Janaína Figueiredo
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Janaína Figueiredo

Foi correspondente do GLOBO em Buenos Aires e desde 2019 é repórter especial.

Informações da coluna

Janaína Figueiredo

Colaborou com a GloboNews, CBN e La Nación. Foi correspondente do GLOBO em Buenos Aires e hoje é repórter especial. Escreveu o livro “Qué pasa, Argentina?”

A pergunta me pegou de surpresa, num corredor da academia de diplomatas da Ucrânia. O chanceler Dmytro Kuleba acabara de fazer seu discurso e, quando caminhava para a saída, nos cruzamos rapidamente. Perguntei sobre a reunião que o governo de Volodymyr Zelensky vai liderar na Suíça em meados de junho para discutir sua proposta de paz com a Rússia, e recebi como resposta uma pergunta de Kuleba: “Me diga, por que o Brasil é tão duro conosco?”.

Fiquei surpresa, afinal, o que leva um chanceler a perguntar isso a uma jornalista? Mas bastam alguns dias em Kiev e em contato com autoridades do governo de Zelensky para perceber a enorme frustração que existe em relação às posições, declarações e articulações do Brasil quando o assunto é guerra entre Rússia e Ucrânia. O governo ucraniano expressa permanentemente essa frustração, e diz não se resignar.

Kuleba encara o Brasil como um enorme desafio, ciente de que o governo Lula não fará nada que possa prejudicar seu histórico vínculo com a Rússia e, especialmente, com Vladimir Putin. A declaração conjunta sobre a guerra feita por Brasil e China durante a recente visita do assessor especial da Presidência Celso Amorim a Pequim apenas confirmou aos ucranianos o que eles já sabiam: Brasil e China, sócios da Rússia no Brics, não vão aderir a qualquer tipo de iniciativa que não inclua os russos.

Mas Kuleba pede respostas porque, apesar de compreender o cenário do ponto de vista geopolítico e diplomático, não desiste. Assessores de Zelensky mantêm contato com Amorim, e o governo ucraniano não perde as esperanças de que pelo menos o chanceler Mauro Vieira represente o Brasil na cúpula na Suíça. Fontes em Brasília asseguram que essa é uma hipótese pouco provável.

Fiz a mesma pergunta de Kuleba a essas fontes, e a resposta foi “essa pergunta está mal formulada, essa não é a questão”. O governo Lula, dizem as fontes brasileiras, “não é duro com a Ucrânia, pelo contrário. Desde janeiro de 2023, fomos a várias capitais europeias e conversamos com vários governos sobre a guerra, explicamos nossas posições e a inflexibilidade não é nossa, é do outro lado”. Sempre condenando a invasão da Rússia à Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, como o Brasil fez em votações na ONU, as fontes brasileiras defendem a importância de um elemento na equação que é considerado inadmissível por Zelensky e seus aliados: as preocupações da Rússia por sua própria segurança.

Para o governo Lula, essas preocupações são legítimas, e é nesse ponto que surge uma diferença impossível de ser superada entre Brasil e Ucrânia. Para Kuleba, o governo Lula é “duro” com seu país. Para o Brasil, a Ucrânia, a União Europeia e os Estados Unidos se negam a incluir nas negociações questões consideradas importantes pela Rússia de Vladimir Putin.

O Brasil, frisam as fontes em Brasília, considera que a cúpula na Suíça “está fadada ao fracasso”, porque nada acontecerá se a Rússia não for ouvida. Em Kiev, as posições do governo Lula são difíceis de engolir, mas Zelensky e seus ministros dizem estar decididos a continuar tentando uma aproximação. Um convite para ir à cúpula presidencial do G20, no Rio, em novembro, é esperado pelos ucranianos. Contar com o apoio do argentino Milei, do chileno Boric e de outros chefes de Estado latino-americanos provoca um morno entusiasmo entre os ucranianos. A meta é Lula, porque Lula, dizem funcionários do governo Zelensky em conversas informais, “é quem pode fazer a diferença”.

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