Um pedido de vista coletivo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou para a próxima quarta-feira a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC), que prevê autonomia financeira e orçamentária para o Banco Central (BC). Desde 2001, o BC tem autonomia operacional, ou seja, não está vinculado ao Ministério da Fazenda, mas depende dos recursos do Tesouro Nacional.
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A PEC foi protocolada no Senado em novembro do ano passado, sob autoria do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO). O texto ganhou apoio quase imediato da cúpula do Banco Central que pede reajustes salariais e uma disponibilidade maior de orçamento para a autarquia.
Inicialmente na sessão desta quarta-feira, o senador Rogério Carvalho (PT-SE), apresentou um requerimento de adiamento da análise da matéria por 30 dias úteis, alegando ter entrado em acordo com o autor do texto, Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e com o senador Otto Alencar (PSD-BA).
Antes de entrar na análise do requerimento, o relator do projeto, senador Plínio Valério (PSDB-AM) fez a leitura de seu relatório, que foi favorável à aprovação, na forma de texto substitutivo, e protestou contra um adiamento da proposta.
— Qualquer pedido de adiamento está alimentando o acirramento entre BC e presidente Lula (...) Isso aqui é coisa de estado, é projeto de estado, não é político, não é de estado, nem é do presidente Lula, esse projeto é de estado — afirmou o senador.
O senador Cardoso, no entanto, negou que tivesse chegado a um acordo de adiamento por 30 dias e afirmou que tinha entrado em consenso por um pedido de vista. Em seguida, o pedido de vista coletivo adiou a votação para a próxima semana
— As pessoas fazem acordo e não cumprem — protestou o senador Rogério Carvalho (PT-SE).
A proposta amplia a autonomia do BC para dar independência financeira e orçamentária ao órgão, tornando-o uma empresa pública. O governo, no entanto, tem resistido ao projeto. O texto ainda prevê uma reestruturação das carreiras do BC, com ajustes salariais.
Acirramento de tensão
A análise do projeto acontece em um momento de acirramento da tensão entre governo e mercado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já fez uma série de críticas em relação à autonomia vigente no BC, mas recuou em sua última entrevista na terça-feira, e defendeu que a autonomia da autoridade monetária deve ser mantida.
— Mas eu acho que a gente precisa manter o Banco Central funcionando de forma correta, com autonomia, para que o presidente do BC não fique vulnerável às pessoas políticas — disse o presidente em entrevista à rádio Sociedade, de Salvador (BA).
Como mostrou o GLOBO, nos bastidores, a cúpula da equipe econômica avalia que, para conter a escalada do dólar, Lula precisará recuar em sua cruzada contra o Banco Central e o atual chefe da autoridade monetária, Roberto Campos Neto. No entanto, ninguém arrisca cravar que o presidente será convencido disso.
Nessa terça, em entrevista coletiva na Fazenda, Haddad já sinalizou que o governo deve “acertar a comunicação” em relação às críticas ao BC.
— O melhor a fazer é acertar a comunicação — disse o ministro a jornalistas no Ministério da Fazenda. — Não vejo nada fora disso: autonomia do Banco Central e rigidez do arcabouço fiscal. É isso que vai tranquilizar as pessoas.
Em evento em Portugal também nesta terça, Campos Neto afirmou que a interrupção do ciclo de quedas nos juros, decidido na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), teve como uma das motivações "ruídos" em relação a expectativas sobre a trajetória fiscal e política monetária do país.