pirâmide solar em Curitiba, inspirações ao redor do mundo para combater as mudanças climáticas

Daí a urgência de medidas de adaptação, algo que foi negligenciado pelos governos, na avaliação do climatologista Carlos Nobre, um dos pioneiros no estudo sobre mudanças climáticas no país.

— Os países se comprometeram com reduções de emissões. A adaptação ficou em segundo plano, mas se tornou urgente. Os desastres estão vindo mais depressa. Os extremos explodiram. E a adaptação está muito atrasada. O Brasil teve avanços significativos em cortes de emissões e caminha positivamente nessa área. Mas adaptar é uma emergência, seja a inundações, deslizamentos ou calor — afirma Nobre.

Ajustes no financiamento

As cidades precisarão não apenas de obras, planos e políticas públicas, mas de novos modelos de financiamento, que coloquem a sustentabilidade e o clima como fatores obrigatórios de projetos, não importa o setor. Também serão necessários rearranjos políticos e financeiros para que a adaptação no Brasil avance, diz o economista Walter Figueiredo De Simoni, coordenador da iniciativa Subnacional do Instituto Clima e Sociedade (ICS), que busca fortalecer ações de mitigação e adaptação climática em estados e municípios.

Ele lembra que o Brasil tem um plano nacional de adaptação, assim como os estados e alguns municípios, mas afirma que isso não basta.

— Será necessário um pacto federativo. E é muito importante que o país, que está à frente do G20 e da COP30, avance para que possa liderar e tenha o que mostrar nessas discussões — diz De Simoni.

No Brasil, segundo dados de 2022 apresentados ano passado, é o uso da terra (desmatamento) e a agropecuária que respondem pela maior parte das emissões: 48% e 27% do total, respectivamente. Energia vem em terceiro lugar, com 18%, seguido por resíduos (4%) e processos industriais (3%, o consumo energético entra no setor energia).

Trânsito na Av. 23 de Maio, em São Paulo — Foto: Edilson Dantas / O Globo

Mas quando se observam as cidades, as grandes metrópoles estão no topo das fontes urbanas poluentes. São Paulo, Rio de Janeiro, Serra (ES), Manaus e Brasília lideram o ranking dos municípios que mais emitem gases do efeito estufa no país, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), principal plataforma de monitoramento de emissões na América Latina.

Impacto na produtividade

O setor de energia é a principal fonte de emissões nas cidades brasileiras e, dentro dele, os transportes têm o maior peso geral (53%). Não por acaso Rio e São Paulo sofrem alterações na qualidade do ar, temperatura, distribuição de nuvens e padrões de chuva.

Leia mais: Em busca da mobilidade verde, cidades investem em ônibus elétricos

No Rio Grande do Sul, a catástrofe climática veio na forma de inundação. Mas Nobre e Renata Libonati, coordenadora do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ, chamam atenção para o calor. Em 2023, foram 11 as ondas de calor no Brasil e, neste ano, elas já somam cinco. A ONU estima que o calor reduzirá em 20% a produtividade urbana até 2050.

— Por sua frequência e abrangência, o calor é o nosso maior inimigo, um desastre que veio para ficar. Ele tem um peso invisível na saúde e na produtividade. Agrava doenças, aumenta a demanda por energia. A qualidade do ar e da água piora — destaca Renata.

Para Nobre, é preciso considerar as ondas de calor como desastre, da mesma forma que deslizamentos e inundações. A população já sente os efeitos desses eventos em sua vida e se preocupa. Pesquisa do Programa de Meio Ambiente da ONU (Pnuma) divulgada em março mostrou que dois em cada três brasileiros dizem que as mudanças do clima causam impacto de forte a extremo em sua vida. É o índice mais alto de preocupação entre 17 países pesquisados.

David Tsai, coordenador do SEEG, diz que a ciência já ofereceu os caminhos e as formas de mitigar e adaptar às mudanças climáticas.

— Colocar em prática é uma decisão política.

Veja 20 fotos emblemáticas das chuvas no Rio Grande do Sul

20 fotos
Os temporais, que começaram em 27 de abril, ganharam força no dia 29 e já afetaram mais de 873 mil pessoas em território gaúcho, de acordo com o último boletim da Defesa Civil.
Mais recente Próxima Corredores verdes e cidades-esponja, as soluções que vêm da natureza