O prefeito Ricardo Nunes (MDB) anunciou a desapropriação de prédios que estão ociosos no Centro de São Paulo, que vão virar moradia para a população de baixa renda. Esta é a primeira vez que isso ocorre na capital, que tem desde 2010 uma previsão legal que prevê que, caso um imóvel passe anos sem qualquer uso ou sendo subutilizado, deve ser tomado pelo poder público para virar habitação de interesse social.
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A princípio, cinco prédios serão desapropriados. Eles estão localizados no perímetro do Centro Histórico, nos bairros da República, Sé e Campos Elíseos. Ainda não foram publicados os decretos informando a localização exata de cada imóvel.
Nestes casos, a prefeitura fará a desapropriação de forma direta, pagando com recursos próprios o valor que os imóveis valem, descontado o IPTU, e depois vai transferir os prédios para a Cohab, que os transformará em habitação de interesse social via parceria público-privada. Segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), serão desapropriações feitas de forma amigável e administrativa, sem necessidade de processo judicial.
Esses cinco prédios estão desocupados há anos, e vinham tendo a cobrança de IPTU majorada anualmente há mais de cinco anos. Em um dos casos, o tributo devido chega a 58% do valor venal do imóvel. Ou seja, um imóvel avaliado em R$ 12 milhões tem dívida de IPTU de R$ 7 milhões.
Ao anunciar a medida em evento nesta terça (11), Nunes fez uma referência indireta a seu principal adversário político na pré-campanha eleitoral. Ele afirmou que está realizando o “maior programa habitacional” da cidade, mas “sem invasões”.
— São cinco prédios que tem capacidade para atendimento habitacional, prédios que não têm pago os seus impostos e haviam sido notificados. É uma forma da prefeitura levar habitação para pessoas, com prédios em que a gente está fazendo de forma legal, sem invasão, sem tomar aquilo das pessoas de forma ilegal, descumprindo a lei e causando a desordem. A prefeitura está fazendo aquilo que é legal, prevista no Plano Diretor, prevista em lei específica, sem desordem, cumprindo a legislação em sua plenitude — afirmou.
Falta de decreto impedia efetivação da política pública
A decisão de Nunes de enfim colocar na prática o Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC) vem após anos de falta de regulamentação do Executivo. Esse mecanismo está previsto no Estatuto das Cidades, uma lei federal, desde 2001. No município, consta de uma lei sancionada em 2010, e também do Plano Diretor paulistano aprovado em 2014. As normas fixam mecanismos para que o poder público notifique os imóveis ociosos e obrigue os proprietários a utilizá-los, seja para moradia, seja para atividades comerciais.
São considerados ociosos os imóveis não utilizados ou subutilizados por mais de um ano consecutivo ou não edificados — um exemplo de locais não edificados são os estacionamentos rotativos que funcionam apenas em um terreno térreo, sem nenhum prédio em cima. Quando os proprietários são notificados, têm um ano para apresentar ao poder público um projeto de utilização ou construção.
Caso isso seja descumprido, a prefeitura pode começar a aumentar o IPTU progressivamente, até chegar a alíquota de 15% do valor do imóvel — a alíquota básica é calculada sobre 1% do valor venal. Depois de cinco anos desse aumento, a prefeitura pode desapropriar os imóveis. Mas reportagem do GLOBO do ano passado mostrou que, por falta de um decreto, a política nunca foi efetivamente implementada. Atualmente, há 184 imóveis na quinta alíquota de IPTU na cidade, sendo 164 na região central.
Desde setembro de 2021 técnicos da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) alertavam sobre a necessidade de editar um decreto que permita efetivar a desapropriação desses imóveis ociosos, o que só depende de um decreto. Mas um imbróglio jurídico, de acordo com a Procuradoria-Geral do Município, impedia o andamento. O problema foi resolvido com a revisão do Plano Diretor, em 2023, que previu a possibilidade de hasta pública para desapropriar os prédios não utilizados.
O prefeito minimizou a demora em desapropriar imóveis que já poderiam ter sido usados pelo poder público há anos.
— As coisas acontecem no momento em que são possíveis de acontecer. A gente só faz as coisas quando tem recurso, a prefeitura, as empresas, o particular — falou durante o evento no qual anunciou as desapropriações.
Decreto publicado nesta quarta (13) detalha como se dará o processo, que será feito por hasta pública. Na prática, a norma autoriza que a prefeitura faça um leilão desses imóveis. O valor arrecadado com o leilão servirá para pagar o proprietário, descontada a dívida do IPTU. Ocorre que, deste modo, o imóvel vai parar na mão de quem o comprar no leilão, e não da prefeitura.
Mas se o prédio ocioso que for leiloado estiver em uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), como é a maior parte do Centro de São Paulo, ele necessariamente precisará oferecer percentuais mínimos de habitação de interesse social. Em cada desapropriação, a prefeitura fixará o que poderá ser feito no imóvel ocioso leiloado. Caso o valor obtido no leilão seja maior do que o valor do imóvel, o adicional ficará para a prefeitura. No caso dos cinco imóveis anunciados por Nunes, o mecanismo é outro, o de desapropriação amigável, com pagamento da indenização diretamente com recursos do Tesouro municipal.