Teatro
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Por O GLOBO

Barbara Heliodora assistia com especial interesse a espetáculos que falavam de aspectos da cultura popular brasileira. Vibrava com o que chamava de brasilidade, presente tanto na aprofundada pesquisa de linguagem sobre o sertanejo realizada pela Cia. Balagan em Tauromaquia, ou na figura das carpideiras de um "Nordeste comovente e hilariante", representadas por Marieta Severo e Andrea Beltrão em As centenárias. Abaixo, dez críticas de exaltação ao teatro que representava com qualidade o Brasil.

  1. Pequena joia de encantamento
  2. Todo impacto de uma fábula universal
  3. Um trabalho apaixonado sobre o boiadeiro. Tauromaquia: dedicação à pesquisa e apuro cênico se destacam em espetáculo da Companhia Balagan no Nelson Rodrigues
  4. Uma preciosa descoberta do Brasil. Besouro Cordão-de-Ouro: espetáculo no CCBB é um dos mais emocionantes e bonitos da temporada
  5. O espetáculo mais alegre do ano. As centenárias: ambientada em Nordeste comovente e hilariante, peça de Newton Moreno, em cartaz no Teatro Poeira, é um achado brilhante
  6. Guimarães Rosa em espetáculo de rara beleza. O homem provisório: Cacá Carvalho faz ótima tradução, no palco, do universo místico do escritor
  7. Memória de um Pelourinho popular
  8. Exemplo vivo e cativante da música brasileira. É samba na veia, é Candeia: gostoso e bem-vindo
  9. Alegria e paixão. Encenação de 'Farsa da boa preguiça' é a melhor já feita da obra de Ariano Suassuna
  10. Joia num precioso setembro. Mistura de circo e teatro com texto de Newton Moreno conquista o público fazendo pensar

1. Pequena joia de encantamento (publicado em 11/12/1992)

Os modismos variam e há alguns anos, durante uma palestra, foi perguntado a Fernanda Montenegro se ao longo de sua carreira ela não sentira que "a técnica atrapalha"... O magistral trabalho de Antonio Nóbrega é, entre outras coisas, a prova viva do nível de imbecilidade de uma tal pergunta. "Figural", a pequena joia que infelizmente o público carioca só está tendo oportunidade de ver seis vezes (incluindo hoje e quarta, quinta e sexta da próxima semana, às 12h30m no CCBB) foi criada graças a uma bolsa da Fundação Vitae e é composta por um grupo de sete personagens; para criá-los cenicamente fica mais do que claro que não houve apenas detalhadíssima observação de tipos mas também - e é isso que enriquece as criaturas resultantes - uma longa reflexão quanto ao universo de cada uma.

O que melhor marca o trabalho de Antonio Nóbrega (incluindo aí o precioso apoio visual de Romero de Andrade Lima) é sua total entrega como instrumento de criação. Tanto no exíguo tempo para a apresentação dos seus primeiros personagens (todos mascarados) quanto na mais longa apresentação de Tonheta, o personagem "commedia dell'arte" de Nóbrega (sem máscara). O ator desaparece, se submerge integralmente nos personagens criados entre um e outros, enquanto troca de roupa não há um gesto, um olhar que procure chamar atenção do espectador para sua pessoa ou personalidade. Nem sequer para entrar e sair de cena Nóbrega é ele mesmo: entra de cantador, vindo do fundo da plateia; o que tinha a dizer e fazer nada tem a ver com sua pessoa civil.

O cenário de Romero de Andrade Lima não passa de uma série de panos pendurados em algum tipo de fio ou corda: como uma vasta colcha de retalho, esse fundo fala de uma gente muito pobre porém muito imaginativa, o melhor exemplo possível do que Brecht queria para sua ópera feita por mendigos. As seis máscaras apresentadas são, por opção toscas e antirrealistas, mas atingem níveis de evolução que, junto com os notáveis figurinos de trapos e remendos. dão a Nóbrega os meios necessários para completar o trabalho criado por seu talento e sua técnica, ambos excepcionais.

Crítica de Barbara Heliodora para o espetáculo 'Figural', com Antonio Nóbrega — Foto: Acervo O GLOBO
Crítica de Barbara Heliodora para o espetáculo 'Figural', com Antonio Nóbrega — Foto: Acervo O GLOBO

Logo de início, depois da canção de entrada, em um tranquilo momento de silêncio, Nóbrega troca de roupa e apresenta sua primeira máscara, meio animal, meio fauno, eventualmente homem - tudo a sua volta é visto com desconfiança, o perigo o faz agressivo, a curiosidade o leva ao inesperado, a vulnerabilidade o leva à adoração. A trilha sonora, desde o início, é exemplar, seja na seleção das músicas, seja nos sons e nos ruídos. A segunda máscara é uma velha que pode andar pelo Nordeste mas sempre levando consigo algo de tragédia grega e, sempre após o discreto silêncio da troca de roupa, aparece o cangaceiro, máscara que sugere frieza, completada com movimentos felinos. Com uma saia verde coberta de penduricalhos, uma cabeça enfeitada quase que à moda da Ópera de Pequim, e ao som da Valsa das Flores, a mulher vaidosa dança com o espelho e deixa bem claro, com seus meneios, como enfrenta o mundo.

Após mais um silêncio vem um momento extraordinário, com a criação de uma imagem de Nossa Senhora das Dores, cuja íntima relação com seus fiéis mostra o que estes esperam dela e como ela corresponde a tais anseios. A sexta máscara é um ídolo de multidões, um showman acostumado à bajulação em massa, um hilariante cafajeste conquistador que vive alimentado pelo imediatismo da popularidade fortuita: a máscara - como nos outros casos - faz bem mais do que retratar ou sugerir.

O espetáculo termina com Tonheta, o personagem que Antonio Nóbrega vem elaborando com o faziam os atores italianos de outros séculos: ele aqui é não só cantor como instrumentista: entre violão, rabeca, bandolim, bateria, pio e cornetas, ele traz um outro tipo de encantamento para "Figural", uma espécie de alegria ingênua e comovente, ao lado de um humor gostoso e comedido. e breve demais essa apresentação de "Figural": o Rio precisa ter outras oportunidades para conhecer o notável trabalho de Antonio Nóbrega. Mas é melhor não perder esta.

2. Todo impacto de uma fábula universal (publicado em 15/12/1992)

"Vau da Sarapalha" chega da Paraíba ao Teatro Glaucio Gill e é mais um visitante a merecer a atenção do carioca. O espetáculo é baseado no conto "Sarapalha" de Guimarães Rosa, mas adquire vida própria na encenação, tão forte que conduz o carioca urbano que se queixa da vida cercada dos confortos do século XX (mesmo que nem sempre funcionem) a tomar consciência da devastadora indigência em que vive (???) e morre uma parcela de seus compatriotas, seus irmãos de sangue. O espetáculo do Grupo Teatro Piollin (com adaptação, direção, cenografia e iluminação de Luiz Carlos Vasconcelos) é ilusoriamente simples e extraordinariamente elaborado: assim como o conto é uma fábula e não uma descrição, os atores apresentam a "imagem de" tudo o que fazem, detalhando cada ação a ponto que ela supera e abandona o realismo para adquirir nível muito mais amplo e profundo de comunicação.

Em "Vau de Sarapalha" a ação se passa quando dois primos, Ribeiro (Everaldo Pontes) e Argemiro (Nanego de Lira) vítimas de malária (e mais todo o quadro de uma vida inteira de miséria), esperam a morte. A mulher de Ribeiro fugira com um boiadeiro e Argemiro, que sempre curtira uma paixão recolhida pela Luiza desaparecida, vai ficando com o primo - para ajudar, para consolar, para esperar a volta da fujona? E na singeleza da trama é notável vermos que naquela situação extrema o sertão ainda preserva seu rígido código de honra, revelado quando Argemiro, vendo o primo morrendo, resolve confessar o amor que nutriu pela mulher do agonizante. Em cena temos ainda duas vidas contidas em si que, no entanto, giram em torno dos primos: a Negra Ceição, que lida com as forças da terra e do céu na esperança de evitar a explosão de sentimentos mais trágicos e o Perdigueiro Jiló, que Ribeiro e Argemiro admitem ter vida melhor do que a deles.

O cenário, que cria uma espécie de círculo mágico ou ritual em torno do universo do vau, fala de um mundo que nos envergonha pela forma clamorosa com que proclama a distância entre dois Brasil. A direção de Luiz Carlos Vasconcelos desenha o espetáculo com muito cuidado e o estilo interpretativo fala de um trabalho longo e integrado. O recurso sonoro da imitação pelos atores das vozes dos animais que os cercam é brilhantemente executado e mais notável ainda quando estes, a música e o jogo corporal formam um só conjunto orgânico.

É necessário dizer que principalmente no início do espetáculo e muitas vezes impossível compreender o que dizem os primos, o que não significa que não se possa seguir o que está acontecendo. Everaldo Pontes tem atuação melhor do que Nanego de Lira, mas os dois são parte de um todo indissociável. Isolada em seu próprio universo, Soia Lira cria uma fascinantes Negra Ceição, enquanto a atuação de Servilio Gomes no Perdigueiro Jiló é um dos mais extraordinários exemplo de criação corporal que temos visto em nossos palcos. Escurinho tem rápidas aparições com o Capeta, mas sua contribuição para a música memorável.

Não creia ninguém que "Vau de Sarapalha" só tem os méritos de alguma mensagem sociológica ou pesquisa antropológica: se o espetáculo tem um extraordinário impacto como um retrato de um Brasil no qual devemos pensar mais, é porque a arte que merece tal nome não é alienadora: muito pelo contrário, os vários níveis nos quais nos atinge levam-nos a uma enriquecedora reflexão. "Vau de Sarapalha" pode e deve ser visto segunda, terça e quarta-feira no teatro Glaucio Gill.

3. Um trabalho apaixonado sobre o boiadeiro. Tauromaquia: dedicação à pesquisa e apuro cênico se destacam em espetáculo da Companhia Balagan no Nelson Rodrigues (publicado em 28/5/2006)

Afirma o programa de "Tauromaquia", em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues da Caixa Econômica, que, "hoje, dois aspectos se afirmam como fundamentais para a Companhia Balagan: o exercício pedagógico e a pesquisa de linguagem. O exercício pedagógico permite compreender cada processo de criação como único e singular, exigindo da parte de todos os seus criadores a aprendizagem de novos procedimentos técnicos corporais, dramatúrgicos, espaciais e musicais. A pesquisa da linguagem está relacionada também à descoberta de novas formas em todas as instâncias da criação, pressupondo a afirmação de conceitos estéticos e a eleição de temas capazes de conduzir à construção de uma identidade artística". Para o presente espetáculo, o grupo fez uma cuidadosa pesquisa a respeito dos vários aspectos da vida do boiadeiro, principalmente na solidão dos longos trajetos conduzindo grandes boiadas.

O espetáculo resultante tem alguns aspectos muito interessantes, revelando uma rigorosa dedicação à pesquisa. Mas nem sempre fica satisfatório como dramaturgia, talvez porque a preocupação com a ilustração de aspectos variados do grupo e sua atividade acaba sendo excessivamente didática, e privada de uma ideia dramática unificadora que emprestasse significado ao todo. Em princípio, essa unificação, ao que parece, deveria ser concretizada pela ideia de o grupo ter um guia ou líder, conhecedor dos percalços da condução da boiada, porém cada aspecto dessa árdua vida fica expressado por um determinado episódio, que se sucede ao anterior como mais uma ilustração e não como desenvolvimento ou consequência do já apresentado, resultando em uma espécie de clima de repetição.

A apresentação visual de "Tauromaquia" é muito interessante, com o palco cercado ao fundo e rompimentos em tom que sugere couro, deixando ao elenco a responsabilidade por toda a criação de forma e conteúdo. Os trajes de couro são convincentes, a solução das caveiras com chifres quando os atores passam a ser a boiada é bastante satisfatória. Há uma preocupação de uniformizar a fala com ritmos e inflexões nordestinos, mas, embora a linguagem corporal seja muito bem executada, no todo ficam faltando maior variedade e força cênica.

O elenco está todo muito bem integrado no espírito da pesquisa e sua transposição cênica, com Sidnei Caria, Marcos de Andrade, Walter Breda e Ivaldo de Melo destacando-se um pouco de Antonio Salvadort, Daniel Ribeiro, Tomas Vinicius, Melissa Vettore, Cláudio Queiroz e Lucia Romano. Não há dúvida de que "Tauromaquia" expressa um trabalho apaixonado e detalhado.

4. Uma preciosa descoberta do Brasil. Besouro Cordão-de-Ouro: espetáculo no CCBB é um dos mais emocionantes e bonitos da temporada (publicado em 21/12/2006)

No Teatro III do Centro Cultural do Banco do Brasil está em cartaz um dos espetáculos mais bonitos e emocionantes dos últimos tempos: "Besouro Cordão-de-Ouro", de Paulo César Pinheiro, com direção de João das Neves. Concebido em torno do lendário capoeirista que dá nome ao evento, sua história é mais ou menos contada por meio de narrativas, cantos e capoeira. Não se trata de uma biografia formal, mas de "causos" que criam a imagem não só do próprio Besouro como também de todo um modo de vida de uma parcela do Brasil, na qual as origens e a cultura africanas são muito mais preservadas e respeitadas do que no modismo (americano) do afro-brasileiro. Paulo César Pinheiro buscou servir o universo de Besouro e, com isso, tanto texto quanto música têm um sabor autêntico, espontâneo, que raramente encontramos nas tentativas de se mostrar um Brasil mais brasileiro, e que resultam bonitos e comoventes.

Toda a encenação merece os mesmos elogios: a cenografia de Ney Madeira, desde a primeira cena, em uma pequena sala, com o velório de Besouro, com incrível criatividade no caixão e na tenda que o protege, cria o clima certo e envolvente. A sala principal, toda em caixotes perfurados e estandartes (a maioria com a letra de "Quando eu morrer") e grandes cestos com almofadas onde se senta parte do público, igualmente transporta para um universo especial, e está excepcionalmente bem iluminada por Paulo César Medeiros. Também totalmente integrados no mundo de Besouro são os figurinos de Rodrigo Cohen, e o conjunto forma a moldura ideal para o espetáculo em si.

A direção de João das Neves (com assistência de Bya Braga) tem o grande mérito de preservar o talento inato de seus intérpretes, com marcas que favorecem a imagem do espontâneo e um contato próximo porém não invasivo com o público, que se sente a todo momento provocado a acompanhar o ritmo com palmas. Nada poderia ilustrar tão bem a disseminação do mito de Besouro quanto o momento em que todos os elementos do enredo masculino contam, ao mesmo tempo, diferentes histórias de sua vida. É um trabalho excepcional.

O acompanhamento musical é exclusivamente rítmico, com berimbau, atabaque, pandeiro, agogô, violão e apito, de exemplar execução e perfeitamente integrado com o elenco. Este é formado por Ana Paula Black, Cridemar Aquino, Iléa Ferraz, Maurício Tizuma, Raphael Sil, Sergio Pererê, William de Paula, Wilson Rabelo, Gilberto Santos, Letícia Soares, Nívea Magno, Valeria Mona, Victor Alvim e Alanzinho Rocha, e o rendimento do conjunto é tão bom e igual que seria injusto destacar qualquer nome. "Besouro Cordão-de-Ouro" é um momento precioso de teatro e de descoberta do Brasil...

5. O espetáculo mais alegre do ano. As centenárias: ambientada em Nordeste comovente e hilariante, peça de Newton Moreno, em cartaz no Teatro Poeira, é um achado brilhante (publicado em 15/9/2007)

A história de duas carpideiras e sua luta para driblar a morte, aliás o seu ganha-pão, tem todas as probabilidades de ser o espetáculo mais alegre do ano. No Teatro Poeira, a peça "As centenárias", que Newton Moreno (autor de "Agreste", montado no mesmo espaço no ano passado) escreveu de encomenda para a dupla dona da casa, Marieta Severo e Andréa Beltrão, é um achado brilhante. Em um comovente e hilariante Nordeste, Moreno retrata aquele universo particularmente brasileiro em que Deus, os santos e a morte são tratados com carinho, intimidade e amorosa irreverência. Esse mesmo tipo de relacionamento é o que Moreno tem para com seus personagens, que podem nos fazer rir mas que a momento algum deixam de ter credibilidade, e até mesmo nos mais criticados podemos compreender como produtos de seu habitat e sua cultura.

Aproveitando a tradição de incelências e modinhas e o tom da vasta literatura de cordel, "As centenárias" é povoada por uma coleção de tipos que, mesmo ligados sempre ao tema da morte, incluem em seus diálogos (principalmente os de comadre) uma variedade imensa de assuntos. Todos eles refletem uma cultura perfeitamente fixada, na qual tudo é visto através do prisma de suas características e, mais ainda, pelo das carpideiras, tão íntimas da morte. A ambivalência das duas, sua preocupação com a preservação da vida tão ameaçada dos filhos e sua ilusória luta contra a finitude humana ampliam a gama de emoções e conquistam nossa solidariedade. Tentar dar aqui qualquer ideia do que acontece no palco do Teatro Poeira é, por um lado, muito difícil, e por outro nada recomendável, pois poderia privar o público do inesperado da descoberta do espetáculo.

A encenação é primorosa. O lindíssimo cenário de Fernando Mello da Costa e Rostand Albuquerque é composto por um mundo de bonecos cobrindo toda a largura e toda a altura do fundo do espaço cênico, uma rosa-dos-ventos no chão, um caixão (ou seja, um instrumento das carpideiras) e várias cadeiras que por um lado têm uso e por outro são uma espécie de assinatura do diretor. Em total sintonia com o ambiente, são excepcionais os figurinos de Samuel Abrantes, não só por serem bons em si mas também por facilitarem as incontáveis trocas para a criação de novos personagens. A luz de Maneco Quinderé completa o todo com alta qualidade. E a música e a direção musical de Tato Taborda merecem atenção especial, pois enriquecem a ação e, com certo ar de Nino Rotta, ajudam a dar ao todo algo da amplitude imaginativa de um circo de Fellini.

A direção de Aderbal Freira-Filho, que sabe das coisas do Nordeste, aproveita o humor do texto com marcas ágeis e/ou típicas do universo que "As centenárias" evoca, e resolve muito bem os momentos de separação entre os episódios ou para as mudanças de roupa e personagem, tendo um ótimo elenco à sua disposição.

O encanto do espetáculo se completa com as ótimas atuações de Marieta Severo e Andréa Beltrão, que, além de todos os seus outros méritos, conseguem manter o sotaque nordestino e cantar as incelências no insuportável registro agudo que caracteriza o gênero. Na manipulação dos lindos bonecos e também com bom nível de interpretação, Sávio Moll completa a harmonia total da história das carpideiras.

O Teatro Poeira, sem dúvida, está com outro espetáculo de primeira linha, que tem tudo para ser um imenso sucesso.

6. Guimarães Rosa em espetáculo de rara beleza. O homem provisório: Cacá Carvalho faz ótima tradução, no palco, do universo místico do escritor (publicado em 23/09/2007)

Das várias tentativas de trazer ao palco o universo de Guimarães Rosa em "Grande sertão: veredas", o realizado pela Casa Laboratório para as Artes do Teatro, em cartaz na Sala Multiuso do Espaço Sesc, em Copacabana, é, sem dúvida, a mais bonita e a que melhor capta o universo místico da implacável vida do sertão. No caso, o grupo dirigido por Cacá Carvalho, junto com integrantes da Fondazione Pontedera Teatro, foi fazer o que é chamado de um "retiro artístico" no sertão do Cariri, a fim de alcançar melhor conhecimento e compreensão de sua cultura e tradições. Parte desse grande projeto foi a encomenda ao artista Nilo de uma série de xilogravuras que indicassem uma concepção visual de quem vive como parte daquele universo e, ainda, a encomenda a Geraldo Alencar, "poeta, parceiro e herdeiro" de Patativa do Assaré, de um texto em verso, na tradição da literatura de cordel.

É inevitável admitir que os limites daquele próprio universo delimitam a ação que, em certos momentos, fica repetitiva, mesmo que sem perder a qualidade do que é feito.

Crítica elogiosa de Barbara Heliodora ao espetáculo 'O homem provisório', dirigido por Cacá Carvalho — Foto: Acervo O GLOBO
Crítica elogiosa de Barbara Heliodora ao espetáculo 'O homem provisório', dirigido por Cacá Carvalho — Foto: Acervo O GLOBO

O espetáculo daí resultante é de rara beleza; a cenografia e os figurinos de Marcio Medina são simples mas teatrais, realistas mas imaginativos. O cenário tem cortinas-véus cujos desenho e cores sugerem a um tempo o emaranhado e o fascínio do sertão, acompanhado por pesquisa musical e trabalho vocal igualmente cuidados e integrados no todo, tudo bem iluminado por Fabio Retti.

A direção artística do projeto e do espetáculo é de Cacá Carvalho, com codireção de Roberto Bacci. A dupla consegue grande harmonia na busca da criação de um mundo muito especial, habitado por gente rija, humilde mas orgulhosa de sua vida e seus costumes. O resultado é preciso, quase coreografado, mas a momento algum artificial; a imagem do real está presente do princípio ao fim do espetáculo.

O elenco é composto por integrantes do grupo-escola de Cacá Carvalho, e fica evidente o cuidado de seu preparo nos mais diversos aspectos da interpretação - como o trabalho de voz de Francesca della Mônica -, bem como sua consciência de ser cada um parte de um todo que tem seu melhor rendimento como um conjunto. Não há como salientar trabalhos individuais, pois só o elenco em seu conjunto é que existe nesse "Homem provisório": Dinho Lima Flor, Fabiana Barbosa, Joana Levi, Laila Garin, Leonardo Ventura, Majá Sesan, Marcelo Valente e Raquel Tomaio têm todos ótimas atuações nesse belíssimo espetáculo.

7. Memória de um Pelourinho popular (publicado em 13/12/2008)

No Teatro Villa-Lobos está, até o dia 21, em visita ao Rio de Janeiro, o Grupo de Teatro Olodum, conhecido por sua dedicação à cultura afro-baiana, cuja riqueza tem propiciado uma série de sucessos. Para repertório desta visita, foram selecionados quatro espetáculos que o grupo considera representativos de seu trabalho. O primeiro deles, que abriu a curta temporada, é "Ó paí, ó", uma realização de 1992, ainda dos primeiros tempos de teatro do grupo.

Nesse espetáculo, o diretor Márcio Meirelles, conhecendo a pouca experiência de seus atores então, em lugar de criar personagens que exigissem estudo e execução mais detalhados, ou trama muito complexa, aproveitou o talento espontâneo de cada um para, por meio de improvisações, criar pequenos episódios interligados pela memória de um Pelourinho menos turístico e mais popular.

Todo o espetáculo se passa, em princípio, nos quartos e corredores de um cortiço no hoje Centro Histórico de Salvador, que com isso reúne uma variada coleção de figuras típicas, naturalmente um pouco exageradas e teatralizadas, a fim de compor o quadro que o autor/diretor concebeu.

A direção musical de Jarbas Bittencourt mostra como a música, naturalmente, faz parte do dia a dia dessa colcha de retalhos, o que deixa à mostra a internacionalização do movimento afro: a própria figura de um jovem que se faz de réplica de Michael Jackson expressa bem até que ponto ritmos que vieram de fora já estão perfeitamente integrados ao universo baiano. A coreografia de Zebrinha é trabalhada sobre movimentos tradicionais e, por sua vez, também influenciados pelo mundo de Michael Jackson, enquanto a luz de Rivaldo Rio é simples e clara.

Em um elenco de 19 atores, não há justificativa para destacar esta ou aquela contribuição, porque o mais importante é justamente a integração de todos no espírito do conjunto do Bando de Teatro Olodum: a Bahia e sua gente são as verdadeiras estrelas do trabalho de Márcio Meirelles, e "Ó paí, ó" depende, exatamente, do clima criado pelo todo, pela participação dos talentos individuais como uma espécie de depoimento sobre a cultura baiana. Surpreendente, e motivo de orgulho, é saber que a cultura brasileira, como um todo, engloba como suas tantas culturas regionais, entre as quais a baiana é das mais famosas.

É importante que teatros de outros pontos do país venham visitar o Rio, para que fiquemos mais informados sobre o que acontece nos vários pontos do país.

8. Exemplo vivo e cativante da música brasileira. É samba na veia, é Candeia: gostoso e bem-vindo (publicado em 6/11/2008)

No Teatro III do Centro Cultural do Banco do Brasil está em cartaz um belo exemplo do que era a música brasileira, em particular o samba, antes das alterações sofridas por influência estrangeira. "É samba na veia, é Candeia" não é um musical, é uma roda de samba, é um exemplo vivo e cativante do que era a forma dominante na primeira metade do século passado, que foi virtualmente desaparecendo quando as orquestrações americanas levaram a radicais alterações nos conjuntos que acompanhavam cantores por aqui: violão, cavaquinho e tamborim, com o ritmo batido no pandeiro, no prato e marcado no imenso baixo. O portelense Antonio Candeia Filho, defensor apaixonado do samba e empenhado lutador pela valorização da raça negra, foi uma figura marcante, e o espetáculo, que conta a sua vida, com 28 canções, apresenta um panorama de sua obra, da qual constam vários clássicos da MPB.

Bem ressaltada em "É samba na veia, é Candeia" é também a luta do compositor contra a introdução de elementos estranhos que desfigurou o espírito e a natureza originais das escolas de samba, sua transformação em show para turistas, em que as alegorias são muito mais valorizadas do que o samba no pé.

Para captar o clima do universo de Candeia, a plateia do Teatro III é composta por mesas de bar (com um simpático bar instalado na entrada) e apenas uma área mais ou menos em forma de T, um degrau mais elevado do que o resto da sala, enriquecida apenas por cadeiras para os músicos se sentarem ou, vez por outra, para situar algum episódio da história do compositor. Essa simplicidade no espaço cênico, figurinos sugerindo apenas a reunião dos grupos sem qualquer preocupação de sair das roupas do cotidiano, com poucos acréscimos quando se retrata os desfiles da Portela, é exatamente o necessário para sugerir a informalidade com que a música nascia em reuniões geralmente convocadas apenas pelo fim do dia.

Alan Rocha, Alexandre Bittencourt, Anderson Vilmar, Gabriel Teixeira, Henrique Martins e Thiago Thomé são os músicos que criam a sonoridade exata daquele mundo do samba, enquanto o elenco que conta a história, canta e dança é formado por Jorge Maya (Candeia), Patricia (Leonilda), Érila Ferreira, Édio Nunes, Sergio Ricardo Loureiro, Marcos Marjan, Nívea Magno, Jurema da Marra, Milton Filho, Renata Leobons e alguns dos músicos que, às vezes em solo, às vezes em conjunto, honram o samba pelo qual Candeia tanto lutou.

"É samba na veia, é Candeia" é um mundo musical totalmente diverso dos musicais de hoje em dia; e essa visita do samba em estado puro é muito gostosa e muito bem-vinda.

9. Alegria e paixão. Encenação de 'Farsa da boa preguiça' é a melhor já feita da obra de Ariano Suassuna (publicado em 24/4/2009)

Sempre influenciado pelo teatro medieval, ao fazer seu elogio do ócio criador, Ariano Suassuna recorre (tomando todas as liberdades necessárias) à forma da Moralidade, com suas três pequenas e divertidas histórias exemplares. Vítima do mais que merecido e insuperável sucesso do "Auto da Compadecida", sua primeira obra conhecida, Suassuna tem tido muitas vezes sua dramaturgia desvalorizada porque comparada com sua obra-prima, o que não é justo. A "Farsa da boa preguiça", agora em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, é um aproveitamento exemplar do folclore nordestino, com seus tipos, sempre um tanto exagerados e altamente representativos, seu diálogo rico em humor, sua ação com encontros e desencontros dignos de Feydeau, que fazem rir sem perder seu significado crítico.

A encenação atual é, de longe, a melhor e mais elaborada que a "Farsa" já teve até hoje, e dificilmente algum espetáculo será mais bonito e brasileiro para olhos e ouvidos. Tudo, na cenografia de Ney Madeira e nos figurinos de Rodrigo Cohen, fala ao mesmo tempo de Nordeste e de festa, tudo é rigorosamente autêntico, embora totalmente transformado em linguagem cênica. A luz de Paulo César Medeiros ressalta a vida desse universo de cores, bandeiras, fitas, mamulengos. Por outro lado, têm igual mérito a direção de movimento de Duda Maia, o preparo vocal de Carol Futuro e a direção de mamulengos de Gil Conti.

A direção de João das Neves mantém claro o conteúdo de cada história, fazendo das três o conjunto significativo que Suassuna concebeu. Ágil, festiva, amorosa, a direção ressalta todas as qualidades do texto, traz o espetáculo para perto do público, cria um ambiente de total conivência entre palco e plateia.

Bianca Byington, Daniela Fontan, Ernani Moraes, Flavio Pardal, Francisco Salgado, Guilherme Piva, Leandro Castilho e Vilma Melo compõem o elenco que se entrega de corpo e alma ao universo de Suassuna, cada um defendendo seu personagem (ou seus personagens) com alegria e paixão, e integrado na música e na manipulação dos mamulengos, para, no conjunto, criar um espetáculo realmente imperdível.

10. Joia num precioso setembro. Mistura de circo e teatro com texto de Newton Moreno conquista o público fazendo pensar (publicado em 22/9/2010)

Voltando a colher na mais que generosa riqueza da cultura nordestina, Newton Moreno atendeu deliciosamente ao pedido de Lilia Cabral para que criasse um texto para ela e seus amigos mais queridos, companheiros de velhos tempos. Com uma espécie de mágica mescla de circo e teatro, "Maria do Caritó" é alegre, triste, risível e comovente e tem, como sua protagonista, a capacidade de conquistar emocionalmente o público, mas sem deixá-lo esquecer de pensar e preservar o riso crítico ao lado do solidário.

A saga do desespero da solteirona como o ícone mais perfeito do culto do amor nos deixa encantados com a capacidade de Moreno para equilibrar a dualidade de sentimentos e valores dessa deliciosa Maria que o pai obriga a ser virgem santa mas sonha em encontrar seu príncipe encantado. Entre sonhos e desencantos tanto imaginários quanto reais, transmitidos por um diálogo que vem do fundo da alma popular brasileira, "Maria do Caritó" deixa bem claro que a pureza dessa cultura nordestina não perde nada de sua força e seu encanto quando é trabalhada por um autor, por assim dizer, "erudito". Moreno conhece o universo com que lida e transmite magistralmente sua riqueza de emoção e imaginação.

A encenação tem todo o encanto que o texto pede: Nello Marrese mescla o "real" e o circense com simplicidade e imaginação, muita cor e mobilidade, enquanto os figurinos de J.C. Serroni habitam a cenografia com um controle exato para a duplicidade dos dois mundos. Trilha e direção musical, ambas ótimas, são de Alexandre Dias, e colaboram muito bem com o mundo do texto e a direção de movimento de Kika Freire. A direção de João Fonseca é de primeira água, obra de quem conhece a fundo o generoso acervo da cultura nordestina, assim como o mundo do teatro.

O elenco tem bom rendimento, brinca e sabe o que faz: Fernando Neves (Cigana e Pai) e Silvia Poggetti (Fininha, dona Cosma e eventual Mãe) envolvem a filha com o carinho e a proteção necessários. Dani Barros (Noiva, Ex-defunta, Maria Ardida e, principalmente, a deliciosa Galinha Damiana) é leve e talentosa (e ainda toca uma incrível variedade de instrumentos). Leopoldo Pacheco lembra o trabalho de um porteur de balé, pois oferece à protagonista todo o apoio de que ela precisa como Amatoli, José e, principalmente, o boçalíssimo Coronel.

Como a própria e desesperada Maria, Lilia Cabral dá um show de talento, com seu patético e hilariante terror da eterna virgindade, sua carreira de santa (que não buscou) e seus sonhos e desenganos. De uma simpatia irradiante, ela faz de Maria do Caritó uma figura realmente encantadora, que com seus amigos realiza um espetáculo delicioso, neste precioso setembro em que, enfim, o teatro carioca acordou e nos cativa com sua qualidade.

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