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Cultura

Há 70 anos no Brasil, TV mantém relação histórica com o público enquanto se reinventa com inovações tecnológicas e de formatos

Primeira transmissão no país, que completa sete décadas no dia 18, deu início a trajetória única de produção e audiência, que se reconfigura com o streaming
TV em 1969 e modelo 3D: na estreia, 200 aparelhos foram trazidos dos EUA Foto: Fotos de aqruivo e AFP
TV em 1969 e modelo 3D: na estreia, 200 aparelhos foram trazidos dos EUA Foto: Fotos de aqruivo e AFP

RIO — No dia 18 de setembro de 1950, quando a imagem da atriz Maria Dorce surgiu para 200 televisores espalhados por São Paulo, começava a ser escrita uma história que se confundiria com a própria história do país. Realizada pela TV Tupi (a atriz, de 6 anos, estava com um figurino de índio, o símbolo da emissora), a primeira transmissão televisiva nacional, há 70 anos, dava ao país — que se urbanizava, se industrializava e redefinia seu lugar no mundo — o seu principal espelho.

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Bem além das duas centenas de aparelhos iniciais importados dos EUA pelo jornalista Assis Chateaubriand, dono do grupo Diários Associados, ao qual pertencia a TV Tupi, a septuagenária TV brasileira chega hoje a mais de 96% dos lares, segundo dados de 2018 do IBGE. A imagem em preto e branco da “TV Taba”, o primeiro programa transmitido na noite da estreia, tendo no elenco Lima Duarte, Ivon Cury e Hebe Camargo, se contrapõe à diversidade de opções atuais da TV aberta, a cabo e mais recentemente do streaming, que projeta um novo futuro para o meio.

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Acompanhada também em computadores e celulares, a TV se mantém como elemento integrador, como se viu nos últimos meses, em que foi a principal fonte de informação e entretenimento durante a quarentena imposta pela Covid-19 — e os desafios da pandemia a fizeram se reinventar mais uma vez.

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— A transmissão de estreia foi quase uma travessura do Chateaubriand. Mas a partir dos anos 1970 ela passa a ser o veículo da unidade nacional, consolidando uma identidade que começou a ser formada com o rádio, no Estado Novo — diz Eugênio Bucci, autor de livros como “Brasil em tempo de TV” (2000).— É por meio da TV que a população passa a se reconhecer como parte de um todo, algo difícil até então para um país que vai da Floresta Amazônica aos pampas gaúchos. Isso nos fez estabelecer uma relação com a TV que é quase única no mundo.

Wálter Forster e Vida Alves em 'Sua vida me pertence', a primeira novela, de 1951 Foto: Arquivo
Wálter Forster e Vida Alves em 'Sua vida me pertence', a primeira novela, de 1951 Foto: Arquivo

A conexão não seria tão profunda, ele destaca, sem o talento dos profissionais que fundaram uma escola brasileira de TV. Um dos pilares desta produção seria a teledramaturgia — a pioneira telenovela “Sua vida me pertence” foi levada ao ar pela Tupi em dezembro de 1951, na qual também houve o primeiro beijo visto ao vivo pelo público brasileiro, entre Wálter Forster e Vida Alves. A partir de “Beto Rockfeller” (1968), da Tupi, as tramas passam a retratar a realidade brasileira e se transformam em fenômenos de audiência, em produções como “Irmãos Coragem” (1970) e “Dancin’ days” (1978), da TV Globo.

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Mesmo diante de todas as possibilidades trazidas pelo streaming, em que o espectador ganha poder de criar sua própria grade, a TV linear (assistida no momento em que a atração é transmitida) se mantém como um hábito entre a maioria do público. A convivência entre os dois modelos surge como um capítulo desta história, evidenciado pelo recente lançamento do Globoplay + Canais Ao Vivo, serviço que reúne o conteúdo em streaming à programação em tempo real da Globo e de canais como GNT, GloboNews, Multishow e Sportv.

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— É preciso entender que streaming é televisão, e não uma coisa diferente. Como ofício, como campo profissional, como arte, é a mesma TV. Claro que tem características tecnológicas e de experiência próprias, que impacta no tempo dedicado pelo usuário às atrações — observa Erick Brêtas, diretor de Produtos e Serviços Digitais da Globo.

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Ele cita o exemplo de “Game of thrones”, série da HBO, para lembrar como antes da Covid-19 a TV mundial estava vivendo sua década de ouro, com um investimento nunca visto em suas produções.

— Essas grandes narrativas, que ficaram mais ligadas ao on demand , vão dividir a audiência com experiências “eventizadas”, que naturalmente estão relacionadas ao jornalismo, esportes e a shows, mas também ocorrem durante a exibição de novelas de grande repercussão, por exemplo.