O acordo para que os planos de saúde suspendessem os cancelamentos unilaterais de determinados contratos, anunciado na semana passada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi condicionado a alguns termos que estarão na nova lei que regulamenta o setor. Entre eles a cobertura limitada de procedimentos - sem internações - e a formação de consórcios para compra de medicamentos de alto custo.
O remédio para fibrose cística, por exemplo, custa R$ 92 mil. A terapia com o medicamento acaba de chegar ao Sistema Único de Saúde (SUS). A formação de consórcios entre o sistema público de saúde e hospitais privados permite o ganho de escala, barateando o preço dos remédios adquiridos.
Um dos temas que estão sendo negociados com deputados e que deve estar no novo texto da lei é o que se refere à regulamentação de um novo produto, o chamado “plano segmentado”. A modalidade de contratação daria aos usuários o direito apenas a consultas e exames, sem contemplar internações.
As operadoras argumentam que isso aliviaria seus caixas, já que os contratantes de planos com essa restrição teriam de arcar, à parte, com os custos de eventuais permanências em hospitais para tratamentos.
Além disso, a regulamentação desse tipo de “plano popular” evitaria o que o setor chama de “judicialização da saúde”, que ocorre quando pacientes conseguem liminares que obrigam as operadoras a custearem suas internações. Com os planos segmentados, que restringem o rol de atendimentos, portanto, seria criada uma espécie de “blindagem jurídica” para o setor.
As mudanças na lei ainda estão em fase de negociação. Lira chamou e participou da reunião com planos de saúde na qual foram debatidas as propostas do setor. Ele ainda não se manifestou sobre o mérito de eventuais mudanças, e nos bastidores tem esperado o texto ser finalizado para comentar o tema.
Consórcio para compras
O avanço do projeto não significa, porém, que todas as propostas serão aprovadas. A tendência é que a votação ocorra no segundo semestre e, até lá, haverá mais negociações políticas para o texto.
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O modelo sugerido pelas operadoras é equivalente ao de planos de saúde populares proposto em 2016, um projeto que não avançou. Ao oferecer menos serviços do que previsto no rol, o argumento é que esses planos seriam mais acessíveis à população, ampliando a entrada de pessoas na saúde suplementar.
Outro pedido dos planos é a criação de uma espécie de consórcio para a aquisição de medicamentos de alto custo, essenciais para alguns tratamentos.
Em alguns casos previstos em lei, as seguradoras são obrigadas a custear remédios para pacientes em estado grave. Entretanto, o setor reclama de preços altos, sobretudo em medicamentos importados.
Por meio de uma espécie de pool, as seguradoras poderiam fazer compras com preços iguais aos aplicados ao governo, quando faz compras para abastecer hospitais públicos atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Também está entre os pleitos das seguradoras a criação de uma espécie de “prontuário unificado eletrônico”, válido tanto para a rede pública quanto para a privada. Hoje, as duas redes não têm canal único de comunicação.
Dessa forma, um paciente que é transferido de um hospital público para a rede privada, em muitos casos, precisa realizar novamente exames de imagem e ressonância, por exemplo — o que acarreta um sobrecusto aos planos. Com a criação de um prontuário eletrônico, este custo poderia ser poupado.
Limite de coparticipação
Em contrapartida aos pedidos dos planos, a Câmara também apresentou alguns pontos considerados “inegociáveis”, que estarão no texto da nova lei: a proibição das rescisões unilaterais de contratos que estejam adimplentes e a criação de uma fórmula de cálculo que impeça o que se considera reajustes abusivos dos planos coletivos.
A ideia é criar um cálculo que faça uma razão entre todos os contratos das seguradoras, impedindo o reajuste abusivo para uma única empresa.
Relator da Lei dos Planos de Saúde, o deputado Duarte Jr. (PSB-MA) diz estar disposto a negociar alguns pontos com os planos para o novo texto, mas reitera a vontade de impedir as rescisões unilaterais. Pelo acordo firmado por Lira, o texto final, com ajustes, deve ser votado até o fim do ano.
— Este projeto tramita há incríveis 18 anos na Câmara e já está pronto para ser votado, com requerimento de urgência aprovado. Podemos fazer alguns ajustes, sim, dialogar entre as partes. Mas precisamos combater essa prática imoral, ilegal e criminosa que é rescindir contratos de maneira unilateral de pacientes que se tratam de câncer e usuários com espectro autista, por exemplo — diz.
O ponto do projeto que proíbe as operadoras de rescindirem unilateralmente os contratos firmados com beneficiários ressalta a exceção de casos em que o atraso na mensalidade supere 60 dias consecutivos. Outro ponto obriga o poder público a manter plataforma digital com informações relativas ao histórico de saúde de pacientes atendidos em toda a rede de saúde do Brasil.
O texto prevê ainda, na hipótese de o contrato estabelecer coparticipação, que o percentual máximo a ser cobrado do beneficiário não poderá ultrapassar 30% do valor do procedimento ou evento.
Nos últimos meses, aumentaram as queixas de rescisões feitas pelas operadoras e que têm afetado usuários com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou doenças graves. Após negociações entre Lira e representantes do setor na semana passada, ficou acertada a suspensão de rescisões unilaterais em determinados casos.
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Esses casos compreendem pacientes internados, pacientes com câncer com terapia em curso e pacientes com TEA e Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD).
Mais prazo para explicação
As 20 operadoras de planos de saúde notificadas pelo governo federal a dar explicações sobre cancelamentos unilaterais de contrato conseguiram mais dez dias para prestarem esclarecimento. Na última terça-feira, as empresas pediram mais tempo para a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça.
A Senacon enviou notificação e definiu prazo de dez dias para as empresas informarem o número de cancelamentos unilaterais em 2023 e 2024, os motivos, quantos desses beneficiários estavam em tratamento, quantos necessitam de cuidados ou assistência contínua de saúde, quantos são idosos ou têm transtornos globais de desenvolvimento e a faixa etária daqueles que tiveram planos cancelados.
*Colaborou Eliane Oliveira