Guga Chacra
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Guga Chacra

Colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Informações da coluna

Guga Chacra

Mestre em Relações Internacionais pela Columbia University de Nova York. É colunista do Globo e comentarista de política internacional da Globonews.

Por — Nova York

De todos os países do mundo árabe que já estive, o Iêmen é o mais exótico. Não tem absolutamente nada a ver com o Líbano, uma nação mediterrânea muito similar à Grécia. Tampouco possui a riqueza dos seus vizinhos do Golfo Pérsico. É a nação mais pobre do mundo árabe. Nas ruas, quase todas as mulheres se cobrem integralmente. Os homens se vestem com roupas tribais, com uma espada presa na cintura conhecida como jambyia. Todas as tardes, as pessoas se amontoam ao redor dos vendedores de qat, uma folha que lembra a de coca. A parte antiga de Sanaa possui os mais antigos “arranha-céus” do planeta, que são prédios de cerca de sete andares com até cinco séculos de existência.

Minha visita ocorreu ainda durante os tempos do regime de Abdullah Saleh, responsável por unificar o Sul e o Norte do Iêmen, que possuem histórias paralelas. A região Sul teve sempre como centro Aden. Os britânicos dominaram essa cidade portuária em 1839, por ser chave para o controle do acesso ao Mar Vermelho. O Norte seguiu com os otomanos e ficaria independente com o colapso do Império Otomano em 1918, quando foi estabelecida uma espécie de monarquia feudal. Uma república seria proclamada em 1970. Já o Sul conquistaria sua independência dos britânicos somente 1967 e uma república marxista foi estabelecida na região, aliada da União Soviética.

As repúblicas do Norte e do Sul seguiriam em conflito por décadas até Abdullah Saleh, que unificou o país. Do Norte, o líder iemenita concentrou o poder em Sanaa pelas décadas seguintes. Houve um período de relativa estabilidade no Iêmen, que se tornou inclusive um destino comum para estudantes europeus e norte-americanos aprenderem árabe no começo deste século, mas um levante dos houthis, um movimento tribal do Norte do país que segue uma vertente do islamismo xiita conhecida como zaidismo, provocou instabilidade nos anos seguintes.

Para agravar o cenário, a al-Qaeda na Península Arábica, com sede no Iêmen, se transformou na mais poderosa corrente da rede terrorista de Osama bin Laden. As áreas controladas pela organização passaram a ser bombardeadas pelos EUA, que mataram o líder do grupo, Anwar al-Awlaki.

Em 2011, a eclosão da Primavera Árabe levou à queda, que acabou substituído por um governo de união nacional liderado por Abdrabbuh Mansour Hadi. Era uma coalizão frágil e o ex-ditador se juntou aos seus antigos inimigos para derrubá-la em 2014 e assumirem o poder em Sanaa, com o governo oficial ficando a outras áreas do país. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes intervieram militarmente contra os houthis, que acabaram rompendo e matando Saleh em 2017. O Sul segue parcialmente nas mãos de separatistas.

Com um slogan de “morte aos EUA e morte a Israel”, os houthis estabeleceram uma aliança com o Irã. É importante frisar que os houthis se diferem do Hezbollah. O grupo libanês é como se fosse um braço do regime de Teerã e todas as suas ações são coordenadas. Já os houthis desfrutam de enorme autonomia. Apesar de interesses em comum com os iranianos, muitas de suas ações ocorrem à revelia do Irã.

Nos últimos meses, os houthis vinham mantendo um cessar-fogo com a Arábia Saudita. O atentado terrorista do Hamas e a eclosão da guerra em Gaza levou o grupo a lançar os ataques contra embarcações no Mar Vermelho para pressionar Israel a suspender suas ações militares contra os palestinos. Os ataques, no entanto, são aleatórios e começaram a afetar o comércio internacional devido à gigantesca importância dessa rota da Ásia à Europa.

Muitos analistas especialistas em Iêmen advertiram o governo de Joe Biden a não agir diretamente contra houthis porque o grupo usará os bombardeios para se fortalecer internamente com a agenda anti-EUA e anti-Israel, se colocando como defensores dos palestinos, algo popular entre os iemenitas e árabes em geral. Outros disseram que não fazer nada seria uma demonstração de fraqueza dos norte-americanos. Agora veremos quem tem razão.

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