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Cultura

Lançando disco em meio à pandemia, Dua Lipa comemora sucesso no BBB 20

Cantora britânica, que teve apartamento alagado logo antes da pandemia de coronavírus, diz ter adorado coreografias de Manu Gavassi, Babu, Thelma e Rafa com sua música
A cantora Dua Lipa Foto: Divulgação
A cantora Dua Lipa Foto: Divulgação

RIO — Chame do que quiser, mas existe um lugar no Brasil onde gringo quase nunca entra: a lista de músicas mais tocadas do Spotify é um reduto dominado por artistas nacionais, principalmente sertanejos e funkeiros. Mas, nas últimas três semanas, uma cantora britânica de origem albanesa disputou posições com as modas e batidões nas paradas brasileiras. Dua Lipa tem embalado quarentenas pelo mundo com o hit global “Don’t start now”, e no Brasil não é diferente: revezando entre o quarto e o quinto lugar, é a única música internacional no top 10.

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A canção se tornou trilha não-oficial do “BBB 2020”, com coreografia liderada por Manu Gavassi e seguida pelos brothers Babu, Rafa e Thelma nas festas do programa. A letra fala sobre uma desilusão amorosa superada: “Se não quiser me ver dançando com alguém/ Se quiser acreditar que qualquer coisa pode me parar/ Não apareça, não saia de casa/ Não comece a se importar comigo agora”, canta a artista de 24 anos, vencedora do Grammy de revelação em 2019. A cantora já viu alguns vídeos das dancinhas na internet e se diverte com o estímulo inusitado ao sucesso da música no país.

— Oh, jura? Que demais! (risos). Isso é muito louco. Fico muito feliz e adorei! Isso é muito legal. E eu tenho um carinho muito grande pelos meus fãs do Brasil. Fico ansiosa pra poder voltar quando as coisas voltarem ao normal — diz a cantora que aqui esteve em 2017 para dois shows em São Paulo (um solo e outro abrindo para o Coldplay, de seu amigo pessoal Chris Martin).

Rafa Kalimann, Manu Gavassi e Babu Satana dançam música de Dua Lipa durante uma das festas do BBB 20 Foto: Divulgação
Rafa Kalimann, Manu Gavassi e Babu Satana dançam música de Dua Lipa durante uma das festas do BBB 20 Foto: Divulgação

Isolamento em apê alugado

Lançado originalmente no começo de novembro, “Don’t start now” foi o primeiro single de “Future nostalgia”, o segundo álbum de estúdio de Dua Lipa, que chegou às plataformas de streaming no dia 27 de março. Enquanto astros como Lady Gaga e Sam Smith optaram por adiar seus discos, ela foi na contramão, e até antecipou o lançamento em uma semana — por conta de um “vazamento irritante”.

— Gosto de ver que essas músicas estão ajudando as pessoas, levando divertimento e bem-estar durante esse período difícil. Um refúgio para tirar o pensamento dessa tensão, pelo menos um pouco — diz a cantora e compositora em entrevista exclusiva ao GLOBO.

Dua Lipa está passando o isolamento num flat alugado em Londres, com o namorado. Imprevistos domésticos também acontecem com celebridades, e o apartamento da cantora sofreu uma inundação recentemente, enquanto ela se apresentava em Sydney. A pandemia do coronavírus chegou antes do fim das obras, e ela teve que buscar outro refúgio.

Com apartamento em obras, Dua Lipa passa isolamento em flat alugado Foto: Divulgação
Com apartamento em obras, Dua Lipa passa isolamento em flat alugado Foto: Divulgação

Por lá, Dua Lipa passa a quarentena lendo, assistindo a séries e dormindo de forma saudável, algo que definitivamente não esperava fazer no auge da divulgação de um álbum, com turnê mundial engatilhada. Trabalha como pode: conversando com os fãs em chats on-line e fazendo participações em programas, como a simpática performance de “Don’t start now” para o talk show de James Corden, dividindo tela com seus músicos e dançarinos, cada um em sua casa.

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— Lançar um álbum de casa é uma experiência que poucos artistas do meu segmento viveram — admite Dua Lipa. — Apesar de tudo, ainda é uma experiência gigantesca, e sou muito grata pelas respostas que tenho recebido, pelas reações dos fãs, as mensagens amáveis que me mandam e os vídeos caseiros de pessoas dançando e malhando em casa com minhas músicas. Vou lembrar dessa época como um período difícil que todos passamos juntos, e que ainda assim me senti grata.

Música para discotecas

Filha de pais albaneses da região politicamente instável do Kosovo, Dua Lipa chegou a morar entre os 13 e 15 anos na capital Pristina, mas voltou sozinha para seguir o sonho de ser cantora em Londres. Hoje, além de grande estrela pop, é também símbolo feminista da nova geração, com discursos públicos pró-aborto e críticas ao tratamento dado a mulheres na Arábia Saudita, além de buscar promover a equidade na indústria musical.

É, portanto, uma artista que evita seguir convenções, inclusive artísticas. Com “Future nostalgia”, inspirada por nomes como Jamiroquai, Moloko e Madonna, Dua Lipa recuperou a fusão do pop com a disco music que garantiu obras memoráveis nos anos 1980. Menos melancolia nas letras e mais diversão. Menos “tum-ts tum-ts” e mais instrumentos orgânicos, linhas de baixo funkeadas e grooves para discotecas. Ainda assim, com temas e cara modernas. Por isso, o título “Nostalgia futura”, pensado durante uma caminhada em Las Vegas.

— Eu só queria fazer um álbum que fosse divertido. O pop tem que ser divertido, não pode te entediar — define a cantora. — Queria um álbum que fizesse dançar. Além disso, quis me livrar de qualquer pressão ou expectativas das pessoas sobre o que eu deveria fazer. Entrei no estúdio para me divertir, e foi assim que cada música nasceu.

Diferentemente do álbum epônimo de estreia, Dua Lipa é coautora de todas as canções de “Future nostalgia”.

— Pude escrever todas as músicas de forma pessoal e, assim, ser capaz de expressar felicidade e vulnerabilidade de forma dançante.

Crítica: Escapismo pop entre o retrô e o contemporâneo

Por Silvio Essinger

O segundo álbum da estrela pop inglesa de ascendência albanesa Dua Lipa não faz segredos acerca do que pretende: “Future nostalgia” é uma coleção intencionalmente retrô de faixas que aspiram à solidez das produções pop dos anos 1980, mas sem perder o pé na contemporaneidade. Em tempos de pandemia, o disco oferece um escapismo só possível no passado distante, com a sonoridade e a sexualidade à flor da pele de um 2020 em que ainda se podia botar todo mundo na pista de dança.

Capa de 'Future nostalgia', de Dua Lipa Foto: Divulgação
Capa de 'Future nostalgia', de Dua Lipa Foto: Divulgação

E como se faz isso? Com um time de produtores de categoria, como Jeff Bhasker (que pilota os maneirismos de jazz-funk com baixo sintetizado e vocoder da faixa-título), Ian Kirkpatrick (que convocou groove de baixo elétrico e truques disco para disfarçar a canção modernosa “Don’t start now”) e, principalmente, Stuart Price. O inglês —que foi o braço direito de Madonna no álbum “Confessions on a dance floor” (2005) — deixa evidente o seu profundo conhecimento dos segredos das pistas de outros tempos nas faixas “Cool”, Levitating”, “Hallucinate” e “Love again”.

Mas coube a outros produtores burilar os bons singles do álbum. O canadense Koz responde por “Physical”, faixa new wave que joga com o velho hit, de mesmo nome, de Olivia Newton-John. Já Andrew Watt e The Monsters & Strangerz guiam “Break my heart”, uma pérola da filter disco, com sample de “Need you tonight” do INXS. Destaque também nesse disco, que soube tirar excelente partido do vocal grave de Dua Lipa, é a safadinha “Good in bed”, que recicla “Your woman” (1997), solitário hit do inglês White Town.

Equilibrado, sem os exageros dos álbuns de suas rivais, “Future nostalgia” dá a cantora de 24 anos combustível para disputar com a australiana Kylie Minogue e a sueca Robyn o posto de diva suprema do pop eletrônico com estofo histórico.