Cultura Música

Pupilo de Siba, Mestre Anderson Miguel renova a ciranda em 'Sonorosa'

Jovem pernambucano cruza ritmos tradicionais com guitarras e linguagem pop
Mestre Anderson Miguel Foto: Jose de Holanda / Divulgação
Mestre Anderson Miguel Foto: Jose de Holanda / Divulgação

RIO — Mestre Anderson Miguel avisa logo nos primeiros versos: "A primeira vez que eu canto aqui / O povo tá aí, pra me ver cantar / Vamos cirandar/ Vamos cirandar / Joguei a primeira ciranda no ar". Em “Sonorosa”, seu quinto álbum (mas primeiro com uma produção "tão relevante", em suas palavras), o músico de 22 anos atravessa as margens da Zona da Mata de Pernambuco para lançar sua ciranda em novos ares. Com a assinatura luxuosa de Siba em três parcerias, e na concepção e produção do disco lançado pela EAEO Records, ele amplia sua órbita musical incorporando elementos como a guitarra ao clássico trio da ciranda (percussão, voz e metais). Assim, leva adiante a bandeira dos ritmos tradicionais e as influências do cultuado compositor de discos como "De baile solto" e "Avante".

CRÍTICA: Mestre Anderson Miguel desvela caminhos de uma tradição viva

“Eu tinha medo de não agradar as pessoas da Mata Norte, por elas serem guardiãs dessas tradições que são muito fortes e ricas. Mas a recepção me surpreendeu”

Mestre Anderson Miguel
Cantor e compositor

— Mestre Anderson é o nome dentro de uma geração inteira. Ele é a imagem da renovação da cultura popular pernambucana, do maracatu e da ciranda na região da Zona da Mata — afirma Siba, que acompanhou a evolução do jovem nos grupos regionais até convidá-lo em 2016 para iniciar o projeto de gravação do disco "Sonorosa", que conta ainda com participações de Juçara Marçal, Jorge du Peixe e coprodução de João Noronha.

Nascido em Nazaré da Mata, interior de Pernambuco, considerada a capital do maracatu rural (também chamado de baque solto), Mestre Anderson é de uma família com tradição forte no ritmo. Aos oito anos já participava dos encontros na cidade onde começou como carboreteiro — nome dado a quem carrega o lampião iluminando os caminhos dos desfiles dos maracatus rurais. Aos 17, se tornou mestre oficial do Cambinda Brasileira, grupo de baque solto mais antigo em atividade com 100 anos completados em janeiro deste ano.

Mestre Anderson Miguel se tornou mestre oficial do Cambinda Brasileira aos 17 anos Foto: Divugação
Mestre Anderson Miguel se tornou mestre oficial do Cambinda Brasileira aos 17 anos Foto: Divugação

Polivalente ( fã de Zezé di Camargo e Luciano, também ataca de cantor sertanejo), já havia gravado três discos de maracatu e um de cirandas, antes de embarcar em seu projeto mais ousado em “Sonorosa”. Apesar da vocação para inovar ( já misturava melodias da MPB, como músicas de Roberto Carlos à base do baque solto), foi a parceria com Siba que lhe encorajou a ampliar ainda mais sua sonoridade, buscando uma comunicação com novos públicos e mais visibilidade para sua produção.

— Eu tinha medo de não agradar as pessoas da Mata Norte, por elas serem guardiãs dessas tradições que são muito fortes e ricas. Mas a recepção me surpreendeu. Esse dias uma pessoa me pediu "toca aquela música que você gravou". Achei que era um sertanejo que eu tinha divulgado na semana, mas não, era "Cirandeiro" que ela queria ouvir — conta Anderson que recentemente saiu do Cambinda para assumir a liderança do grupo Águia Misteriosa.

A faixa é uma das nove que compõem o disco, sendo oito em ritmos de ciranda e uma, "Sonorosa", que dá nome ao álbum, um maracatu de baque solto — sua maior referência entre os estilos tradicionais. O respeito e apego do Mestre da Zona da Mata às referências dos ritmos pernambucanos são notáveis nos andamentos percussivos e na concisão poética típica do semiárido e seus bardos repentistas e cirandeiros.

Expoente de uma geração que conta ainda com nomes de mestres de maracatu como Bi (Estrela Brilhante), Letinho (Gavião da Mata), Guilherme (Pavão Misterioso) e Erino (Estrela de Ouro), Anderson Miguel desconversa quando questionado sobre a posição de referência dos novos movimentos de valorização e difusão da cultura popular pernambucana.

— Eu apenas dei um ponta-pé inicial, botei a bola pra rolar, pra encorajar a juventude da qual faço parte a seguir com nossa linguagem — diz o "Neymar do maracatu", apelido que recebeu na Zona da Mata.

Siba ressalta que ritmos como o maracatu e a ciranda são muitas vezes relegados de forma preconceituosa a uma posição folclorizante.

— O Anderson tem que lutar o tempo inteiro contra isso com sua arte. Sua música não é nem um pouco passadista embora seja parte de uma tradição. Mas é uma tradição que tem a criatividade e a renovação como elemento central.