Cultura
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Por — Rio de Janeiro

“Sim, esta informação é verdadeira, apesar da minha idade”, avisa Ruth Rocha, enchendo a boca com uma risada rouca ao comentar que, aos 93 anos, estendeu por mais 15, até 2039, o contrato com a editora Salamandra, uma das casas responsáveis pela publicação de seus livros. Autora de 218 títulos, todos dedicados ao público infantojuvenil, ela se vê hoje totalmente enredada pelas próprias narrativas que criou — e afirma que está bem distante de vislumbrar uma aposentadoria. Mas a escritora não reclama. Pelo contrário.

— Nem posso parar. Todo dia tenho coisas! É muito serviço. Vivo cercada pelos livros, trabalho o tempo inteiro e gostaria de estar até mais ativa — diz.

Não só para baixinhos

Na última semana, centenas de leitores formaram fila numa livraria em São Paulo, ao longo de mais de duas horas, para garantir autógrafos, selfies e abraços de Ruth. E lá estava ela, empolgada e sem qualquer indício de cansaço, no evento de lançamento da nova edição dos oito títulos da coleção Comecinho, datada de 2006, e agora completamente repaginada pela Editora Global, com ilustrações inéditas de Mariana Massarani — inspirada nos netos da autora (Pedro e Miguel, hoje com 26 e 29 anos respectivamente), a publicação narra as descobertas, os desafios e os medos de dois irmãos na infância.

Jovem se emociona ao encontrar Ruth Rocha, em tarde de autógrafos da nova versão da coleção Comecinho — Foto: Divulgação
Jovem se emociona ao encontrar Ruth Rocha, em tarde de autógrafos da nova versão da coleção Comecinho — Foto: Divulgação

Na ocasião, uma turma de crianças, adolescentes, adultos e idosos caiu no choro ao se aproximar da escritora. Houve quem contasse, aos prantos, que aprendeu a ler com um dos livros da autora. Uma senhora de 69 anos revelou que é fã desde os tempos em que ela publicava textos na extinta revista Recreio, nos anos 1970. Um homem, já com netos, afirmou que só se tornou professor escolar por causa dela.

Ruth se emociona com os relatos (“É uma confirmação de que vale a pena o que faço, né?”, avalia). Mas resiste a se enxergar no posto de “escritora popular”, embora a carreira de cinco décadas seja marcada por números superlativos — até hoje, ela já vendeu 40 milhões de exemplares no país e tem obras traduzidas para 25 idiomas. Aliás, “Marcelo, marmelo, martelo”, que sozinho alcançou a quantidade de 20 milhões de unidades comercializadas no Brasil, aterrissa, neste mês, nos Estados Unidos. E segue intacto, como um fenômeno raro, no mercado editorial verde-e-amarelo.

— Claro que não imaginava essa longevidade toda. Lá atrás, não tinha ideia de que seria lida durante tantos anos. Mas fiz o melhor que pude. Não devia dizer isso, mas meus livros são bons, né? Acho minha obra interessante, com histórias que encantam as crianças. Então, tenho, sim, essa pretensão — graceja, sem modéstia. — Mas não me vejo como uma autora pop. Sou? Não sei. Isso aí é você que tem que me falar.

Joguinhos no tablet

A autora lamenta que esteja com menos ideias na cabeça ultimamente, embora colecione rascunhos de tramas inéditas na gaveta (“Pode vir algo novo por aí, mas estou meio desanimada e escrevendo muito pouco”, pondera). Ela segue, porém, antenada — e afinadíssima com o tempo presente. A imagem antiquada de uma senhora que passa o tempo todo apenas tricotando numa cadeira de balanço não é bem o retrato mais fidedigno de Ruth Rocha.

Ilustração do livro 'Marcelo, marmelo, martelo', de Ruth Rocha — Foto: Mariana Massarani/Reprodução/Divulgação
Ilustração do livro 'Marcelo, marmelo, martelo', de Ruth Rocha — Foto: Mariana Massarani/Reprodução/Divulgação

O passatempo predileto da escritora está guardado num tablet (“Brinco muito ali”, anima-se). Ela é aficionada por jogos digitais do tipo caça-palavras, como o Conexo e o Termo, e sempre dá uma bisbilhotada no grupo da família, no WhatsApp, para ter notícias dos dez sobrinhos. Diariamente, em horários fixos, recebe telefonemas das irmãs Rilda, de 95 anos, e Eliana, de 80, que leem dois jornais, de cabo a rabo. Devido à vista cansada, a escritora apresenta dificuldade com leituras. A solução, então, é ouvir. Todo dia, ao longo de uma hora, uma das irmãs também lê para Ruth, por telefone, obras literárias — as duas já desbravaram, desse jeito, cerca de 60 livros, entre os quais “Guerra e paz”, de Tolstói, e “Sapiens”, de Yuval Noah Harari. O genro faz o mesmo, uma vez por semana, declamando poemas. E um dos netos também, mas presencialmente, na casa da avó.

Ruth não tem do que chiar:

— Só tenho doencinhas bobas, problemas de vista, de ouvido... Minha família toda é longeva. Meu irmão, que é médico, fala assim: “Você vai morrer com tudo isso, mas não vai morrer de nada disso” . Fui muito feliz, sabe? Sou alegre. E não tenho medo de morrer. Então, vou vivendo (risos). Veja até que eu rio disso!

Sem tatibitate

Ela só torce o nariz quando escuta alguém da mesma idade justificar opiniões ultrapassadas com a seguinte ladainha: “Ah, mas, na minha época, era de outro jeito...”. Atenta a temas da atualidade — crise climática, gênero e racismo e já foram abordados em seus livros—, Ruth não esconde o espanto diante da onipresença de celulares e aparelhos tecnológicos. Mas crê que as vivências da infância pouco foram afetadas.

— As crianças crescem seguindo um padrão natural e são mais ou menos as mesmas de antigamente — opina ela, que, antes de se consagrar como escritora, atuou como orientadora vocacional e jornalista. — O que percebo hoje é que a gente trata as crianças de maneira diferente. Uma das coisas mais importantes é que os adultos passaram a conversar mais com elas. No meu tempo de menina, dizia-se assim: “Criança é para ser vista, não é para ser ouvida”. Mas é muito importante que a criança seja educada no sentido de amar a língua, sendo inserida nas conversas. Isso está melhor.

Capa da edição em inglês de 'Marcelo marmelo, martelo', que sairá nos EUA em 2024 — Foto: Divulgação
Capa da edição em inglês de 'Marcelo marmelo, martelo', que sairá nos EUA em 2024 — Foto: Divulgação

Expoente da mesma geração de nomes como Ziraldo, Ana Maria Machado e Marina Colasanti, Ruth admite que não acompanha a nova safra de autores brasileiros dedicados ao público mirim (“Nunca me mandam nada, e não recebo um livro em casa”, reclama). A autora, que já foi incentivada por colegas a se candidatar a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, defende uma maior valorização da literatura infantil.

— Ainda somos tratados como algo menor, sobretudo pelas livrarias — aponta, afastando o caráter de “ensinamento” normalmente associado a esse tipo de obra. — “Educar” não pode estar nas intenções de um autor. Não dá para explicar o que fazer na vida. A criança tem que tirar das histórias uma formação artística, moderna, inteligente. E é isso o que a boa literatura faz.

Top 10 da autora por ela mesma

A seguir, confira uma lista dos dez principais livros de Ruth Rocha, segundo a própria autora.

'Marcelo, marmelo, martelo'

Capa do livro 'Marcelo, marmelo, martelo', de Ruth Rocha — Foto: Reprodução
Capa do livro 'Marcelo, marmelo, martelo', de Ruth Rocha — Foto: Reprodução

Maior sucesso de Ruth, este livro com situações do cotidiano urbano virou série de sucesso no streaming Paramount+ em 2023.

'O reizinho mandão'

Capa do livro 'O reizinho mandão', de Ruth Rocha — Foto: Divulgação
Capa do livro 'O reizinho mandão', de Ruth Rocha — Foto: Divulgação

O que aconteceria se um rei muito mal-educado e mimado determinasse que todos calassem a boca? Teve um reizinho que fez isso, e só arranjou muitos problemas.

'Palavras, muitas palavras...'

Capa do livro 'Palavras, muitas palavras...' — Foto: Divulgação
Capa do livro 'Palavras, muitas palavras...' — Foto: Divulgação

No primeiro livro publicado por Ruth Rocha, em 1976, ela fez uma espécie de cartilha de alfabetização que é também um livro de poemas.

'O menino que aprendeu a ver'

Capa do livro 'O menino que aprendeu a ver' — Foto: Divulgação
Capa do livro 'O menino que aprendeu a ver' — Foto: Divulgação

Aqui a gente vive, junto com Joãozinho, o milagre da descoberta das palavras, que não são, como pensava ele, meros desenhos sem sentido.

'Bom dia, todas as cores!'

Capa do livro 'Bom dia, todas as cores!', de Ruth Rocha — Foto: Divulgação
Capa do livro 'Bom dia, todas as cores!', de Ruth Rocha — Foto: Divulgação

Eis a história de um simpático camaleão que acordou cor-de-rosa e, ao encontrar os amiguinhos, mudou de cores várias vezes ao longo do dia.

'Romeu e Julieta'

Capa do livro 'Romeu e Julieta', de Ruth Rocha — Foto: Divulgação
Capa do livro 'Romeu e Julieta', de Ruth Rocha — Foto: Divulgação

Ruth Rocha adapta Shakespeare para a vida das borboletas e mostra como é chato viver cercado somente de quem é igual a nós mesmos.

'Procurando firme'

Capa do livro 'Procurando firme', de Ruth Rocha — Foto: Divulgação
Capa do livro 'Procurando firme', de Ruth Rocha — Foto: Divulgação

Ruth alerta que parece história de fadas, mas não é, e tampouco é para criança pequena... Ousado, engraçado e brilhante, o livro apresenta o pensamento feminista.

'Nicolau tinha uma ideia'

Capa do livro 'Nicolau tinha uma ideia' — Foto: Divulgação
Capa do livro 'Nicolau tinha uma ideia' — Foto: Divulgação

Com a graça e a inteligência que são sua marca registrada, Ruth Rocha mostra como pensar e aprender são coisas divertidas.

'Azul e lindo: planeta Terra, nossa casa'

Capa do livro 'Azul e lindo: planeta Terra, nossa casa', de Ruth Rocha — Foto: Divulgação
Capa do livro 'Azul e lindo: planeta Terra, nossa casa', de Ruth Rocha — Foto: Divulgação

Um livro ecológico, que mostra a importância da preservação do meio ambiente para a vida de todos.

'O grande livro dos macacos'

Capa de 'O grande livro dos macacos', de Ruth Rocha — Foto: Divulgação
Capa de 'O grande livro dos macacos', de Ruth Rocha — Foto: Divulgação

Entender melhor os macacos é refletir sobre nós mesmos, dando conta de como estamos ligados aos outros seres que habitam o planeta.

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