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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

O comerciante Edevair de Souza, pai do atacante Romário, tinha acabado de fechar seu bar na Vila da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, e ia pegar um táxi para casa, em Jacarepaguá, na Zona Oeste, quando foi rendido e enfiado dentro de um carro por três homens armados e de capuz na cabeça. Começava, na noite daquela segunda-feira, em maio de 1994, um sequestro que poderia ter tirado o maior artilheiro da seleção brasileira da Copa do Mundo nos Estados Unidos.

Seu Edevair foi levado pelos bandidos cerca de um mês antes do Mundial, e o centroavante disse que não teria condições emocionais de disputar o torneio enquanto seu pai não fosse libertado. Nesta quinta-feira, 30 anos depois, o sequestro será resgatado na série documental "Romário, o Cara", que estreou na plataforma de streaming MAX na semana passada. Dirigida por Bruno Maia e com mais de 60 entrevistas, a produção reconstitui a trajetória do craque até a conquista do tetracampeonato.

O Rio vivia, na época, uma epidemia de sequestros. Esse tipo de crime era um dos principais assuntos do noticiário. O problema era tão recorrente que o governo estadual foi obrigado a criar uma delegacia especializada, a Divisão Anti-Sequestro. O empresário Roberto Medina, criador do festival Rock in Rio, ficou 16 dias nas mãos de bandidos, em junho de 1990. Mas alguns sequestros chegaram a durar meses, como foi o caso do empresário Fausto Mourão, que passou 191 dias no cativeiro.

Seu Edevair examinado depois de ser libertado pela PM — Foto: Marcos Andre Pinto
Seu Edevair examinado depois de ser libertado pela PM — Foto: Marcos Andre Pinto

Quando o pai de Romário foi levado pelos bandidos na Vila da Penha, no dia 8 de maio de 1994, o atacante jogava no Barcelona, que era líder do campeonato espanhol faltando apenas duas rodadas para o fim da competição. Os sequestradores entraram em contato na manhã seguinte, exigindo US$ 7 milhões de resgate. Era uma quantia maior do que o valor do passe do centroavante, o que levou os investigadores a concluir que a quadrilha responsável pelo crime era um tanto amadora.

Da Europa, antes de um jogo importantíssimo contra o Real Madrid, o artilheiro deu uma entrevista para o Jornal O Globo dizendo que estava muito triste com a situação e que não merecia passar por aquilo, depois de ter dado tantas alegrias ao Brasil. "Eu nunca esperava que isso fosse acontecer com meu pai", disse ele. Ronaldo de Souza, o irmão mais novo do artilheiro, chegou a pedir a ajuda de traficantes da Favela do Jacarezinho, onde Romário nasceu, para encontrar Seu Edevair.

A seleção estava perto de embarcar para os Estados Unidos e, apesar das brigas históricas com o treinador Zagallo, que era o coordenador técnico do elenco, e de só ter sido convocado no final das Eliminatórias, o camisa 11 era a principal esperança do país, depois de 24 anos sem vencer uma Copa do Mundo (o último título havia sido conquistado no México, em 1970). Mas, nos bastidores, Romário já dizia que não teria condições de jogar o Mundial se o pai dele não fosse libertado.

O choro do pai de Romário após a libertação — Foto: Marcos Andre Pinto
O choro do pai de Romário após a libertação — Foto: Marcos Andre Pinto

Foi então que, para o bem da nação, seis dias depois do rapto, a Polícia MIlitar descobriu a localização do cativeiro, em Queimados, na Baixada Fluminense, e libertou Seu Edevair, prendendo duas mulheres responsáveis por vigiar o refém. Uma delas chegou a acusar o irmão de Romário de ser o mandante do crime, o Ministério Público abriu um inquérito, mas nada foi comprovado.

O comerciante voltou para casa com os pulsos machucados por causa das algemas que foi obrigado a usar no início do sequestro, mas disse que foi bem tratado, comeu bife com batata frita e até bebeu cerveja no cativeiro. O pai do Baixinho achou engraçado quando soube que os bandidos tinham pedido US$ 7 milhões e disse, em tom de brincadeira, que ele não valia aquilo tudo. Com o comerciante libertado, o atacante foi campeão espanhol pelo Barcelona e brilhou na conquista da Copa.

O comerciante morreu em 2008, 76 anos, no Hospital Barra D'Or, no Rio. Ele havia sido internado depois de passar mal e apresentou um quadro de infecção generalizada dos órgãos.

Romário comemora gol contra Camarões na Copa de 1994 — Foto: Cezar Loureiro
Romário comemora gol contra Camarões na Copa de 1994 — Foto: Cezar Loureiro
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