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Na última terça-feira, no auditório de uma livraria em São Paulo, um grupo seleto de cientistas e acadêmicos se reuniu para o lançamento de “Admirável Novo Mundo” (Companhia das Letras, 2023), do jornalista Bernardo Esteves. Fruto de um trabalho de apuração que durou uma década, o livro que se propôs a contar quando, como e por quem as Américas foram povoadas deu sinais de ter comovido os presentes. Forasteiro no mundo acadêmico, Esteves ofereceu um relato sobre a mudança de paradigma pela qual passa a história de povoamento do Novo Mundo. Ao fim de um debate, o público fez perguntas, a última delas partindo de um espectador que levantou o braço sem se identificar.

— É uma pergunta que talvez seja um pouco sacana — disse o homem. Explicando que o estudo da ocupação das Américas vive um momento conturbado, ele questionou se o livro a ser autografado naquela noite não estaria nascendo já um pouco desatualizado. Perguntou se o autor não gostaria de reescrevê-lo em algum momento.

Antes de responder, Esteves tratou de apresentar o interlocutor ao público:

— Pessoal, esse aí é o Eduardo Neves — afirmou.

O professor da USP Eduardo Góes Neves, um dos mais respeitados estudiosos da pré-história da Amazônia, sabia que dirigia a provocação a alguém capaz de rebatê-la, por ter sido ele mesmo fonte e consultor da obra. A resposta à questão está no próprio livro, no qual Esteves reconhece que a narrativa sobre a conquista das Américas por seus primeiros habitantes era inacabada e sujeita a reviravoltas.

Há duas décadas, era consenso entre arqueólogos que representantes da cultura Clovis, descoberta na década de 1960 em vestígios perto da cidade homônima no Novo México (EUA), teriam entrado no continente pelo Alasca há 13 mil anos. Esta seria reconhecida como a primeira comunidade americana, não fosse por uma série de descobertas de vestígios de presença humana anteriores a essa data, em quase toda a América do Sul, a partir dos anos 1990.

Se o paradigma de Clovis caiu em virtude disso, porém, o retrato da ocupação americana construído nas últimas duas décadas parece ter mais dúvidas do que certezas. Em seu livro, Esteves descreve esse cenário, pontuando-o com histórias de cada um dos sítios arqueológicos que revolucionaram esse campo de pesquisa, apimentando a narrativa com histórias de bastidores e picuinhas acadêmicas.

O novo paradigma que emerge, segundo o qual o continente recebeu seus primeiros habitantes há cerca de 20 mil anos, demora a se consolidar, e já é desafiado por indícios (controversos) de que existia gente por aqui antes do fim da Era do Gelo, dezenas de milênios atrás. Essa mudança de paradigma teve de passar por um processo de “descolonização” da arqueologia panamericana, no qual Neves teve papel indireto, mas crucial.

Seus estudos arqueológicos na confluência dos rios Negro e Solimões contam a história e o modo de ocupação dessa região remontando a um período de oito mil anos atrás. Esse tempo não diz respeito ao debate sobre quem eram os primeiros americanos, mas Neves mostrou que a Amazônia não era só um lugar de passagem na história da ocupação americana. A floresta tampouco era o ambiente hostil que só seria capaz de abrigar grupos pequenos e esparsos de humanos.

O arqueólogo também tem livro recém-lançado, “Sob os tempos do equinócio” (Ubu Editora, 2023), em que fala sob seu trabalho na região. Com muitos detalhes técnicos, o trabalho é uma versão de sua tese de livre docência, resumida e adaptada ao público leigo. A Amazônia Central não foi a primeira parada dos humanos na floresta, mas este bioma entrou em evidência quando a arqueóloga Anna Roosevelt achou nos anos 1990 vestígios humanos em Monte Alegre (PA) com datas tão antigas quanto as do povo de Clovis.

Sítios arqueológicos com datas estimadas em mais de 13 mil anos estavam pipocando naquela década em vários locais da América do Sul, mas desacreditados pelo mainstream acadêmico. Até que um deles, Monte Verde, no Chile, cravou com rigor a presença de humanos 14,6 mil anos atrás.

No Brasil, sítios bem antigos vinham sendo encontrados também, mas nenhum bate em ambição o do Boqueirão da Pedra Furada, na Serra da Capivara, no Piauí, famoso por pinturas rupestres. A arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon defende que a ocupação na região remonta a mais de 50 mil anos atrás, podendo chegar a cem mil anos, quando os humanos mal saíam da África. A alegação da pesquisadora nunca foi muito aceita. Também nunca ganhou muito apoio a hipótese da pesquisadora de que os primeiros habitantes da Serra da Capivara eram africanos.

O legado de Guidon para a ciência brasileira vai além de seu trabalho mais controverso, e é revisto numa biografia escrita pela jornalista Adriana Abujamra. “Niéde Guidon — Uma arqueóloga no sertão” (Rosa dos Tempos, 2023), ela conta como a cientista articulou com o governo francês uma expedição binacional que colocou a Caatinga no mapa global da arqueologia e convenceu o regime militar do Brasil a criar um parque nacional ali.

Nos três livros, é possível perceber que algo que atrasou a virada de mesa nos estudos sobre povoamento da América foi a dificuldade de cientistas latino-americanos em convencer figurões dos EUA de suas descobertas. Os autores também apontam atraso da academia em incluir nas pesquisas as perspectivas dos indígenas na construção de uma ciência que, em última instância, fala de seus ancestrais.

"Admirável novo mundo"
Autor:
Bernardo Esteves
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 104,90

"Sob os tempos do equinócio"
Autor: Eduardo Góes Neves
Editora: Ubu
Preço: R$ 69,90

"Niède Guidon: Uma arqueóloga no Sertão"
Autor: Adriana Abujamra
Editora: Rosa dos Tempos
Preço: R$ 54,90

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