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Cultura

Com faturamento zero desde o fim de março, cinemas encaram risco de fechar as portas de vez

Com atividades suspensas pela pandemia de Covid-19, exibidores acumulam despesas e esperam liberação do fundo do audiovisual
Cartazes vazios no Roxy de Copacabana: sem previsão de normalização Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo
Cartazes vazios no Roxy de Copacabana: sem previsão de normalização Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo

RIO — O desabafo partiu de Adriana Rattes, uma das sócias-fundadoras do Grupo Estação, que há 35 anos forma gerações de cinéfilos no Rio. Pressionada pela crise, a empresária, que foi secretária estadual de Cultura do Rio entre 2007 e 2014, relatou numa sequência de tuítes as dificuldades de arcar com as despesas e a folha de pagamento dos 75 funcionários do grupo. E encerrou com um apelo: “Convoco aqui todo mundo que pode ajudar a pensar e a solucionar situações como esta. Claro que não somos os únicos”.

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E não são mesmo. Mais de um mês depois do fechamento de praticamente todas as salas de cinema do país, o drama dos exibidores começa a virar uma ameaça concreta de apagão. Desde 26 de março, a bilheteria é zero — a única exceção fica por conta de dois cinemas do Rio Grande do Sul, que reabriram na sexta-feira passada, com público de 116 pessoas até domingo. Hoje, tanto redes com abrangência nacional quanto pequenos cinemas de rua encaram o risco de não conseguir retomar os trabalhos.

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O drama dos exibidores soma-se ao do setor cinematográfico como um todo — e, vale lembrar, da classe artística brasileira —, que clama por medidas de apoio do governo federal. No caso específico do audiovisual, Ancine e BNDES preparam uma linha emergencial de crédito, com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), para bancar a folha de pagamento das empresas por um ano, com custos baixos. Mas ela esbarra na burocracia: o comitê gestor do FSA precisa se reunir para que a proposta — e a liberação de todo o fundo emperrado, da ordem de R$ 700 milhões — tenha progresso. Aí, nova burocracia: como o comitê está alocado no Ministério da Cidadania, e a Secretaria Especial da Cultura migrou para o do Turismo, nada anda. A própria Ancine necessita de regulamentação para passar para o comando da secretária Regina Duarte.

Queda na arrecação do primeiro trimestre Foto: Filme B
Queda na arrecação do primeiro trimestre Foto: Filme B

Procuradas, Ancine e Secretaria Especial da Cultura não se manifestaram até o fechamento desta edição, às 20h30.

— Sabemos que todos os setores foram impactados pela pandemia, mas deveria haver uma linha voltada para áreas com faturamento zero, como é o caso dos exibidores — diz Adriana Rattes. — Podemos perder em poucos meses todo o investimento feito no audiovisual brasileiro nos últimos anos, com vários cinemas fechando, ainda mais no interior. Pode haver um apagão no setor.

Adriana Rattes, em 2014, na época, secretária estadual de Cultura Foto: Guito Moreto / Guito Moreto / Agência O Globo
Adriana Rattes, em 2014, na época, secretária estadual de Cultura Foto: Guito Moreto / Guito Moreto / Agência O Globo

Ela lembra que o Grupo Estação, que tem quatro cinemas com 12 salas, em Botafogo, na Gávea e em Ipanema, teve uma receita de R$ 21 milhões no ano passado. Mas, com as despesas fixas e os encargos, não há capital que seja capaz de manter o negócio fechado por tantos meses.

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— Só os impostos sobre o faturamento e o recolhimento do Ecad (Escritório de Arrecadação e Distribuição de direitos autorais) já consomem 45% da arrecadação mensal. Temos aluguéis que variam de R$ 50 mil a R$ 70 mil, e uma folha de R$ 140 mil por mês — detalha Adriana, que tentou recorrer à linha de financiamento do BNDES voltada para empresas em geral, mas não conseguiu porque teve faturamento bruto de mais de R$ 10 milhões em 2019.

O BNDES informa que existe como alternativa o programa “Crédito Pequenas Empresas, disponível para uso livre de todos os setores e empresas com faturamento anual de até R$ 300 milhões”. Em ambas as modalidades, são bancos particulares e públicos que operam os créditos. No entanto, o Programa Emergencial de Suporte a Empregos, para empresas com faturamento de até R$ 10 milhões, tem uma taxa limite de 3,75% ao ano, enquanto que na linha mais ampla o teto é definido por cada banco, o que deixa as taxas, na média, entre 8% a 12%.

Pré-venda de ingressos

Para além dos desafios a serem enfrentados durante a pandemia de Covid-19, há um forte receio do que virá depois. Os exibidores temem que o retorno do público às salas não ocorra na mesma progressão que a retomada dos custos de financiamento. Nos EUA, Mark Zoradi, CEO do Cinemark, chegou a fazer uma previsão de reabertura gradual das salas para meados de junho. No Brasil, a rede preferiu não se pronunciar.

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Uma das medidas pensadas por Adhemar Oliveira, do Espaço de Cinema, neste tempo de portas fechadas, é promover uma pré-venda de ingressos, que serão validados aos clientes após a quarentena. Com 61 salas espalhadas por seis estados, como Rio, São Paulo e Minas Gerais, o exibidor tenta articular a ideia com secretarias municipais de Cultura, com dificuldade.

— É necessária uma maior velocidade de ações. Na quarta-feira está marcada uma reunião com a Câmara Técnica montada pela Ancine, esperamos que saia algo concreto dela. Minha perspectiva é a de que ainda vamos sofrer por quatro meses após o fim do confinamento — aposta Oliveira, que emprega, diretamente, 350 pessoas.

Mas para recuperar o fôlego de bilheteria, é preciso ter em cartaz produtos de peso. É um alerta que faz Ricardo Difini, presidente da Federação Nacional das Empresas de Exibição Cinematográfica (Feneec). Para ele, a exibição das apostas dos grandes estúdios americanos é um elemento crucial para a recuperação da saúde financeira do setor. Títulos como “Mulan” e “Viúva Negra”, que deveriam estrear no país respectivamente em março e abril, foram adiados para julho e outubro.

— Estar com as salas fechadas pode ser menos grave do que tê-las abertas sem nosso potencial completo. Dependemos do calendário americano de estreias, dos blockbusters que foram retidos com a pandemia— analisa ele.