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70 anos de novelas: 'Roque Santeiro' é eleita a trama mais marcante, seguida de 'Vale tudo'

Em terceiro lugar, empataram “Que rei sou eu” (1989), “Renascer” (1993) e “Avenida Brasil” (2012); GLOBO ouviu 70 personalidades
Regina como a Viúva Porcina, ao lado de Lima Duarte, que vivia Sinhozinho Malta, na novela 'Roque Santeiro' (1985), de Dias Gomes Foto: Divulgação
Regina como a Viúva Porcina, ao lado de Lima Duarte, que vivia Sinhozinho Malta, na novela 'Roque Santeiro' (1985), de Dias Gomes Foto: Divulgação

Em 21 de dezembro de 1951, estreava na extinta TV Tupi a primeira telenovela do Brasil, escrita e dirigida por Walter Forster: “Sua vida me pertence”. Foi paixão (nacional) à primeira vista. Celebrando estes 70 anos, o GLOBO ouviu 70 personalidades ligadas ao gênero (atores, diretores, autores, jornalistas e músicos) para saber qual a trama mais marcante nestas sete décadas de amores, conflitos, segredos, vinganças, identidades trocadas, vilões punidos e finais felizes.

70 anos de novela : 70 personalidades respondem qual foi trama mais marcante

Resultado: entre 37 citadas, a campeã, com 10 votos, foi o clássico “Roque Santeiro”, que estreou na Globo em 1985, seguida de “Vale tudo” (1988), com 5 votos. Em terceiro lugar, empataram “Que rei sou eu” (1989), “Renascer” (1993) e “Avenida Brasil” (2012), com 4 votos cada uma. Em tempo: estas e outras novelas serão lembradas no especial “70 anos esta noite”, que vai ao ar nesta terça-feira (21), na TV Globo.

—O texto de Dias Gomes para “Roque Santeiro” e os personagens tão brasileiros criados por ele são um retrato fiel e bem-humorado do Brasil, é uma obra completa. — diz a atriz Patricia Pillar, justificando seu voto na trama, com a qual estreou em novelas.

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O folhetim que marcou a teledramaturgia brasileira travou uma batalha contra a censura até ir ao ar. Sua primeira versão, de 1975 —baseada em um texto teatral de Dias Gomes, “O berço do herói” (1963) — foi vetada pela ditadura. Compondo uma sátira à exploração da fé popular, a novela só foi estrear dez anos depois, logo após o fim do regime.

Na novela "Roque Santeiro" (1985), fez um de seus papéis mais emblemáticos. Na pele da Viúva Porcina, personagem de Betty Faria na primeira versão da trama, vetada pela censura, divertiu o público ao lado de Sinhozinho Malta (Lima Duarte) e de Roque (José Wilker) Foto: Divulgação
Na novela "Roque Santeiro" (1985), fez um de seus papéis mais emblemáticos. Na pele da Viúva Porcina, personagem de Betty Faria na primeira versão da trama, vetada pela censura, divertiu o público ao lado de Sinhozinho Malta (Lima Duarte) e de Roque (José Wilker) Foto: Divulgação

Co-escrita por Aguinaldo Silva e dirigida por Paulo Ubiratan, a trama acompanhava a desordem causada quando Roque, dado como morto e santificado, volta à sua cidadezinha, cuja economia gira em torno da sua memória. Em um elenco estrelado, destacaram-se as performances de Lima Duarte, Regina Duarte e José Wilker vivendo os icônicos Sinhôzinho Malta, Viúva Porcina e Roque Santeiro — a dúvida sobre quem Porcina escolheria como par durou até a última cena, em um capítulo final que teve picos de 100% de audiência pelo Ibope.

Ao fim dos anos 1980, com o país diante da inflação galopante e da redemocratização decepcionante, duas novelas se debruçaram sobre os temas da corrupção e dos dilemas éticos — e entraram para o top 5 da nossa enquete. “Vale tudo”, criada por Gilberto Braga e co-escrita por ele, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, jogava uma pergunta para o público: vale a pena ser honesto no Brasil?

Beatriz Segall, a vilã Odete Roitman de 'Vale tudo' Foto: TV Globo
Beatriz Segall, a vilã Odete Roitman de 'Vale tudo' Foto: TV Globo

Quase todo capítulo mostrava gente idônea sendo feita de otária por malandros de todas as classes — traço ressaltado pela oposição entre a trabalhadora Raquel (Regina Duarte) e sua filha trambiqueira Maria de Fátima (Glória Pires). Para completar, a novela dirigida por Dennis Carvalho ainda hipnotizou o país com um assassinato misterioso: o Brasil parou para saber quem matou Odete Roitman, vilã vivida por Beatriz Segall e odiada por todos os personagens.

— “Vale tudo” é um espetacular show da maldade humana, do cinismo e da ambição, em que o mal quase sempre faz o bem de bobo, como na vida real, e especialmente naquele momento de raiva e desencanto do Brasil de 1988 — aponta Nelson Motta, jornalista, compositor e colunista do GLOBO.

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Em 1989, enquanto o país se preparava para a primeira eleição direta para presidente após quase 30 anos, chegou “Que rei sou eu?”. A aventura de capa-e-espada se passava em Avilan, nação europeia fictícia com ares de França pré-revolucionária, mas também satirizava o Brasil da época, com referências à moeda desvalorizada e altos impostos.

Outro sucesso foi "Que rei sou eu?" (1989), de Cassiano Gabus Mendes. Da esquerda para direita: Cláudia Abreu, Tato Gabus Mendes, Antônio Abujamra, Tereza Rachel, Mila Moreira e Hilda Rebello Foto: Miriam Fichtener / Agência O Globo
Outro sucesso foi "Que rei sou eu?" (1989), de Cassiano Gabus Mendes. Da esquerda para direita: Cláudia Abreu, Tato Gabus Mendes, Antônio Abujamra, Tereza Rachel, Mila Moreira e Hilda Rebello Foto: Miriam Fichtener / Agência O Globo

—Cassiano Gabus Mendes criou um reino imaginário e, através dessa fantasia rasgada, conseguiu falar da realidade do Brasil — lembra Marieta Severo, parte do elenco que também tinha Edson Celulari e Tereza Rachel, todos dirigidos por Jorge Fernando.

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Outro país, o Brasil Profundo, chegou às telas com Benedito Ruy Barbosa. Após o sucesso de “Pantanal” (1990) na TV Manchete, o autor voltou à Globo para escrever outra saga rural: “Renascer” (1993), projeto que começou a desenvolver 20 anos antes, com uma viagem pelo sertão baiano coletando histórias. A trama estrelada por Antônio Fagundes, Marcos Palmeira, Adriana Esteves e Osmar Prado teve direção de Luiz Fernando Carvalho, que na época chamou atenção por trazer uma linguagem de cinema para a TV.

— Sou realmente apaixonado por essa novela — diz Fagundes, que viveu o patriarca Zé Inocêncio.

Antônio Fagundes e Marcos Palmeira Foto:  
Antônio Fagundes e Marcos Palmeira Foto:

Em 2012, trazendo para primeiro plano a classe média suburbana que ascendia, outro fenômeno tomou conta do país. Cheia de reviravoltas e com uma linguagem inovadora, “Avenida Brasil” virou assunto obrigatório entre o público, vidrado na vingança de Rita (Débora Falabella) contra a madrasta Carminha (Adriana Esteves). O sucesso, escrito por João Emanuel Carneiro e dirigido por Amora Mautner e José Luiz Villamarim, atravessou fronteiras e já foi exibido em mais de 130 países.

Nascido em Duque de Caxias (RJ), o funkeiro Kevin O Chris é fã da trama:

— “Avenida Brasil” retratou bem a realidade que a gente vive no subúrbio, com bom humor e várias reflexões. O elenco também era brabo demais!”


Personagens memoráveis como Carminha (Adriana Esteves) e Nina (Débora Falabella) foram um dos motivos que levaram “Avenida Brasil” a ser indicada como melhor novela no Emmy Internacional
Foto: Divulgação
Personagens memoráveis como Carminha (Adriana Esteves) e Nina (Débora Falabella) foram um dos motivos que levaram “Avenida Brasil” a ser indicada como melhor novela no Emmy Internacional Foto: Divulgação

Ranking das novelas

> 10 votos: “Roque Santeiro” (1985)

> 5 votos: “Vale tudo” (1988)

> 4 votos: “Que rei sou eu?”(1989), “Renascer” (1993) e “Avenida Brasil” (2012)

> 3 votos: “Dancin’ days” (1978), “Tieta”(1989) e “Mulheres de areia” (1993)

> 2 votos: “Irmãos coragem” (1970),“O bem amado” (1973), “Gabriela” (1975), “Estúpido cupido” (1976),“Escrava Isaura” (1976), “Selva de pedra” (1986), “Top model” (1989), “Pantanal” (1990) e “O clone” (2001)

> 1 voto: “Beto Rockfeller” (1968),“A moreninha” (1975), “Pecado capital” (1975), “Saramandaia” (1976), “Brilhante” (1981), “Sol de verão” (1982), “Louco amor” (1983),“Guerra dos sexos” (1983), “O salvador da pátria” (1989), “Vamp” (1991), “Sonho meu” (1993), “A viagem” (1994), “O rei do gado” (1996), “Andando nas nuvens”(1999), “O cravo e a rosa” (2000),“Mulheres apaixonadas” (2003), “Celebridade” (2003), “Da cor do pecado” (2004), “A favorita” (2008), “Cheias de charme” (2012) e “Além do tempo” (2015)

A enquete do GLOBO ouviu os jurados Adriana Esteves, Aguinaldo Silva, Alcione, Alexandre Nero, Alinne Moraes, Amora Mautner, Ana Carolina, Ana Maria Braga, André Paixão (Nervoso), Antônio Fagundes, Benedito Ruy Barbosa, Betty Faria, Bruno de Luca, Bruno Gouveia, Carlinhos de Jesus, Cauã Reymond, Christiane Torloni, Claudette Soares, Cláudia Raia, Daniel Filho, Deborah Secco, Dira Paes, Edgard Scandurra, Érika Martins, Evandro Mesquita, Fabrício Mamberti, Fafá de Belém, Fernanda Gentil, Fernanda Montenegro, Fernanda Vasconcellos, Francisco Cuoco, Fred Mayrink, Gabriel Thomaz, Gaby Amarantos, Gal Costa, Gloria Pires, Guilherme Arantes, Jayme Monjardim, João Emanuel Carneiro, José Luiz Villamarim, Kevin o Chris, Laura Cardoso, Lilia Cabral, Lima Duarte, Marcos Schechtman, Maria Adelaide Amaral, Maria Beltrão, Mariana Gross, Mariana Rios, Marieta Severo, Mateus Solano, Michel Teló, Moacyr Luz, Nelson Motta, Nivea Maria, Patrícia Pillar, Paulo Betti, Roberta Campos, Rosane Svartman, Silva, Simone, Stênio Garcia, Teresa Cristina, Thelma Guedes, Thiago Fragoso, Tico Santa Cruz, Tony Bellotto, Tony Ramos, Vinicius Coimbra e Vinny. Confira os votos e depoimentos completos.

Especial '70 anos esta noite'

A data histórica será celebrada pela TV Globo com o especial “70 anos esta noite”, que vai ao ar logo após “Um lugar ao Sol”, com reprise amanhã no Viva, às 18:30. Com participação de grandes nomes da dramaturgia, como Lima Duarte, Tony Ramos, Gloria Pires, Taís Araújo e Fernanda Montenegro, o programa vai passear pelos personagens e momentos inesquecíveis da televisão brasileira.

Fernanda Montenegro participa do especial '70 anos esta noite' Foto: Paulo Belote
Fernanda Montenegro participa do especial '70 anos esta noite' Foto: Paulo Belote

— As novelas são uma experiência coletiva, que compartilhamos com amigos, familiares, colegas de trabalho. São memórias afetivas que se confundem com nossa própria trajetória. — aponta o diretor artístico do especial Henrique Sauer.

Na supervisão de texto do programa está o autor e roteirista George Moura, que destaca que as telenovelas são um espelho dos sentimentos humanos e um dos bens culturais mais acessíveis à população: — Você liga a TV aberta e estão lá as mais diferentes histórias há sete décadas. A junção desses e outros fatores faz da novela brasileira a mais popular identidade audiovisual do país.