Em visita à China atendendo a um convite oficial, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, disse nesta quarta que, apesar das diferenças em relação ao sistema político e jurídico do Brasil, é importante manter o intercâmbio de ideias com o país asiático.
É a primeira viagem de Barroso à China, onde ele se reuniu com o presidente do Supremo chinês, fez uma apresentação na Faculdade Nacional de Juízes e visitou um tribunal digital, entre outras atividades em Pequim. Em Xangai, para onde viajou de trem-bala hoje, Barroso participará de uma conferência sobre inteligência artificial e irá se encontrar com a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff. Questionado sobre o que pretendia aprender na viagem, respondeu que as diferenças não devem ser um empecilho para a troca de experiências.
— Do ponto de vista político são modelos muito diferentes, do ponto de vista cultural, histórico e institucional. Portanto, aprender no sentido de aumentar o meu conhecimento é bom. No sentido de poder transplantar ideias políticas não. É outro mundo e eu também não vim aqui para julgar, só para aprender um pouco — disse Barroso. — A China é hoje o principal parceiro comercial do Brasil, então não há nenhuma razão para não compartilharmos ideias em outras áreas, na medida em que elas sejam adaptadas.
Em conversa com jornalistas brasileiros em Pequim, Barroso reiterou que pretende pautar para este semestre no STF a possível ampliação da responsabilidade das plataformas digitais pelo conteúdo que divulgam no país. Ele disse que só espera “o sinal verde” dos relatores de dois casos, os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux: “Assim que liberarem para julgamento eu vou pautar”.
— São processos que discutem o marco civil da internet. O marco civil da internet tem uma regra que prevê que as plataformas digitais somente são responsabilizadas se, após uma decisão judicial, elas não removerem conteúdo. É uma norma que eu considero que foi extremamente positiva quando foi editada, mas que hoje se discute se ela é suficiente ou precisa haver outras exceções em que as plataformas precisam remover conteúdo. Essa é a discussão que vai ser travada no Supremo — explicou.
- Marcelo Ninio: Em Pequim, Alckmin exalta sintonia geopolítica com a China
Barroso foi convidado a visitar a China após a reunião de maio no Rio com o chamado J20, de representantes das altas cortes dos membros do G20. Entre eles estava o presidente do Supremo Tribunal Popular chinês, Xhang Jun, com quem Barroso se reuniu na última segunda. Um dos focos do presidente do STF é a inteligência artificial, especialmente em como usá-la para aumentar a agilidade do Judiciário. Segundo ele, o Brasil tem em curso hoje 83,8 milhões de processos, enquanto que a China, com uma população sete vezes maior, tem 45 milhões. Sendo que o Brasil tem 18 mil juízes e a China 120 mil, afirmou.
— A China, diferentemente dos EUA, tem mais preocupação com a regulação da inteligência artificial, está mais alinhada com a visão europeia. Acho que algum grau de regulação é imprescindível. — disse. — Eu, para falar a verdade, estou mais preocupado com ferramentas de inteligência artificial que possam aprimorar a eficiência do Judiciário. Nós temos no Brasil interagido com as “big techs”, Google, Microsoft, Amazon, e viemos saber o que eles estão fazendo aqui também.
A ferramenta mais urgente, segundo ele, é a que ajude na pesquisa de precedentes. Barroso explicou que o sistema jurídico do Brasil mudou e está mais próximo do modelo anglo-saxão, em que os precedentes são vinculantes. Com o grande volume de processos, falta uma ferramenta que ajude os juízes a localizar os precedentes.
— No Paraná há um programa nesse sentido com a Microsoft, mas é muito caro. Se alguém me oferecer uma alternativa mais barata eu vou considerar —afirmou.
- Durante visita de Alckmin: Xi Jinping diz que laços entre Brasil e China 'vão muito além' das relações bilaterais
O presidente do Supremo mostrou preocupação também com o excesso de litigiosidade que vê no Brasil, especialmente em três áreas: na trabalhista, no Programa Minha Casa, Minha Vida, e na que envolve as empresas aéreas. Para ele, é preciso buscar formas de “desjudicializar” o fim da relação de trabalho, “para que o empresário tenha motivação de empregar mais gente e formalizar o emprego”. No Programa Minha Casa, Minha Vida, ele disse que “bilhões” são destinados ao pagamento de indenizações, quando poderiam estar sendo destinados à construção de residências.
Sobre as empresas aéreas, citou o exemplo da Latam.
— A Latam tem no Brasil 50% de sua operação e 95% das ações judiciais. Gasta R$ 350 milhões por ano em indenizações. Isso é dinheiro que não vai para investimento nem para melhorar a qualidade do serviço. Há uma litigiosidade que revela uma confiança no poder judiciário, esse é o lado bom, mas há uma litigiosidade que afasta o investimento, compromete o emprego e a atratividade do país e essa eu quero enfrentar — disse Barroso. Em alguns casos, desjudicializar a solução do problema, e em outros evitar uma litigiosidade predatória, que às vezes é um pouco fraudulenta.