Ruth de Aquino
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Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília

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Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília. Cidadania, família, educação, amor, sexo, drogas, religião, envelhecimento, saúde, arte e viagens.

Seria muita pobreza de espírito generalizar sobre o povo evangélico no Brasil. O traço em comum é a Bíblia, mas cada um tem sua interpretação. As preferências eleitorais são diferentes, há progressistas e conservadores. A única unanimidade é Jesus. A Bíblia guia esse terço da população brasileira. Não podemos enxergar 50 milhões de pessoas como um bloco homogêneo. O preconceito é péssimo conselheiro.

Conversei com o diretor Alberto Renault, que realizou uma série para o GNT, “Evangélicos”, com estreia em abril. Ele entrou na vida de seis pessoas em vários estados. Gravou, com o diretor de fotografia Bruno Prada e a consultoria do antropólogo Juliano Spyer, casamentos, aniversários, almoços de família. O olhar foi humanista, não político. O povo evangélico não gosta de ser manipulado, nem de virar instrumento em jogos eleitorais. Mesmo que sua religião possa se tornar a maior do Brasil na próxima década.

“Confirmei com meus personagens o que sempre ouvi. Que a igreja evangélica é um lugar de acolhimento. De abrigo. De escuta. Uma boia. Uma das mulheres diz claramente: ‘Meu marido me abandonou. Tentei encontrar apoio num padre. Não consegui. Tentei num pastor. Consegui’. É comum existir uma fratura na maioria dos que migram do catolicismo”. Essa fratura pode ser uma doença, um casamento desfeito, um vício.

Por que a Igreja Católica parece incapaz de deter a migração de fiéis? Há nos templos e nos pastores uma proximidade maior com as pessoas comuns. Padre não casa, pastor casa. Padre não trabalha, pastor é mecânico. A igreja dos católicos tem imponência dourada, santos em altares inatingíveis. Os templos, com exceção das casas de espetáculo para milhares, costumam ter estética singela, semelhante às moradias populares. Luz fria, cadeira de plástico, e todo poder à palavra. E à música.

Há uma explosão de igrejas evangélicas, e não só nas periferias. Quantos cinemas se tornaram templos? Renault morava em Ipanema vizinho à Casa do Saber. Virou templo. De sua janela, ele vê famílias se abraçando duas vezes por semana. Todas em louvor a Cristo. Esse é outro valor: a comunidade, a fraternidade, com um pensamento pragmático: alcançar metas.

“Os cultos funcionam como uma vitamina no desejo das pessoas. Elas vão no embalo da doutrina e da fé”. Num Brasil que não dá acolhimento para a grande massa de desvalidos, a igreja evangélica acaba ocupando espaços. E influência.

Uma professora universitária disse: “Não sei se gosto desse nome. Ser 'evangélica'. Porque ele está tão carregado de coisas que não fazem sentido pra mim”. Uma jovem se disse “desigrejada” – faz parte de um grupo que acredita no Evangelho e na Bíblia, sem ser ligado a igrejas. Outra falou: “Meu feminismo e minha fé andam juntinhos”. Os personagens da série são a favor do amor e da verdade, contra a injustiça. Mas são únicos, cada um de um jeito. Como todos nós, agnósticos, ateus ou de outras crenças.

O problema começa quando se mistura religião com política num país laico. Quando se decreta a supremacia de uma crença num ato político, menosprezando outras expressões de fé. Quando há uma “bancada evangélica” fazendo pressão. Quando a ex primeira-dama insiste em seus shows com lágrimas e transes nos palcos. Deus governa, sim, a vida de quem nele acredita. Mas o Brasil não é do Senhor. O poder é das instituições democráticas.

Lula deu seu aval à isenção de impostos a igrejas. Uma proposta do Crivella, com perdão da palavra. Isso tira do governo uma receita de R$ 1 bilhão. É um aceno compreensível à força dos evangélicos como eleitorado. O presidente não pode ignorar. Mas a questão crucial persiste.

Na série do GNT, não se menciona o nome de nenhum presidente. A única concessão foi esta: “Nos últimos anos, política e religião se misturaram bastante. O que você acha disso?” Está errado, todos disseram.

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