Corte de empregos nas 'big techs' expõe crise do setor e deve frear inovações

Inflação e juros altos forçam gigantes de tecnologia como Twitter, Meta e Amazon a demitir milhares de profissionais


Twitter já vinha apresentando dificuldades de gerar lucro e atrair usuários antes de ser comprado por Elon Musk. Bilionário cortou 50% da força de trabalho da rede social David Paul Morris/Bloomberg

Depois de um novembro em que gigantes americanas da tecnologia como Meta, Twitter e Amazon demitiram juntas quase 26 mil profissionais, os especialistas tentam responder quais serão as consequências desse ajuste da força de trabalho para o setor e qual o futuro dessas empresas. É a primeira grande crise desde a bolha da internet na Nasdaq, a Bolsa que reúne empresas de tecnologia nos EUA, no início dos anos 2000, e agora há dúvidas se o estrago potencial pode ser da mesma ordem.

Entre as poucas certezas estão a de que o crescimento acelerado dessas empresas nas últimas duas décadas não se repetirá, e a de que avanços tecnológicos ambiciosos como o Metaverso devem sofrer uma freada brusca.

Guilherme Zanin, estrategista da Avenue Investimentos, chama a atenção para o pano de fundo macroeconômico da atual crise das big techs, que é a face mais visível das dificuldades que afetam todo o setor de tecnologia no mundo, inclusive no Brasil.

A inflação global que se seguiu à pandemia provocou alta de juros nas principais economias, e o custo de capital alto fechou as torneiras dos investidores para negócios de tecnologia, das gigantes às startups.

Enquanto os desembolsos dos fundos de venture capital (capital de risco) foram de US$ 172 bilhões no terceiro trimestre de 2021, no mesmo período desse ano não passaram de US$ 81 bilhões. Mais de 142,5 mil funcionários de empresas de tecnologia de todo o mundo foram demitidos nos últimos meses, segundo o site Layoffs.fyi, que acompanha os cortes no setor. Houve dispensas em ao menos 889 empresas de tecnologia.

— Essas empresas terão que se tornar mais eficientes. Com inflação e juros elevados e a desaceleração da economia global, as gestoras de venture capital (capital de risco) vão buscar apenas projetos que tenham viabilidade — explica Zanin.

Conheça grandes negócios no mundo da tecnologia

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Junior Borneli, CEO da plataforma de conhecimento da nova economia StartSe, lembra que foram mais de duas décadas de crescimento acelerado, depois da crise dos anos 2000. Houve muitos aportes de recursos, contratações e um otimismo exagerado que inflou o valor de mercado das companhias:

— A conta desse otimismo em excesso está chegando.

Mas o que chamou a atenção foram os desligamentos em massa em gigantes como Amazon, Facebook e Twitter. Ao final dos resultados do terceiro trimestre, Alphabet (dona do Google), Amazon, Meta (dona do Facebook) e Microsoft perderam mais de US$ 350 bilhões em valor de mercado. Os analistas avaliam que essas companhias devem reduzir ainda mais custos.

Google está sofrendo com a economia global pisando no freio, o que reduz verba de publicidade — Foto: Tobias Schwarz/AFP

Empresas inchadas

Isso significa que haverá mais demissões, prevê Arthur Igreja, especialista em tecnologia. Empresas como Meta e Amazon contrataram muito na pandemia para atender ao consumo on-line:

—Com a chamada “guerra de talentos”, elas começaram a contratar mesmo sem os resultados fechados. As demissões no setor de tecnologia acabam puxando a Bolsa para baixo, sinalizando a necessidade de mais demissões, e esse ciclo começa a se retroalimentar. O fechamento de vagas pode continuar por algum tempo.

A Amazon cortou 3% de sua força de trabalho, equivalente a 11 mil pessoas. Na Meta, foram mais 11 mil postos fechados. No Twitter, depois da chegada do bilionário Elon Musk ao controle da empresa, foram demitidas 3,6 mil pessoas.

A Amazon contratou muito para atender à demanda na pandemia. Com reabertura das lojas, consumidor retomou compras presenciais — Foto: Stephanie Keith/Bloomberg

A retração da economia global e resultados ruins de algumas dessas empresas nos últimos trimestres explicam parte do problema. Mas cada uma das big techs tem motivos próprios para cortar na carne.

A Amazon inchou com o crescimento das vendas on-line. Com a reabertura das lojas, o consumidor voltou às compras presenciais, e a Amazon ficou com estrutura superdimensionada. A empresa teve prejuízo de US$ 3 bilhões entre janeiro e setembro, revertendo lucro de US$ 19 bilhões do mesmo período de 2021.

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Para justificar os números ruins e o ajuste no quadro de funcionários, a empresa informou aos investidores que o ambiente macroeconômico atual é “incomum e incerto” . “Algumas equipes estão fazendo ajustes, o que em alguns casos significa que certas funções não serão mais necessárias”, informou a Amazon.

Já na Meta, a decisão de investir no Metaverso foi tomada também durante pandemia, quando a realidade virtual parecia ser um sucesso. Mas essas projeções caíram por terra. A empresa havia contratado 28 mil pessoas para o projeto. Para cortar custos, abrirá mão de parte de seus escritórios em Manhattan. A empresa, que aluga mais de 2.000 metros quadrados em duas torres, recusou renovar o contrato.

— A empresa gastou dinheiro demais, o Metaverso virou uma fantasia, e a Meta teve que enxugar seu time —explica Borneli, lembrando que a empresa busca aumentar sua rentabilidade em outros negócios, como o WhatsApp.

Mark Zuckerberg investiu muito no Metaverso, que não teve o sucesso esperado — Foto: Michael Nagle/Bloomberg

Mark Zuckerberg, diretor-executivo da Meta, disse que errou ao aumentar os gastos da empresa prevendo crescimento após o auge da pandemia. “Tomei a decisão de aumentar significativamente nossos investimentos. Infelizmente, as coisas não aconteceram da maneira que eu esperava”, disse Zuckerberg ao demitir 13% dos funcionários.

O lucro da Meta ficou em US$ 4,4 bilhões no terceiro trimestre deste ano, queda de 52% em relação ao mesmo período de 2021.

No Twitter, a situação é mais complicada. Especialistas calculam que a empresa tem perdas diárias de US$ 4 milhões e, se não reverter essa sangria, pode quebrar. A chegada de Elon Musk promoveu uma ruptura com os principais anunciantes, afetando as receitas anuais de US$ 5 bilhões com discussões sobre moderação de conteúdo, segundo o jornal Financial Times. Musk disse que a Apple cortou sua publicidade no Twitter e até ameaçou retirar a rede social de sua loja de aplicativos.

Google corta projetos

O Twitter já enfrentava dificuldades para gerar lucro e atrair usuários antes de ser vendido. Agora, cerca de 50% da força de trabalho foram cortados, embora Musk tenha anunciado que estaria contratando. Ele disse aos funcionários que eles precisavam se comprometer com “longas horas de trabalho em alta intensidade” ou sair.

O Google cortou sete de 14 projetos que estavam sendo tocados. Pelo menos 170 pessoas trabalham nesse setor e já foram avisadas que, se não se encaixarem em novas funções até janeiro, serão demitidas.

— Cerca de 80% da receita do Google vêm de anúncios. Com a economia global esfriando, as empresas reduzem a publicidade —diz Borneli, lembrando que pela primeira vez o Google se sente ameaçado como ferramenta de busca pelo TikTok.

Microsoft e Apple têm receitas de fontes diversificadas, como softwares e o iPhone, e são mais resilientes, avalia Borneli. Tiveram lucros de mais de US$ 20 bilhões no terceiro trimestre.

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