Teatro
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Por — Rio de Janeiro

Bem que Jô Soares avisou: “Prepare o seu coração”. Mas de nada adiantou o conselho, dado durante um telefonema. Quando Julia Lemmertz viu a filha no palco, encenando ao lado do apresentador a peça “O libertino”, foi arrebatada pela emoção. A atriz já tinha assistido a Luiza atuando no Teatro Oficina, em espetáculos viajandões de Zé Celso. Mas vê-la fazendo teatro clássico pela primeira vez, num palco italiano, dentro de um figurino de época, mexeu demais com ela.

Inclusive com sua memória ancestral. A atriz foi invadida pela lembrança dos que começaram a construir a trajetória artística da família bem antes dela: sua mãe, a atriz Lílian Lemmertz, e seu pai, o ator Lineu Dias. A partir daí, não conseguiu mais prestar atenção na peça. Precisou voltar outro dia para assistir novamente e entender do que se tratava o espetáculo.

Luiza e Julia Lemmertz: 'A gente se ouve, se dirige, conversa. A intimidade faz a convivência de trabalho ser muito boa' — Foto: Leo Aversa
Luiza e Julia Lemmertz: 'A gente se ouve, se dirige, conversa. A intimidade faz a convivência de trabalho ser muito boa' — Foto: Leo Aversa

Ela jamais teve a chance de trabalhar com a própria mãe. Tinha 23 anos quando Lílian morreu. O pai chegou a fazer uma rápida e pequena participação no filme “Um copo de cólera” (1999), protagonizado pela filha (e pelo ator e seu ex-marido, Alexandre Borges). Nada em que pudessem trocar profundamente. Por isso, a notícia que Julia e Luiza dividirão o palco pela primeira vez chega agora repleta de significados.

Será em “Tempestade”, livre adaptação do clássico de Shakespeare, assinada (e dirigida) por Aluizio Abranches (também diretor de “Um copo de cólera”) e Fernando São Thiago (que assina ainda a codireção). Com estreia marcada para o dia 14, no Teatro Poeira, Zona Sul do Rio de Janeiro, a versão reconta a história original trocando o gênero do personagem protagonista. Próspero, desta vez, é Próspera, personagem interpretada por Julia. Luiza faz Miranda, filha de Próspera.

Julia Lemmertz e a filha, Luiza, falam da experiência de atuar juntas pela primeira vez

Julia Lemmertz e a filha, Luiza, falam da experiência de atuar juntas pela primeira vez

— Me pego em cena olhando para ela, e meu coração chega a dar pulinhos. Penso: nossa, como ela é linda como atriz, que atriz linda — conta Julia, com os olhos marejados. — A gente fica emocionada quando vê um filho se realizando, fazendo bem alguma coisa. E nela, vejo meu pai, minha mãe... Então, o que está acontecendo é de uma outra natureza, uma natureza maravilhosa, porque é um prazer e um privilégio.

As duas já dividiram a cena informalmente, digamos assim. A filha era um bebê quando entrou na ribalta no colo da mãe na peça “Orlando”, sob direção de Bia Lessa. Depois, já dando os primeiros passinhos, cruzou o palco de fralda, no mesmo espetáculo, numa cena em que Julia, Claudia Abreu e Fernanda Torres entravam em uma banheira. Quando a mãe encenou um “Hamlet” que durava cinco horas na reabertura do Teatro Oficina, Luiza, já com cerca de 5 anos, dormia e acordava sobre as almofadas que compunham o cenário dos aposentos reais.

— Às vezes, ela tinha vontade de fazer xixi, e o Alê (Alexandre Borges) a pegava no colo e cruzava a pista do Oficina para levá-la ao banheiro —, lembra Julia, aos risos.

Mas agora é real, oficial e profissional. Elas vão colocar em prática o desejo de atuarem juntas que acalentam faz tempo. Ele não aconteceu antes porque Luiza estava trilhando o próprio caminho. Depois pariu um filho, Martim, neto de Julia, hoje, com 6 anos.

Voltando ao tal caminho, Luiza construiu trajetória que, por vezes, cruzou com a da mãe, já que as duas trabalharam com diretores em comum, como Zé Celso e Bia Lessa. Um contato inesperado com o legado artístico da família fez diferença quando ela decidiu seguir a mesma carreira de seus antepassados. Foi quando mudou-se para São Paulo e foi morar no apartamento do avô. O lugar permanecia do jeito que ele havia deixado antes de morrer: paredes repletas de post-its e livros com páginas marcadas

— Ela, praticamente, conversava com ao avô dentro do apartamento, porque ele realmente estava lá — diz Julia. — Ali também estavam as correspondências que eu havia trocado com meu pai na vida.

Luiza leu tudo. Arrumou e reorganizou a biblioteca do avô. Nesse processo, fez descobertas preciosas.

— Havia textos de teatro, diários e fui vendo muitas conexões. Eu já estava no Oficina e encontrei o texto de “Andorra”, com o nome do Zé Celso, que meu avô tinha feito em 1964. Eu nem sabia… Ao mesmo tempo, comecei fazendo “Cacilda!”, peça sobre o início da carreira de Cacilda (Becker). E, no apartamento do meu avô, fui aprendendo sobre o início do teatro brasileiro, TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), Ziembinski ... Foi uma experiência incrível, uma faculdade.

O convite de Aluizio veio para, finalmente, desencadear a parceria entre mãe e filha. Um encontro em que elas se servem da intimidade para estabelecer o jogo cênico entre duas atrizes.

— Não sinto uma diferença da própria vida, porque a gente já é muito parceira. Somos em cena, trabalhando, o que a gente é sempre – analisa Luiza. — Mas tem uma admiração absurda. A gente se ouve, se dirige, conversa. A intimidade faz a convivência de trabalho ser boa. Ter parceiros em quem se confia, é muito valioso.

Julia conta que tem aprendido com a filha.

— Tem esse lugar de duas atrizes, com idades diferentes (Julia tem 60; Luiza, 35), experiências comuns e outras nem tanto. Ouço muito as observações da Luiza. Ela tem um lugar criativo muito acurado que, ouso dizer, é maior que o meu, às vezes. Lugares que ela olha e eu não vi. A gente fica atenta nessa troca e construção.

É uma cumplicidade que Julia sempre fez questão de regar com dedicação. Motivada por um fato que lhe incomodou bastante. Sua mãe, Lílian, brigava muito com sua avó. Quando a primeira morreu, um ano antes da segunda, as duas não estavam se falando.

— Nunca entendi os motivos, mas me marcou. Sei que fez muito mal às duas. Quando tive Luiza, minha mãe tinha morrido dois anos antes. Eu olhava para aquele bebê, aquela menina, e falava: “Vou ser sua melhor amiga. Não tenha dúvida disso, tô aqui para o que der e vier, conta comigo, jamais vou brigar ou deixar de falar com você”. Eu trocava a fralda dela dizendo essas coisas.

‘Não me interessava reproduzir o ponto de vista patriarcal’, diz diretor

Para Aluizio Abranches e Fernando São Thiago não há desequilíbrio de gênero tão radical em nenhuma outra peça de Shakespeare como em “A tempestade”. Por isso, para falar de temas como poder, patriarcado, gênero e etnia, assuntos que o texto original aborda levantando discussões necessárias nos dias de hoje, a dupla que assina “Tempestade,” livre adaptação do clássico do bardo, decidiu começar trocando o protagonista homem por uma mulher.

Próspero, na versão deles, é Próspera. Contar essa história a partir do ponto de vista dela impactou todo o desenrolar da narrativa, que ganhou recorte focado no feminino, contraponto frontal à figura masculina e patriarcal do Próspero original.

Próspera é uma duquesa que, como toda mulher com autonomia sobre si mesma, despertou a face perversa dos homens. Acabou sofrendo golpe do irmão e teve que se exilar numa ilha mágica com Miranda, sua filha recém-nascida. Lá, aprendeu os poderes da floresta (em uma metáfora do resgate da alma feminina) e pôde, assim, acertar as contas com inimigos.

— Sempre achei Próspero autoritário, colonizador. Não me interessava reproduzir o ponto de vista patriarcal. Nem a filha ele tratou bem. Já Próspera tem uma relação de mãe e filha com Miranda. Como tenho uma parceria de 30 anos com a Julia, desde “Um copo de cólera”, me inspirei na relação dela com a Luiza — conta Aluizio. — Essa adaptação propõe uma reflexão sobre a condição da mulher nas sociedades patriarcais, o amor, a espiritualidade e a vida. Uma palavra que tem a ver é justiça. Próspera se vinga. Quer colocar os pingos nos is, esfregar na cara daqueles caras o que eles fizeram e quem eles são.

Para Julia, tampouco fazia sentido reproduzir o texto original de Shakespeare. E para encorpar ainda mais essa discussão, as personagens femininas invisibilizadas no texto do bardo agora ganham vida e voz. A bruxa Sycorax e a princesa Claribel, que no original são apenas mencionadas pelos personagens masculinos, se materializam nas atuações de Ariane Souza e Luiza Loroza, respectivamente. Ao elenco majoritariamente feminino — outra sacada significativa se pensarmos que, naquela época, mulheres eram proibidas de fazer teatro e os papéis femininos eram interpretados por homens— junta-se Augusto Trainotti (“mas ele é fluido”, brinca Aluizio).

Até Ferdinando, personagem que, na versão shakespeariana profere a seguinte frase para Miranda, “se fores virgem casarei com você”, foi limado.

— Perguntei a amigas o que fariam se ouvissem essa fala. Uma disse que cuspiria na cara do homem; a outra, que lhe daria um soco; e uma terceira contou que chamaria a polícia — diverte-se o diretor.

A história de mãe e filha nessa adaptação, de certa forma, dialoga com a vida real de Julia e Luiza.

— Nossa família é de um matriarcado poderoso, que vem de muito tempo. Minha avó, Lílian, era uma mulher fortíssima — define Luiza. — Nós nunca tivemos um pensamento de não poder fazer tal coisa. Somos mulheres livres e independentes.

Julia complementa.

— Mesmo a avó dela, a vó Lila, era da pá virada. Era dona de casa mas controlava tudo e todos. Eu passava as férias com ela no Sul e tudo que eu queria fazer, era permitido. Nascemos carregando o poder do feminismo, essa noção exata do que é justo, do que é devido.

Aos homens da família, cabia apenas aceitar.

— Diziam: “Ok, sabemos quem manda” —brinca a atriz.

Ensinamento que Luiza agora busca transmitir a Martim:

— Ele entende que as mulheres da família dele são as mulheres da família.

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