Janaína Figueiredo
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Janaína Figueiredo

Foi correspondente do GLOBO em Buenos Aires e desde 2019 é repórter especial.

Informações da coluna

Janaína Figueiredo

Colaborou com a GloboNews, CBN e La Nación. Foi correspondente do GLOBO em Buenos Aires e hoje é repórter especial. Escreveu o livro “Qué pasa, Argentina?”

Mais de seis meses após assumir o poder, o presidente da Argentina, Javier Milei, ainda não tirou a roupa de candidato. Como na campanha de 2023, nos últimos dias o chefe de Estado mostrou seu lado mais radical, politicamente incorreto e ousado. Sem titubear, Milei encarou uma crise diplomática com a Espanha, país tradicionalmente próximo de todos os governos argentinos; disse que não lhe importava “um caralho” a atitude de setores do Parlamento que estão bloqueando seus projetos de reforma e que os implementaria “de qualquer jeito”; e organizou o lançamento de um novo livro sobre economia — e contra o socialismo — num estádio portenho, com direito a show de rock, lembrando seus comícios do ano passado.

Apesar dos esforços de seus articulares políticos e da chanceler Diana Mondino, o presidente faz e diz o que lhe vem à cabeça, muitas vezes sem medir consequências. Muitos — inclusive no Gabinete — não entendem a lógica disruptiva de Milei. Mas para quem o observa há algum tempo, não é difícil de explicar. O economista que ficou famoso com participações escandalosas em programas de TV não pensa nem atua como um político tradicional porque não é.

Milei sabe que o terreno onde pisa mais forte é o da confrontação, seja com um presidente estrangeiro, um adversário no Congresso, um artista, sindicalista, líder estudantil ou qualquer pessoa que o desafie publicamente. Sua capacidade de engajar seguidores está diretamente relacionada ao que os que não o entendem definem como loucura. Suas excentricidades são um ímã para amplos setores da sociedade — principalmente os mais jovens — decepcionados com a política tradicional, as boas formas e o protocolo. Para esses argentinos, no bate-boca com o premier espanhol, Pedro Sánchez, o líder da ultradireita argentina cresce.

Mas Milei não cativa apenas os jovens. Esta semana, ouvi uma senhora de 72 anos dizer que o presidente “é meio doido, sim, mas é uma pessoa idônea. Merece uma chance. O resto são todos corruptos”. É pensando nesse público que Milei ataca cada vez com mais veemência o kirchnerismo e o que chama de “casta política” em geral.

Não se deve esperar moderação dele, e muito menos em momentos em que a Argentina atravessa uma recessão galopante. Seu governo conseguiu evitar uma hiperinflação e, gradualmente, conter a escalada de preços. Também equilibrar as contas públicas graças a um ajuste fiscal brutal. São boas notícias, mas num país no qual a produção industrial despencou 21,2% em março, frente ao mesmo mês do ano passado, o pior resultado desde a pandemia. A crise é profunda, já que para segurar a inflação, Milei esfriou a economia.

Nenhum analista se arrisca a dizer quando começaria um processo de recuperação, e na Casa Rosada essa pergunta recebe como resposta caras de paisagem. Enquanto isso, Milei, um presidente que não tem nada a perder, continua chutando baldes e apostando, essencialmente, em dois fatores para preservar sua popularidade: o enorme desgaste de seus opositores, e a necessidade que milhões de argentinos têm de acreditar que o país vai sair do buraco.

Milei canta em lançamento de livro em Buenos Aires

Milei canta em lançamento de livro em Buenos Aires

Se não sair, o eixo da narrativa de Milei será a de um presidente impedido de implementar seu programa. Se sua estratégia der certo, ele fará uma excelente eleição legislativa em 2025 e provavelmente será reeleito em 2027. Se der errado, a culpa será dos outros, e Milei, o fenômeno político que muitos ainda não entendem e que será capa da revista americana Time em junho, encontrará a maneira de sair fortalecido.

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