Ruth de Aquino
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Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília

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Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília. Cidadania, família, educação, amor, sexo, drogas, religião, envelhecimento, saúde, arte e viagens.

Por Ruth de Aquino

“Sou uma judia que não frequenta sinagogas ou clubes judaicos, não estudou em escolas judaicas e não frequenta a comunidade. Eu diria que sou uma judia de meia tigela. Mesmo assim, o sentimento de perseguição no sangue de uma judia é inevitável. Meus bisavós vieram da Rússia, fugindo da perseguição histórica, antiquíssima, aos judeus.

“Meu bisavô Elias viu um tio ser assassinado na porta de casa por cossacos que passavam a cavalo, atirando nos judeus das aldeias. Veio para o Brasil em um navio, antes da Primeira Guerra, juntar dinheiro pra trazer o resto da família, mãe, sogra, esposa e filhos pequenos. Logo a guerra começou e só conseguiu trazer todos depois de quatro anos.

“Minha mãe, já nascida no Brasil, descreve nas suas lembranças de infância o pavor e a tristeza de todos em volta do rádio, ouvindo notícias da guerra e desse extermínio industrializado de judeus e outras minorias.

“O Holocausto foi uma política planejada, de extermínio de todos os que não se enquadravam no ideal de humanidade dos arianos. Não só os judeus. Um extermínio baseado na crença de que todos que não pertenciam à ‘raça pura’ deveriam morrer por não serem plenamente humanos.

“A fala do Lula sobre as crianças palestinas foi extremamente pertinente, contra o ‘genocídio’ e contra o que Netanyahu, esse ser nefasto da extrema direita, promove indiscriminadamente contra civis em Gaza.

“Mas nenhum outro genocídio ocorrido depois da Segunda Guerra, e foram muitos em diferentes países, jamais foi comparado ao Holocausto que exterminou 6 milhões de judeus. Por isso, a comparação de Lula é não só descabida e desinformada, mas aparentemente associada a um preconceito que estigmatiza a totalidade dos judeus.

“Essa comparação infeliz fortalece as posições da extrema direita brasileira. Em Israel, fortalece Bibi, ao desviar a discussão sobre o necessário cessar fogo e o fim do massacre de mulheres e crianças palestinas. Civis que, assim como os israelenses assassinados e sequestrados por atos terroristas bestiais, nada têm a ver com o que está por trás deste horrendo conflito.

“É óbvio que a fala do Lula não pode ser mais incômoda do que a monstruosidade do Hamas com famílias judias. Nem mais incômoda do que as mortes de crianças, mulheres e idosos na faixa de Gaza, promovidas pelo governo nefasto e execrável de Netanyahu.

“Todos nós estamos chocados e doentes com tanta atrocidade. O assunto agora é: esse horror tem de ser freado, já tinha que ter sido. O mundo está, como na época do nazismo, demorando demais pra construir uma saída que leve à paz e à existência de duas nações com suas respectivas identidades.

“Por isso, como mulher judia, de esquerda, artista, tenho direito sim de dizer que o Lula fez uma fala muito importante, mas cometeu um erro terrível na comparação com o Holocausto. No calor da emoção, é possível que tenha feito uma comparação infeliz. Uma breve e simples palavra poderia melhorar esse mal estar.

“Se a fala de Lula de alguma forma sacudiu o Brasil e o mundo para a urgência de uma solução desse conflito, maravilha. Peço que não distorçam o que sinto, insinuando que a comparação equivocada de Lula, numa parte de sua fala, me dói mais que a morte de tantos inocentes em Gaza.

“O que me dói mais nesses tempos sombrios é perceber cada vez mais a barbárie se normalizando, a falta de generosidade e empatia se cristalizando em atitudes embrutecidas. Eu quero ainda acreditar que o nosso estar no mundo é por um sentido de busca de paz, de harmonia, de amor e solidariedade. Por acreditar nisso, votei no presidente Lula”.

PS Cedi meu espaço hoje à atriz Betty Gofman. Sugiro também a leitura de um texto do antropólogo Luiz Eduardo Soares, “As palavras apodrecem”. A quem quiser evitar a escalada dos insultos nas redes e nos grupos de amigos.

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