Martha Batalha
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Outro dia eu abri o armário e me vi contemplando as roupas. Eu tenho umas peças bem lindas, compradas ao longo dos anos em brechós e boas liquidações. Como outras mulheres eu desenvolvi um terceiro olho para moda. Escolho o que me representa sem atentar para grifes ou tendências. O resultado é incrível. Tá lá nos cabides, o figurino de um mulherão.

A questão é: cadê esse mulherão?

Esta que digita não é ela. A que digita é capaz de passar a semana com o mesmo moletom, cheirando o sovaco de quando em vez, para ver se dá para usar outro dia. A que digita se restringe às camisas manchadas, ao jeans de sempre, ao cabelo de bruxa. O estilo de quem trabalha em casa é clássico, no sentido de que jamais muda. Eu quase não saio e não vejo ninguém. Só as samambaias da varanda são testemunhas do meu desleixo. Família não conta porque o convívio nos torna invisíveis, dando-nos uma vaga ideia de como os outros se vestem.

Meu marido, por exemplo. Ele tem dois estilos: executivo e náufrago. No modo executivo, ele se intimida diante de seis camisas quadriculadas azuis, incapaz de escolher a combinação ideal com a calça escura. No modo náufrago, é a camiseta do Guns N’ Roses e suas contemporâneas, e isso é do tempo em que o Kurt Cobain era vivo. Meu filho segue a tendência. É um náufrago mirim, em seu corpo as roupas se desintegram, misteriosamente. Eu só noto o terceiro furo no jeans, o segundo na sola do All Star. O cheiro do All Star. Minha filha, o estilo dela é deslumbrante. Se ela se cobrir com os tapetes do carro ficará deslumbrante. Sacos de lixo, plástico bolha, as roupas da minha finada avó, um espetáculo. Ela só tem mesmo esse tipo de roupa, a que nela fica deslumbrante.

Já eu... bem. Por um lado eu sou cabeça e não esquento para roupa, e digo isso literalmente, eu me sinto uma imensa cabeça quando escrevo, sem atentar para o fato de ser mulher ou mesmo corpo.

Por outro lado eu me sinto traindo a mim mesma, descumprindo a promessa de viver bem. Montei guarda-roupa imaginando passeios, jantares, encontros, viagens. E quando nada sai do armário é porque eu também não vou a lugar algum. Tá lá a prova, o vestido com cheiro de mofo e poeira, o aroma triste das roupas intocadas. A etiqueta ainda na camisa, o símbolo de que eu não fui.

Então alguém com más influências (Marie Kondo, é você) diria: passe adiante, ué. O que você não usa. Ao que eu respondo: jamais. O problema não é meu guarda-roupa. Ele continua me representando. Sou eu, na minha vida de moletom entre samambaias, que deixei de representá-lo. Há um abismo entre a mulher que eu sou e a que eu gostaria de ser, simbolizado por um belo vestido longo que nunca viu uma festa.

E não é assim para tanta gente? Um dia abre-se o armário e vem o susto: vixe, quem é esta desconhecida? Essa que tem roupas deslumbrantes, interessantes, e que deveria estar indo para lugares de acordo? E se eu, dona das roupas, não desfruto transformações esporádicas, gloriosas, sensuais, o que isso diz sobre escolhas?

Acho que diz: escolha melhor. Foi o que meu guarda-roupa me disse. Me leve, nos leve, com alguma frequência, para bem longe daqui.

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