O cineasta Pedro Antonio, de 44 anos, admite que, pelo menos desde os seus 25, há fotos altamente comprometedoras de sua atuação em karaokês pela cidade do Rio. Talvez seja a credencial mais exigida para realizar um filme centrado no hino nacional do gênero, “Evidências”, de José Augusto e Paulo Sérgio Valle, uma epopeia de quatro minutos e 56 segundos imortalizada em 1990 no mi maior de Chitãozinho e Xororó.
O problema é que karaokês são lugares onde dignidades e memórias se perdem. Diretor de séries de comédia na TV (“Os buchas”) e no cinema (“Um tio quase perfeito” e “Tô rycah”), Pedro Antônio é sincero: a escolha da canção não era óbvia quando bolou o argumento do filme, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (11), em uma coprodução da Warner e da Framboesa Filmes.
— A ideia partiu de uma vontade minha de fazer um filme em que uma música fosse a protagonista, que é o que acontece com muitos relacionamentos — conta o diretor. — Pensei em um protagonista que fosse um homem muito apaixonado, cujo namoro termina e ele não sabe muito bem por que, e a música fica trazendo as memórias para ele revisitar seus equívocos. Partimos à caça de uma canção que fosse muito romântica, muito brasileira, muito conhecida por todo mundo. E aí, quando achamos “Evidências”, pensamos: “Se não for essa, não vai ser nenhuma outra música.”
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Fofura
O resultado é uma comédia romântica saborosa, injetada de realismo fantástico, em que Marco Antônio (Fábio Porchat), um irremediável apaixonado, tenta reatar o namoro com a fofa Laura (Sandy, que, vale lembrar, é filha de Xororó). Em meio a essa cruzada, Porchat (que assina o roteiro com Pedro Antônio, Álvaro Campos e Luanna Guimarães) se vê viajando no tempo a fim de salvar a relação a cada vez que “Evidências” (de versos como “E nessa loucura de dizer que não te quero/ Vou negando as aparências/ Disfarçando as evidências”) volta a seus ouvidos e sua mente.
— Quando convidei Sandy, ela falou: “Mas como assim, eu fazendo comédia, eu nem sou engraçada”— relembra Porchat. — Eu disse a ela: “Deixa a comédia comigo e vamos focar na fofura.” Porque a Sandy é “a” fofura: quando a câmera vai na direção dela, parece que a gente tá mordendo um brownie quente.
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O resultado é bem divertido, com todas as reviravoltas possíveis de um gênero aconchegante fadado ao final feliz, em cima de uma música que, até hoje, embala gerações. Só que a letra de Paulo Sérgio Valle é capaz de dar spoilers, que não passam despercebidos pelo ouvinte atento, impondo um desafio aos roteiristas.
— Esse é o território perfeito para surpreender. O público entra na sala esperando ver a Sandy, o Fábio e a música que conhece de cor. Mas o que ele experimenta é uma história de realismo fantástico, bem fora da caixa para um blockbuster brasileiro — afirma Alvaro Campos, roteirista de “Mundo novo”, que venceu o Festival do Rio em 2021, e da vindoura série “Senna”, da Netflix. — Se “Evidências” não fosse tão conhecida, talvez não tivéssemos a liberdade de realizar algo tão diferente.
![O diretor Pedro Antonio, que fez comédia na TV (“Os buchas”) e no cinema (“Um tio quase perfeito” e “Tô rycah”), e agora dirige "Evidências" — Foto: Arquivo pessoal](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/3ljYjcSt62sey3G2HmrbwEhFpYA=/0x0:845x603/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/i/r/u6kAx3SEA8IJxLv2zlKA/sem-titulo.jpg)
Dosando o ‘chiclete’
E é a partir daí que surge uma das maiores preocupações do filme: como fazer com que uma história baseada num inegável “chiclete” não se torne um suplício para o espectador a cada retomada do tema musical?
Isso acabou sanado pela sensível direção musical do londrinense Daniel Simitan. Discípulo de Tim Rescala e autor da bela trilha de “Marte Um”, Simitan trabalhou arduamente em duas tarefas: a primeira é o tema de amor de Marco e Laura, que faz uma citação sutil à melodia de José Augusto enquanto alude ao caráter dos dois personagens, a serenidade de Laura e a patetice de Marco.
A segunda foi trabalhar a melodia em formas diferentes, em arranjos que vão da fanfarra ao forró, passando inclusive por uma inversão nota por nota, a mesma técnica que Caetano Veloso utilizou para criar “Você é minha” a partir de “Você é linda”:
— Criei mais de cem versões para “Evidências”, desde a fanfarra até o forró, de forma que a música estivesse sempre presente, mas transformada para servir à história.
O diretor, Pedro Antônio, acrescenta:
— Essa era uma preocupação muito forte na sala de roteiro. Era importante que o espectador não tivesse sempre a presença da música ali. Se não me engano, o único ponto que ela toca inteira é no final. Aí é para o público sair cantando junto.