Análise: Decisão histórica da Suprema Corte é vitória de Trump mas, mais importante, derrota da democracia americana

Maioria conservadora manda de volta à segunda instância definição sobre processos enfrentados por republicano, que deverão ser julgados após eleições de novembro

Por — São Paulo


O ex-presidente Trump voltou ao Congresso americano pela primeira vez desde a invasão em 2021. No mesmo dia, particiopu de conversa com cerca de 90 CEO’s de grandes corporações onde prometeu mais corte de taxações Anna Moneymaker / AFP

Um dos exemplos mais extremos usados pela defesa do ex-presidente durante as argumentações na Suprema Corte sobre a tradução da imunidade presidencial na Constituição americana foi a de que Donald Trump estava isento até mesmo se ordenasse a morte de um rival político. Assassinato. A discussão central era sobre se ele poderia ser julgado por tentar manipular as eleições de 2020. Presidentes, no entanto, desfrutariam de “imunidade por atos oficiais”, desde que no comando do país, e não afastados do cargo por processo de impeachment iniciado na Câmara e referendado pelo Senado. Ora, jamais a alta Casa do Congresso americano tirou o mandato de um presidente — dos quatro processos que seguiram adiante, dois deles inclusive contra Trump, nenhum foi confirmado pelos senadores.

A decisão histórica desta segunda-feira, com maioria de seis conservadores contra os três juízes liberais, foi uma inequívoca vitória de Trump. E também uma derrota sem muitos paralelos históricos para a democracia americana, com consequências imprevisíveis. Ao determinar que presidentes americanos têm imunidade em determinados atos e que tribunais menores precisarão agora traçar os limites do que é “oficial”, portanto imune, e “não oficial” (ações como pessoa física), os juízes ao mesmo tempo aproximaram o país perigosamente de autocracias e deram mais oxigênio à candidatura republicana.

Trump muito provavelmente não precisará responder até novembro por seu papel na invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 ou por sua intervenção (com telefonemas a oficiais responsáveis pelo comando das eleições em estados decisivos) no processo de apuração do voto popular e da confirmação de resultados no Colégio Eleitoral em 2020. Se eleito, um de seus primeiros atos, já avisou o republicano, é orientar o novo secretário de Justiça a encerrar o caso.

Mas, mais do que a decisão, é importante refletir sobre o que a Suprema Corte não fez. O organismo máximo do Judiciário americano não determinou ser ilegal, se comprovado, um presidente constitucionalmente apto a disputar a reeleição tentar manipular o pleito. Os juízes conservadores miraram no que pensavam os “Pais Fundadores” e na separação de Poderes, mas atingiram em cheio a democracia americana.

Três deles foram indicados à Corte pelo próprio Trump, e um outro, Clarence Thomas, não se considerou isento em julgar o caso mesmo sendo casado com a ativista de direita Ginni. Ela confirmou ter participado de um protesto negacionista em Washington em 6 de janeiro e enviou uma mensagem à época para Mark Meadows, chefe da Casa Civil do governo Trump, afirmando que “Biden e a esquerda querem seguir com a maior roubalheira de nossa História", em referência às eleições de 2020.

Assim como Thomas, o juiz Samuel Alito foi nomeado à Suprema Corte pelo republicano George W. Bush. Ele também foi criticado por organizações vigilantes da ética na política e no Judiciário por não ter se considerado impedido de apreciar o caso, após o New York Times revelar que bandeiras do movimento "Stop the seal" (contrário à diplomação de Biden pelo então vice-presidente, Mike Pence, como prevê a Constituição) foram hasteadas em duas de suas casas. O juiz enviou uma carta aos democratas explicando por que se considerava apto a participar da decisão. Nela argumentava que sua mulher, Martha-Ann Alito, "foi a única responsável pela colocação de mastros em nossa residência e casa de férias, incluindo grande variedade de bandeiras ao longo dos anos". Ficou por isso.

Ao escrever a duríssima opinião da minoria, a juíza Sonia Sotomayor, indicada pelo democrata Barack Obama, não mediu palavras. O que a Suprema Corte fez nesta segunda-feira, alertou, foi “zombar” da pedra fundamental da democracia americana: a de que ninguém está acima da lei, exatamente o oposto do que defende o texto assinado pela maioria. Na prática, deu “tudo e um pouco mais”, a Trump, “de modo injustificável”.

"A relação entre o Presidente da República e o povo a quem ele serve foi alterada de modo irrevogável hoje. Na prática ele é agora um Rei acima da lei", escreveu Sotomayor, três dias antes de os EUA celebrarem 248 anos de sua Independência da monarquia britânica.

E Trump não só conseguiu jogar a definição de regras claras sobre a imunidade do Executivo para depois das eleições de novembro, como queria, como avançou, para bons entendedores, mais uma casa no tabuleiro de ameaças de vingança a seu antecessor no caso de uma vitória nas urnas sobre o rival democrata: “a decisão preocupa muito mais é o Biden, e com razão”, já avisara no fim de semana.

Em meio aos alertas, após o desempenho catastrófico no debate da última quinta-feira, inclusive de dentro do establishment democrata, de que Joe Biden não tem condições de seguir na campanha, a decisão desta segunda-feira pinta em cores vivas a importância de quem estará no comando do país a partir de 2025. Muito provavelmente — as cadeiras na Suprema Corte americana são vitalícias — o próximo presidente nomeará dois juízes. Com Trump, a maioria conservadora, hoje de 6 a 3, pode supostamente chegar até a 8 a 1. E alterar ainda mais profundamente as entranhas da maior potência global. Durma-se com uma matemática dessas.

Mais recente Próxima Eleição EUA: Família de Biden encoraja presidente a não desistir da campanha apesar de debate, dizem fontes