Segredos do crime
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Segredos do crime

Histórias policiais, investigações e bastidores dos crimes

Informações da coluna

Vera Araújo

Jornalista investigativa há 30 anos e autora de "Mataram Marielle" e "O Plano Flordelis: Bíblia, Filhos e Sangue". Passou por "Jornal do Brasil" e "O Dia"

RESUMO

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GERADO EM: 08/07/2024 - 02:00

Delegado multado por ausência em julgamentos do Caso Marielle

Delegado Giniton Lages falta a julgamentos do Caso Marielle alegando falta de recursos e é multado. Advogado contesta decisão e destaca que sua presença não era essencial para as condenações. Investigações continuam e Giniton não foi denunciado.

A ausência do delegado Giniton Lages foi sentida por dois juízes do tribunal do júri fluminense em cerca de um mês. Ex-chefe da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), ele foi chamado para ser ouvido como testemunha em dois julgamentos de réus já investigados por ele, mas alegou estar "impossibilitado" de participar da videoconferência. Por e-mail, Lages respondeu à Justiça que não tinha condições financeiras de comprar computadores ou notebook com placa de vídeo e câmera porque a Justiça bloqueou sua remuneração, restringindo-a ao valor de um salário mínimo. Um dos juízes decidiu aplicar uma multa correspondente a 10 salários-mínimos pela falta.

 E-mail enviado pelo ex-chefe da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) à Justiça — Foto: Editoria de Arte
E-mail enviado pelo ex-chefe da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) à Justiça — Foto: Editoria de Arte

Durante as investigações da Polícia Federal para se chegar aos mandantes do homicídio da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, os investigadores apontaram que Giniton teria atrapalhado a apuração do caso. Ele assumiu as investigações dos assassinatos de março de 2018 ao mesmo mês do ano seguinte. Em 24 de março, Giniton foi alvo de um mandado de busca e apreensão expedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que determinou o uso de tornozeleira eletrônica e o bloqueio do salário de cerca de R$ 25 mil do acusado. Dias depois, Moraes decidiu o desbloquear o valor de um salário mínimo para a subsistência de Giniton.

Por isso, quando foi chamado para depor como testemunha nos julgamentos dos irmãos Leonardo Gouvêa da Silva, o Mad, e Leandro Gouvêa da Silva, o Tonhão, integrantes do Escritório do Crime, em 29 de maio, e dos réus Orlando de Oliveira Araújo, o Orlando Curicica, e Renato Nascimento Santos, o Renatinho Problema, em 26 de junho, Giniton alegou o impedimento. Os dois primeiros foram julgados pelo homicídio do contraventor Marcelo Diotti da Mata, sendo condenados a 26 anos e 8 meses em regime fechado, no 4º Tribunal do Júri da Capital, presidido pelo juiz Gustavo Kalil.

Leonardo Gouvea da Silva , o Mad, é substituto do Adriano Magalhães da Nóbrega à frente da organização criminosa de assassinos de aluguel, ligada à execução da vereadora Marielle Franco — Foto: Hermes de Paula/Agência O Globo/30-06-2020
Leonardo Gouvea da Silva , o Mad, é substituto do Adriano Magalhães da Nóbrega à frente da organização criminosa de assassinos de aluguel, ligada à execução da vereadora Marielle Franco — Foto: Hermes de Paula/Agência O Globo/30-06-2020

Para o segundo julgamento, o de Curicica e de Renato, o juiz do 3º Tribunal do Júri, Cariel Bezerra Patriota, chegou a pedir ao ministro Alexandre de Moraes autorização para que Giniton participasse por videoconferência, o que foi concedida. Mas, o delegado enviou um e-mail pessoal para a vara, comunicando e justificando a ausência. O magistrado, por sua vez, decidiu aplicar-lhe a multa de 10 salários mínimos. Cariel Bezerra relatou em sua decisão:

"Em relação à ausência da testemunha Giniton Lages, aplico-lhe multa de 10 salários-mínimos, devendo o valor ser bloqueado via SISBAJUD e transferido em favor do Fundo Especial do PJERJ, com fundamento nos arts. 219, 436, § 2º, e 458, todos do CPP, diante da gravidade da conduta da testemunha. Isso porque, mesmo após a comunicação de autorização para depor prolatada pelo Exmo. Ministro Alexandre de Moraes do eg. STF, Giniton Lages optou deliberadamente por não comparecer, sequer, virtualmente, e desrespeitar as ordens judiciais de V. Exa. e deste Magistrado, sob a falsa alegação de que não possuía renda ou dispositivo informático próprio, ou alheio para se conectar. Contudo, Giniton Lages enviou e-mail para a Vara do seu próprio e-mail pessoal, o que indica que estava sim com acesso à rede de internet e aparelhos informáticos, tendo inclusive respondido prontamente aos e-mails do Juízo na intenção de se furtar aos comandos judiciais.

Ministro Alexandre de Moraes (STF) — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Ministro Alexandre de Moraes (STF) — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Diante do impasse criado por Giniton Lages e após o atraso de mais de 2h para início da sessão plenária diante de sua ausência, as partes decidiram colaborar com a duração razoável do processo e optaram pela dispensa da testemunha a fim de que o julgamento pudesse ser realizado, ao invés de pleitear o adiamento como autoriza o CPP. Oficie-se ao eg. STF na pessoa do Exmo. Min. Alexandre de Moraes nos autos do INQ 4954/RJ, com cópia desta ata e dos e-mails enviados pela testemunha Giniton Lages".

O advogado de Giniton, Alexandre Dumans, afirmou que a multa é injusta e que pretende recorrer da decisão da Justiça:

Ex-PM Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando da Curicica, disse que o delegado Giniton Lages teria lhe pedido para assumir a morte de Marielle — Foto: Reprodução
Ex-PM Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando da Curicica, disse que o delegado Giniton Lages teria lhe pedido para assumir a morte de Marielle — Foto: Reprodução

— O delegado Giniton Lages sequer tem dinheiro, porque a conta dele foi bloqueada. O salário dele foi confiscado pelo ministro Alexandre de Moraes, da forma manu militare (execução da ordem de uma autoridade). Como vai pagar multa? É injusto! Ele não compareceu porque está com tornozeleira. O ministro autorizou que fosse por videoconferência, mas os equipamentos foram apreendidos durante as buscas na casa dele, e ele não tem como comprar nada com o que vem recebendo. Por que o ministro não o autorizou a comparecer presencialmente? Ele teria ido aos julgamentos — disse Dumans.

Segundo a defesa do delegado, a ausência de seu cliente era dispensável.

Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes — Foto: Reprodução
Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes — Foto: Reprodução

— Apesar de ele não estar presentes, os réus foram condenados nos dois julgamentos. Isso evidencia que o trabalho de investigação de Giniton, com relação ao material probatório, foi suficiente para condená-los. O depoimento dele era desnecessário — afirmou o advogado.

Sobre as investigações do caso Marielle, Dumans comentou que a apuração não acabou e muita coisa ainda será esclarecida.

— Estamos entrando na fase da instrução criminal. Giniton sequer foi denunciado. A verdade é que foi ele quem prendeu Ronnie Lessa — argumentou o advogado.

Ronnie Lessa é fichado na Penitenciária de Tremembé, em São Paulo — Foto: Reprodução
Ronnie Lessa é fichado na Penitenciária de Tremembé, em São Paulo — Foto: Reprodução

Na ocasião em que o ministro Alexandre de Moraes decidiu favoravelmente pelo mandado de busca e apreensão na casa do delegado, foram presos: o ex-chefe da Polícia Civil Rivaldo Barbosa, que nomeou Giniton ao cargo; o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Domingos Brazão; e seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), como mandantes do duplo homicídio.

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