Cultura
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Desde a infância, o escritor americano John Green, 46 anos, tem sua rotina afetada pelo transtorno obsessivo-compulsivo, conhecido pela sigla TOC. Do nada, ele é assaltado por pensamentos intrusivos, como o de que sua comida estaria envenenada, por exemplo. A ideia pode evoluir em sua mente durante dias e alterar sua percepção da realidade, sem que ele consiga controlar o seu próprio pensamento.

Essa “espiral do pensamento”, como ele define, é o pano de fundo de “Tartarugas até lá embaixo”, filme de Hannah Marks baseado no livro mais pessoal do romancista. Disponível na plataforma de streaming Max, o longa acompanha Aza Holmes (Isabela Merced), uma adolescente de 16 anos que investiga o paradeiro de um bilionário desaparecido, ao mesmo tempo em que busca novas formas de lidar com o TOC.

Green usou sua própria experiência com o transtorno para retratar os dramas da personagem. Vê-la ganhar vida na tela trouxe um impacto emocional extra para o autor, que já teve best-sellers virando sucessos de bilheteria, como “A culpa é das estrelas” e “Cidades de papel”. Tanto o livro quanto o filme tentam mostrar o que se passa dentro da cabeça de um indivíduo afetado pelo transtorno.

— Em alguns momentos foi muito difícil ficar no set, porque eu estava vendo Isabela Merced passar por dificuldades com as quais me identifico profundamente — lembra Green, em entrevista por video. — Muita gente associa o TOC a comportamentos mais visíveis, como lavar as mãos sem parar. Mas no meu caso não é tangível. Não consigo explicar o que é, apenas o que parece ser, e isso torna tudo muito mais complicado.

Sem ‘freak show’

A preocupação com o tema fez Green exigir controle criativo sobre a nova adaptação cinematográfica — fato inédito em sua carreira.

— Foi importante supervisionar a maneira como o TOC é retratado, porque normalmente o que se vê nessa área é péssimo — justifica o escritor. —Às vezes, é usado para arrancar risos. Em outras, é estigmatizado, como se comportamentos compulsivos fossem uma espécie de freak show. E também acontece de ser romantizado, nesses programas de detetives brilhantes que decifram tudo graças às suas obsessões. Para mim, o TOC não vem com nenhum superpoder. É apenas uma doença com a qual eu tenho que conviver.

De acordo com a Associação Médica Brasileira, os pensamentos invasores são caracterizados como TOC quando consomem mais de uma hora do dia do indivíduo ou causam prejuízo às atividades normais de sua rotina e interferem em seus relacionamentos.

Em “Tartarugas até lá embaixo”, as obsessões da protagonista Aza Holmes giram em torno de fluidos corporais e parasitas. O pânico em contrair bactérias e doenças atrapalha o seu dia a dia na escola e sua convivência com a família e com os jovens da sua idade. Mas não a impede de ir atrás da recompensa de US$ 100 mil para quem encontrar o desaparecido Russell Pickett, bilionário condenado por corrupção. Tentando a sorte como detetive ao lado de sua amiga Daisy, ela acaba se aproximando de Davis, um conhecido que acaba se revelando uma peça-chave na investigação.

As atrizes Isabela Merced e Cree (de cabelo vermelho) em cena do filme "Tartarugas até lá embaixo' — Foto: Divulgação
As atrizes Isabela Merced e Cree (de cabelo vermelho) em cena do filme "Tartarugas até lá embaixo' — Foto: Divulgação

Em um dos diálogos, Aza compara a forma de suas obsessões com a estrutura de uma boneca russa: dentro de uma matrioska, há sempre outra escondida. O título do livro faz uma analogia semelhante. É uma referência à cosmogonia da “tartaruga-mundo”, que vê a Terra como as costas de uma tartaruga (e, embaixo delas, outro casco de tartaruga, e outro, e outro, “até lá embaixo”).

Renovação young-adult

John Green já vendeu cerca de 50 milhões de cópias pelo mundo (cinco milhões só no Brasil, de acordo com a Intrínseca, sua editora no país). Seu maior sucesso, “A culpa é das estrelas” (2012), é responsável por quase metade desse número, ocupando a lista dos principais best-sellers da História, segundo o Wikipedia.

O americano é visto como um renovador da literatura young adult (jovem adulta). Trouxe ao gênero um estilo que reúne diálogos sagazes, adolescentes imperfeitos, viradas lacrimejantes e — sobretudo — personagens autênticos. O New York Times chegou a chamar essa fórmula de GreenLit. Já o britânico Guardian reconheceu que, além dos clichês e passagens açucaradas, o autor sabe “tocar o ritmo que o coração reconhece”. “Tartarugas lá em baixo” foi, inclusive, considerado um possível “novo clássico contemporâneo”.

Ainda que as moléstias físicas e mentais sejam uma constante dos seus últimos projetos (incluindo seu primeiro livro de não ficção, “Antropoceno: notas sobre a vida na Terra”), suas histórias insistem na força da superação. Os personagens aprendem a conviver com as limitações, sem deixar que elas os definam. Algo que o próprio Green adotou.

— Entendi com o tempo que espirais podem se estreitar, mas elas também vão na direção oposta — diz o autor. — Elas podem se abrir para o mundo. Por mais que o sentimento seja assustador, sei que, se fizer o meu tratamento, se tomar a minha medicação, me tornarei mais aberto e mais apaixonado pelo mundo, e esse sentimento é maravilhoso.

Lidar com a censura

Ao falar abertamente sobre transtorno obsessivo-compulsivo em palestras e vídeos, John Green vem ajudando a quebrar tabus a respeito da doença.

— Eu também tive que superar o estigma, não apenas o da sociedade, mas o que está dentro de mim, de me sentir envergonhado por ter TOC — diz Green. — Tive que trabalhar duro para perceber que não há nada de vergonhoso em viver com uma doença mental e que ainda posso ter uma vida rica, plena e maravilhosa enquanto também vivo com essa doença séria. É importante comunicar isso porque, muitas vezes, especialmente quando as pessoas estão realmente doentes, elas se sentem sem esperança.

Green também enfrentou recentemente outro tipo de preconceito. No fim do ano passado, ele viu “A culpa é das estrelas” ser removido da seção de jovens adultos numa biblioteca de uma cidade de seu estado natal, Indiana. O conselho da biblioteca levou em consideração as passagens de cunho sexual e os palavrões do livro.

O escritor respondeu com uma carta ao conselho, defendendo que os “verdadeiros especialistas” decidissem em quais seções as suas obras — e a de seus colegas — deveriam ser guardadas.

— Os escritores recebem muita atenção por essas coisas, mas na verdade não somos nós os protagonistas da história, os protagonistas são os bibliotecários e professores que são impedidos de fazer seus trabalhos por conta dessa guerra cultural — diz Green. — E os leitores também sofrem porque não conseguem acessar livros que são definidos como pornográficos quando na verdade não são. E foi especialmente difícil para mim que isso acontecesse na minha terra natal, o lugar onde eu vou ao supermercado e visito meu médico, saber que ali muitas pessoas estavam pensando em mim e no meu trabalho como pornográfico. Espero que meu trabalho honre os jovens e os leve a sério, e certamente nunca os explore de forma alguma.

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