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O passado com um pé no presente.

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William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

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GERADO EM: 26/06/2024 - 15:26

Descriminalização do porte de maconha no Brasil

O caso de Francisco Benedito de Souza resultou na descriminalização do porte de maconha para uso pessoal no Brasil, após decisão do STF. A ação questionou a constitucionalidade da punição, alegando violação da intimidade e vida privada do usuário.

O cearense Francisco Benedito de Souza estava preso no Centro de Detenção Provisória de Diadema, em São Paulo, cumprindo pena por roubo a mão armada e uso de documento falso, quando 3 gramas de maconha foram encontradas na cela que ele dividia com mais 32 detentos. O ano era 2009, e Souza foi condenado a prestar serviços comunitários durante dois meses, com base no Artigo 28 da Lei de Drogas, que considera crime o porte de substâncias ilícitas para consumo pessoal.

O defensor público Leandro de Castro Gomes, porém, decidiu recorrer da sentença da juíza Patrícia de Toledo. Ele questionou diretamente a constitucionalidade do Artigo 28, sustentando que a condenação pelo porte de drogas para uso pessoal “ofende o princípio da intimidade e vida privada”, garantido pelo artigo 5º da Constituição Federal. A defesa de Souza alegou que “o porte de drogas para uso próprio não afronta a chamada ‘saúde pública’, mas apenas, e quando muito, a saúde pessoal do usuário”.

A decisão se manteve em instâncias superiores até o caso chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015. O julgamento do recurso foi interrompido diversas vezes desde então e se prolongou até a última terça-feira, quando a maioria da Corte acolheu a tese do defensor público. Souza nem está mais na cadeia, ele deixou a prisão em janeiro de 2015, após cumprir toda sua pena. Mesmo assim, o caso dele levou o STF a decidir que o porte de maconha para uso pessoal não é mais crime no Brasil.

Segundo uma reportagem publicada pelo GLOBO em 2015, Francisco Benedito de Souza nasceu em Cariús, no interior do Ceará, mas só obteve registro civil aos 17 anos. Aumentou a idade em dois anos para conseguir emprego com carteira assinada antes da maioridade. O pai nunca o reconheceu. Na infância, a escola deu lugar ao trabalho na roça de feijão e milho. "A gente passava necessidade. Minha mãe teve seis filhos, e os pais não ficavam para ajudar", disse ele, meses após ser solto.

O ministro Luz Fux durante julgamento sobre porte de maconha no STF — Foto: Cristiano Mariz
O ministro Luz Fux durante julgamento sobre porte de maconha no STF — Foto: Cristiano Mariz

O cearense foi morar em São Paulo em 1979. Chegou analfabeto. Completaria o ensino fundamental somente na cadeia. Antes, trabalhou como pedreiro, mecânico e feirante. Na década de 1990, começou a negociar compra e venda de carros usados. Foi quando entrou para o crime. A partir de 1997, foi preso quatro vezes, todas por receptação de veículos roubados. Até que, em 2009, acabou detido por roubo a mão armada. Àquela altura, Souza já era pai de seis filhos.

"Consegui criar meus três primeiros filhos honestamente, mas, depois, entrei para o crime. Foi um caminho errado que eu tomei", disse ele na entrevista ao GLOBO em 2015.

Numa noite em 2010, Souza estava sozinho na cela quando ocorreu uma revista, durante a qual foram encontradas as 3 gramas de maconha em um pote de marmita. Aos carcereiros, o detento disse que a droga era dele. Mais tarde, à Justiça, alegou que assumira a posse porque era sua vez de “confessar” o ilícito, numa espécie de “rodízio” entre os 33 presos da cela. Depois de ser solto, Souza, então com 55 anos, afirmou ao jornal que nem sabia que seu caso tinha parado no STF.

Responsável por suscitar o debate na Corte, o defensor público Leandro de Castro Gomes afirmou, numa entrevista ao GLOBO em 2023, que sua intenção ao levar o caso para a instância máxima do Judiciário no país foi, justamente, questionar a criminalização de usuários no Brasil todo. Difícil dizer porque o STF aceitou julgar a ação, mas o movimento em prol da descriminalização em diferentes países pode ter contribuído. De toda foram, não se trata de uma legalização da droga.

"Isso não significa um liberou geral ou uma legalização. De maneira alguma. Mas uma declaração de que a intervenção criminal estigmatiza o usuário e é inconstitucional", disse Gomes em 2023.

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