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Mariana Barbosa

No GLOBO desde 2020, foi repórter no Brazil Journal, Folha, Estadão e Isto é Dinheiro e correspondente em Londres.

Rennan Setti

No GLOBO desde 2009, foi repórter de tecnologia e atua desde 2014 na cobertura de mercado de capitais. É formado em jornalismo pela Uerj.

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O asfalto de São Paulo esconde mais de 1.500 km de rios e córregos que teimam em se fazer presentes quando a chuva se avoluma, provocando alagamentos. Em 2010, um projeto de um parque linear que poderia dar um respiro à cidade, transformando um córrego canalizado e vielas sub utilizadas e sujeitas a enchentes em uma área verde de lazer — funcionando ao mesmo tempo como uma ‘máquina drenante’, captando água das chuvas — acabou embargado na Justiça.

Projeto que ajudaria a tornar a cidade mais resiliente aos efeitos das mudanças climáticas, o parque linear do Córrego Verde na Vila Madalena era uma contrapartida para a construção de um mini-reservatório no Jardim das Bandeiras. Diferentemente de piscinões de concreto que se resumem a obras de engenharia funcionais e inóspitas, o reservatório faria parte do paisagismo do parque — e a cidade ganharia uma área verde de 1,6 km de extensão com ciclovia e espaços de convivência, conectando os bairros Sumarezinho, Jardim das Bandeiras e Vila Madalena, na zona oeste.

O projeto chegou a ser aprovado pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e pela Secretaria de Infraestrutura Urbana na gestão do prefeito Gilberto Kassab, confirmado na gestão seguinte, de Fernando Haddad — e teve o orçamento incluído no Programa de Aceleração de Crescimento do governo federal.

A oposição, contudo, veio de cima. Moradores da parte alta, o Jardim das Bandeiras, o mais nobre e o menos afetado pelas chuvas, se opuseram ferrenhamente. Na época, lembra Anna Dietzsch, arquiteta e urbanista responsável pelo projeto, ela chegou a ser ameaçada fisicamente por integrantes da associação do bairro contrários ao parque.

Em meio à consternação sobre o impacto das fortes chuvas que deixaram 80% do Rio Grande do Sul debaixo d’água, provocando a morte de mais de 160 pessoas, repensar o planejamento das cidades e a relação do espaço urbano com a natureza — como se propunha o parque do Córrego Verde — se faz urgente.

— As políticas de desenvolvimento urbano atuais não estão dando conta e nem darão conta das mudanças climáticas — diz Anna, que é sócia do escritório Arquitetura da Convivência e assina, dentre outros projetos, o Memorial do 11 de Setembro, em Nova York.

— Na nossa percepção de mundo, no capitalismo pós-industrial, a gente não se vê como parte da natureza. É como se estivéssemos sempre de fora dos acontecimentos naturais. Mas a realidade é que não podemos mais ignorar o fato de que as cidades fazem parte do ecossistema. O substrato que está embaixo, em cima e no entorno das cidades, é natural. O ecossistema é de uma interdependência absolutamente complexa e o novo planejamento urbano precisa se aproximar dos ciclos naturais —.

Menos carros

Repensar a cidade para um cenário de extremos climáticos passa por reduzir a pegada de carbono — e isso implica em mais áreas verdes, uso de materiais alternativos na construção civil e um planejamento urbano interdisciplinar que permita reduzir a dependência do automóvel.

— Precisamos integrar as áreas que pensam a infraestrutura, o transporte, a saúde, a cultura e a educação e repensar a cidade como lugar de convívio em movimento. Para que as diferentes funções na vida social e produtiva estejam intergradas e próximas. É o conceito da cidade de 15 minutos, ou que as diferentes funções se situem em um raio de alcance que não seja muito grande. Isso passa por reduzir o protagonismo do automóvel, dando mais atenção aos pedestres e às bicicletas — diz.

Nas grandes capitais da Europa e dos EUA, é cada vez mais comum a transformação de faixas de estacionamento nas vias em ciclovias, calçadas e ‘jardins de chuva’ — terrenos capazes de absorver a água que cai do céu. Uma cidade mais resiliente aos extremos climáticos é também uma cidade mais criativa, amigável e segura.

— Quando se pensa em urbanismo, em uma cidade como lugar produtivo e criativo, é preciso ter espaços de convivência. E isso não existe com o carro. No carro você não tem compromisso com a cidade, não interage nem com as pessoas nem com o lugar. Só te interessa o buraco do asfalto ou a enchente da marginal. Você não ouve passarinho, não para pegar amora nas árvores frutíferas no trajeto. O carro te rouba de qualquer intimidade com o espaço e as pessoas — diz Anna. — A bicicleta permite deslocamentos maiores, mas sem perder essa relação de intimidade que o pedestre tem com a cidade. Sem contar que é possível construir ciclovias sem uma ruptura intensa do tecido urbano.

Projeto do parque linear do Córrego Verde — Foto: Divulgação
Projeto do parque linear do Córrego Verde — Foto: Divulgação
Projeto do parque linear Córrego Verde — Foto: Divulgação
Projeto do parque linear Córrego Verde — Foto: Divulgação
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