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'Pai Herói': novela é a primeira de Janete Clair no Globoplay

Especialistas comentam legado de autora para a teledramaturgia brasileira
Janete Clair (10.09.1982) Foto: Adir Mera / Agência O Globo
Janete Clair (10.09.1982) Foto: Adir Mera / Agência O Globo

“Para qualquer ator, trabalhar com a Janete era um grande presente. Ela era um gênio, as cenas dela tinham começo, meio e fim”. É com esse carinho que Elizabeth Savala lembra da grande telenovelista Janete Clair, que entre as décadas 1970 e 1980 praticamente dividia a profissão com apenas mais uma mulher, Ivani Ribeiro.  Em 1979, Savala interpretava a bailarina Carina Brandão na novela “Pai Herói”, escrita por Janete, que entrou esta segunda-feira (27) no catálogo do Globoplay e passsa a integrar o projeto de resgate dos clássicos da dramaturgia da plataforma. Essa é a primeira produção da autora no streaming.

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— Janete Clair, ao lado de Ivani Ribeiro, há que se registrar, estabeleceu a base para a construção da moderna telenovela brasileira. Misturando o folhetim e o melodrama com a complexidade do comportamento humano, construiu um rico painel que retrata o desenvolvimento psicossocial do brasileiro. Do ponto de vista narrativo, investiu na elaboração dos ganchos dramáticos e preconizava que cada capítulo da novela deveria ser um “espetáculo diário” — explica o doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana da USP Mauro Alencar.

Para o crítico de TV Nilson Xavier, Janete deixou um estilo romântico e popular como legado e foi uma das responsáveis por ajudar a Globo ser uma grande produtora de telenovelas.

— Ela foi uma das responsáveis por criar no público o hábito de deixar a TV ligada na novela das oito da Globo lá no início dos anos 70 e foi a principal novelista da Globo em uma época em que a emissora conquistou a hegemonia nacional de audiência — diz.

Janete Clair começou sua carreira escrevendo para o rádio e a estreia na televisão aconteceu depois de um período de preconceito por parte das emissoras. Em 1967, ela foi chamada às pressas por Boni para ajudar a salvar a novela “Anastácia, a Mulher sem Destino” que tinha baixa audiência, produção muito cara e número excessivo de personagens. A partir daí Janete garantiu seu lugar na Globo.

— A televisão brasileira, sobretudo durante o período de seu maior desenvolvimento (décadas de 1970 e 1980) pouco absorveu das autoras do rádio. O talento feminino, em sua grande maioria, estava presente na literatura e no teatro — observa Alencar — E aí destaco mais uma importância de Janete Clair: o seu empenho para apresentar personagens femininas no mercado de trabalho; ou seja, ela conseguia dentro de seu estilo folhetinesco, melodramático e romântico, tirar a mulher do espaço privado, do lar, e inseri-la na arena pública.

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Pode-se dizer que a autora foi pioneira e abriu espaço para outras mulheres na teledramaturgia. Para a autora e diretora Rosane Svartman, Janete é uma inspiração e essencial.

— Não faz muito tempo, Glória Perez era a única autora da atualidade a escrever para o horário das nove, até a chegada de Manuela Dias. No entanto, observo hoje um aumento do número de autoras de telenovelas na grade – e me incluo entre elas. Hoje, existe uma demanda por mais diversidade, pontos de vistas e abordagens, o que não inclui apenas autoras mulheres, claro, mas outros grupos que merecem maior representatividade — opina Rosane.

A autora Maria Adelaide Amaral, famosa por minisséries como "Os Maias" e "Um só coração", destaca a ousadia de Janete Clair na hora da escrita. Característica que, segundo ela, é rara no meio da teledramaturgia.

— Para mim ela é um suprassumo, a rainha maior da teledramaturgia brasileira. Acho ela extraordinária. O grande diferencial da Janete é que ela tinha o pudor e a ousadia na escrita do folhetim que eu, por exemplo, não tenho e quase ninguém tem. Talvez a gente seja mais crítico, ela não, ela se abandona. A Janete abriu espaço para um monte de gente.

'Pai Herói'

Segundo o doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana da USP, Mauro Alencar, “Pai Herói” é um dos melhores exemplares do gênero dramático de telenovela brasileira. A trama principal concentra-se em um jovem, André Cajarana (Tony Ramos) que tenta inocentar a imagem do pai.

— Dona Janete era uma pessoa muito espontânea, muito clara. Ela mandava recados pelos diretores, às vezes telefonava para contar de uma cena que tinha visto e tinha gostado. Sempre muito generosa, era uma doçura de pessoa. E, ao mesmo tempo, uma criadora. Ela não fazia nenhum tipo de juízo de valor de uma telenovela. Ela apenas queria sempre passar, através do folhetim, quadros da vida real — lembra Tony Ramos.

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Parceira de Ramos na novela, Elizabeth Savala conta que Janete Clair ligava para ela, mas conversava com sua personagem.

— Ela ligava e dizia 'E aí, Carina, esta semana eu vou fazer isso e aquilo'. Às vezes, ela ligava no domingo e ficava conversando. Eu não entendia como, porque ela não tinha colaborador, escrevia sozinha, numa máquina de escrever, com três filhos.

Um destaque da novela, na época, foi a trilha sonora. A música "Pai", de Fábio Júnior era o tema de abertura e outros sucessos como "Explode coração", "I Will Survive" e "Allouette" — interpretada por Denise Emmer, filha de Janete — embalavam os personagens.

De acordo com Nilson Xavier, crítico de TV, tanto a trilha nacional quanto a internacional são importantes, venderam muito na época e até hoje é possível encontrar em vários sebos discos LP de "Pai Herói".

Ao todo, Janete Clair escreveu 18 novelas para TV Globo e, além de “Pai Herói”, Janete é responsável por sucessos como “Sangue e Areia”, “Irmãos Coragem”, “Selva de Pedra”, “Pecado Capital” e  “O Astro”.