Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Informações da coluna

Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por — Nova York

Kylian Mbappé e Zinédine Zidane são menos franceses do que Marine Le Pen e Jordan Bardella? Não, claro que não. São tão franceses quanto eles e certamente mais franceses do que brasileiros entusiastas da xenófoba e islamofóbica extrema direita racista francesa. Os dois ídolos do futebol francês nasceram na França. Sua língua primária é a francesa. Cresceram em Paris e Marselha respectivamente. Seus amigos de infância são franceses. Qual a diferença deles para Le Pen e Bardella?

Os extremistas argumentarão que o pai de Mbappé nasceu em Camarões e a mãe é uma muçulmana argelina, assim como os pais de Zidane também argelinos e seguidores do islamismo. Mas qual o problema? Isso os torna menos franceses? Vamos olhar para o Brasil. Os filhos de imigrantes italianos, portugueses, japoneses, sírios, libaneses, ucranianos e alemães são menos brasileiros do que os filhos de brasileiros? Claro que não. Inclusive, os pais de dois ex-presidentes da República nasceram no exterior. Os de Michel Temer, no Líbano; o pai de Dilma Rousseff, na Bulgária.

Podemos também olhar para os EUA, onde o pai de Barack Obama é queniano. O Reino Unido teve recentemente um primeiro-ministro norte-americano. Sim, Boris Johnson nasceu em Nova York e apenas abdicou da cidadania americana ao assumir a prefeitura de Londres. Aliás, o atual prefeito da capital britânica, Sadiq Khan, é filho de paquistaneses. Rishi Sunak, que deixou na semana passada o cargo de premier, é filho de pais nascidos na atual Tanzânia que, por sua vez, tinham pais indianos.

O objetivo da extrema direita do partido de Le Pen e Bardela, que pode ser traduzido para o português como Reunião ou Reagrupamento Nacional, buscava restringir ao máximo a imigração e na prática coibir o acesso à cidadania a pessoas nascidas na França filhas de pais estrangeiros. O foco naturalmente está nos que tem ascendência na Ásia ou na África, em especial muçulmanos e negros, como Zidane e Mbappé. Pelo plano deles, os dois craques não seriam franceses. Aliás, imaginem como seria medíocre a seleção francesa sem os descendentes de imigrantes?

O problema para Le Pen não são os filhos de imigrantes “branquinhos” da Europa ocidental, como o próprio Bardella, filho de pais de origem italiana. Ela não quer mesmo os muçulmanos e os negros. “Ah, mas ela abandonou o antissemitismo do pai”, dizem alguns que buscam passar pano para a extrema direita francesa. De fato, o partido deixou de ser abertamente antissemita. Mas segue antimuçulmano, o que é tão grave quanto. Consideram milhões de franceses inferiores por serem de outra religião, incluindo médicos, professores, taxistas, entregadores, advogados e craques de futebol como Zidane e Benzema, que são tão franceses quanto ela.

No fim, a maioria da França ainda repudia essa agenda islamofóbica e racista. É a França de Mbappé, que se levantou contra a extrema direita de uma forma admirável e venceu as eleições deste domingo.

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