Carlota
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Carlota

Um olhar analítico e informativo de tudo que envolve as mulheres no futebol

Informações da coluna

Tatiana Furtado

Formada em jornalismo pela Uerj, trabalha no GLOBO desde 2004. Há 15 anos, atua no jornalismo esportivo, tendo participado da cobertura de três Copas do Mundo.

Dois anos atrás, Daniele Nascimento, de 34 anos, recebeu um convite para fazer parte do time feminino do Tarumã, de Manaus, que jogaria o Estadual de 2022 em busca de uma vaga na Série A3 na temporada seguinte. Jogadora amadora das peladas da capital amazonense, ela não titubeou e abraçou a oportunidade dada pela vice-diretora do clube, Michelle Mattos. Mas o sonho de jogar um campeonato nacional foi adiado em nome de Manuelle.

A gravidez planejada e tentada por seis meses interrompeu os treinos logo no primeiro trimestre da gestação em virtude dos enjoos. Daniele voltou para casa, onde já cuidava das filhas Eshyllen, de 13 anos, e Manuella, de 5, e esperou Manu completar um mês para retornar aos gramados.

Pela primeira vez, um bebê fez parte da delegação de um time do Brasileiro feminino

Pela primeira vez, um bebê fez parte da delegação de um time do Brasileiro feminino

Desta vez, com a caçula no colo e uma certeza: a levaria a todos os lugares.

—Depois de ser mãe, jogar futebol é o que mais gosto de fazer. É onde tiro o estresse e esqueço do tempo — diz Daniele, que participou de peneira do Flamengo em Manaus, antes da primeira filha, mas o marido não a deixou seguir às fases seguintes.

Foi sob a condição de ter Manu sempre presente que ela aceitou jogar a terceira divisão do Brasileirão feminino. Mas havia uma questão. O confronto mata-mata contra o Atlético Rio Negro, de Roraima, tinha o jogo de volta previsto para Boa Vista, no final de abril. Os deslocamentos e hospedagens das competições femininas são custeados pela CBF, e o clube não teria condições de bancar a logística da bebê de 1 ano recém-completo.

—Só viajaria se fosse com ela. A Manu é muito pequena e depende de mim. No dia viagem, a Michelle disse que ela poderia ir junto — conta a meio-campista que, como amadora, não tem salário (apenas uma ajuda de custo) nem licença-maternidade, mas conta com o apoio de toda a equipe e comissão técnica nos treinos.

A dirigente levou a questão à CBF e conseguiu que Manu fosse inserida como membro da delegação pela CBF na logística da viagem. Manu se tornou a primeira integrante bebê num jogo do futebol feminino. Fato inédito que pode abrir precedentes para outras mães jogadoras.

—A CBF na hora ficou surpresa e disse que nunca havia passado por isso. Tivemos pessoas achando um absurdo a criança acompanhar, mas não liguei. A mulher tem todo o direito. Só quem é mãe sabe o quanto é difícil deixar uma criança de colo em casa. Todos ajudaram a tomar conta da Manu. Eu fiquei com ela nos treinos e no jogo. Aprendi até a cantar borboletinha, a música que ela mais — relembra Michelle, que tem outras quatro mães no elenco.

Na Copa do Mundo da Austrália e Nova Zelândia, ano passado, a Fifa auxiliou seis seleções que viajaram com crianças para o Mundial. A entidade organizou locais de amamentação nos estádios, cadeirinhas nos carros, transportes especiais e encontro com as famílias após os jogos.

Federações como a dos Estados Unidos garantem licença maternidade e babás para acompanhar as jogadoras em treinos e viagens.

Desde 2021, a Fifa estabeleceu regras trabalhistas para resguardar as mães jogadoras. Entre elas, licença- maternidade mínima de 14 semanas com remuneração e locais de amamentação e retirada do leite nos clubes.

Em junho do ano passado, a Lei Geral do Esporte determinou que “os contratos celebrados com atletas mulheres, ainda que de natureza cível, não poderão ter qualquer tipo de condicionante relativo a gravidez, a licença-maternidade ou a questões referentes à maternidade em geral. O regulamento da CBF segue a mesma regra.

Sole Jaimes com a pequena Aurora, fruto da relação com a goleira Kelly, do Santos — Foto: Guilherme Ribeiro/Flamengo
Sole Jaimes com a pequena Aurora, fruto da relação com a goleira Kelly, do Santos — Foto: Guilherme Ribeiro/Flamengo

Sob tal proteção, a argentina Sole Jaimes, de 35 anos, teve a segurança de escolher o melhor momento de ser mãe sem colocar em risco o futuro. A atacante do Flamengo deu à luz a Aurora em janeiro deste ano após uma única tentativa de fertilização in vitro com a esposa Kelly Chiavaro, goleira do Santos.

A jogadora está sob um contrato de licença-maternidade de seis meses com o clube rubro-negro. Durante este período, ela tem ficado em Santos ao lado de Kelly, e já retornou aos treinos de preparação física.

—A licença maternidade é muito importante. Só quem é da nossa família e quem trabalha com futebol sabe mesmo como funciona a vida de uma atleta. Nós ficamos longe das pessoas que amamos durante muito tempo, então, é difícil parar. E a licença ajuda justamente porque é a hora que você consegue parar, se dedicar pra ser mãe, que é um sonho — diz Sole, que já levou Aurora para conhecer as colegas de trabalho e ver um jogo do Flamengo. — Recentemente, levei a Aurora num treino e, quando cheguei lá, estava o Bento (filho da Cris), os filhos da médica e da fisioterapeuta, então, estava um ambiente muito agradável e leve. É muito bom que o clube permita isso e que as crianças possam acompanhar de perto o que as mães fazem no dia a dia.

A atacante Kamilla, do Fluminense, com a filha Kamilly, de 13 anos — Foto: Reprodução/Instagram
A atacante Kamilla, do Fluminense, com a filha Kamilly, de 13 anos — Foto: Reprodução/Instagram

Aos 29 anos, Kamilla, atacante do Fluminense, vem se reconectando com a maternidade ao longo do tempo. Mãe de Kamilly, de quase 13 anos, a atacante do Fluminense não aceitou a gravidez na adolescência, e escondeu até quando pôde para não perder a bolsa escolar recebida para jogar futsal num colégio militar de Belo Horizonte. E contou com o apoio da mãe Luciana, que cria a neta em Minas Gerais.

— É bem difícil ser mãe longe. Por mais que a minha família ajude muito, a mãe estar perto do filho faz total diferença. Eu tento estar o máximo presente, conversando, fazendo chamas de vídeo, ligação. De uns dois, três anos para cá, a gente já tem tido um convívio maior. Mas os planos de morar juntas está bem perto. Só passamos um Dia das Mães juntas, na pandemia, e só. É complicado — revela Kamilla, que sonha em ser mãe novamente, agora num momento mais tranquilo.

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