Daniel Becker
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Conversas sobre infância, no plural: pelo bem-estar de crianças, famílias e sociedade

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Daniel Becker

Pediatra, sanitarista, palestrante e escritor. Ativista pela infância, saúde coletiva e meio ambiente.

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Continuando a conversa de domingo passado, parece que nos encaminhamos para um consenso: estamos todos preocupados com o mal-estar gerado pelo excesso de telas nas crianças e adolescentes, e precisamos agir.

Para um problema social grave, a saída nunca será individual. Por mais que a família seja cuidadosa, supervisione, use aplicativos de controle, é difícil superar os mecanismos viciantes das redes. Além disso, o uso pela grande maioria dos amigos vai acabar afetando seus filhos.

Nosso “músculo coletivo” está muito atrofiado, mas precisamos exercitá-lo. As ideias de Jonathan Haidt, o autor que citei há uma semana, vão nessa direção — e são as mesmas que tenho proposto sistematicamente.

São quatro medidas para arrancar nossos filhos das telas e restaurar uma infância e adolescência saudáveis, um período para brincar, se divertir, se movimentar e aprender sobre si, sobre o mundo e sobre o outro, e desenvolver as habilidades que os tornarão adultos preparados para a vida.

As duas primeiras são complementares: não entregar um smartphone para seu filho até o Ensino Médio e não permitir que ele entre nas redes sociais antes dos 16 anos. Sei que parece utópico, porque temos visto a triste tendência oposta: cada vez mais crianças pequenas com celulares, por horas no TikTok.

Quanto mais tardio o início do uso, menores serão os riscos de vício e transtornos mentais. Se o adolescente passar pela “reprogramação” cerebral da puberdade no mundo real, vai amadurecer circuitos neuronais importantes para funções essenciais da vida adulta: pensamento crítico, competências sociais, foco e persistência, afetividade e muito mais.

Retardar a entrega é uma tarefa dificílima, em função das pressões sociais. Para a comunicação direta, basta um celular “flip”, que faz ligações e mensagens. Mas adolescentes não suportam “ficar de fora”, já que a tarefa essencial desse período é a identificação com o grupo. Daí a importância das pequenas comunidades familiares: se juntar a outros pais com crianças da mesma idade permite que eles tenham um grupo de amigos, que convive e se fortalece. Assim, outras famílias podem se agregar num movimento crescente.

A terceira medida é o celular zero na escola, tanto na sala de aula quanto no recreio. Tenho lutado por isso, e a adesão é cada vez maior. Aqui no Rio, a rede municipal e várias escolas privadas já adotaram. O aparelho deve ser de preferência guardado em miniarmários ou pochetes lacradas.

Os resultados já estão surgindo: melhor aprendizado, mais respeito, menos violência e recreios mais felizes, barulhentos e movimentados. Os adolescentes querem mesmo voltar a interagir e brincar. Por isso, se ninguém tem celular, tanto melhor.

Por último, se vamos atrasar a entrega do celular, precisamos oferecer alternativas: menos tempo online e mais “onlife”. A possibilidade de brincar e interagir de forma livre, em casa e na cidade, com um mínimo de supervisão.

As crianças são superprotegidas no mundo real e abandonadas no virtual. Inverter é preciso. Um adolescente precisa enfrentar dificuldades, levar rasteira, ser xingado e excluído, se reconciliar e reincluir, perder, ganhar, vencer o medo, cair, ralar o joelho. É assim que criam competências, habilidades para a vida e autoconfiança, o oposto do efeito das redes.

Em casa, valem as comunidades de famílias. Na cidade, são urgentes políticas que garantam o direito ao brincar. Neste ano de eleição municipal, precisamos exigir das prefeituras mais praças e quadras esportivas, seguras, arborizadas e acessíveis, com bons brinquedos, cheias de atividades recreativas, culturais, feiras e exibições, e distribuídas por toda a cidade.

O mundo real, território onde a espécie humana evoluiu desde seus primórdios, oferece as condições necessárias e suficientes para resolver a crise do excesso de telas na infância. É hora de agir.

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