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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

Dois PMs patrulhavam a Rua Lineu de Paula Machado, no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio, quando perceberam um Chevette com placa de São Paulo estacionado de forma irregular. Eles chegaram perto para falar com os ocupantes do veículo, mas foram recebidos a tiros. Um policial morreu na hora, com um disparo no peito, e outro ficou gravemente ferido.

O automóvel saiu em disparada, mas foi seguido por seguranças privados que, por acaso, passavam por ali dentro de um carro-forte e testemunharam tudo. Em meio a uma intensa troca de tiros, a perseguição se estendeu por cerca de um quilômetro, até a Rua Maria Angélica, onde os fugitivos pegaram a contramão e bateram de frente num Fiat Uno.

O motorista do Chevette acabou morto com uma bala na cabeça, e o indivíduo no carona, ferido no pescoço por cacos de vidro, foi levado em estado grave para o Hospital Miguel Couto. Na ambulância, de acordo com um tenente da PM, o criminoso confessou. "Ele disse que amava Letícia e que a levaria para São Paulo com a Russa", contou o policial à imprensa, na época.

Sem querer, naquela quarta-feira, 7 de agosto de 1991, os seguranças no carro-forte e a polícia tinham acabado de frustrar o que seria uma tentativa de sequestrar a então paquita Letícia Spiller, conhecida como Pituxa Pastel, e a apresentadora Xuxa Meneghel. O tema não foi abordado na série documental sobre a ex-modelo gaúcha no Globoplay, mas o ocorrido ganhou destaque no noticiário da época.

Chevete dos irmãos Loricchio, com escopetas instaladas na traseira — Foto: Marcelo Carnaval/Agência O GLOBO
Chevete dos irmãos Loricchio, com escopetas instaladas na traseira — Foto: Marcelo Carnaval/Agência O GLOBO

No auge do sucesso, então em sua sexta temporada, o "Xou da Xuxa", da TV Globo, era gravado no Teatro Fênix, na Rua Lineu de Paula Machado, bem perto de onde os PMs haviam abordado os ocupantes do Chevette. Dentro do carro, segundo a polícia, foi encontrado um mapa daquela área com o local do teatro assinalado. Mas não foi isso o que mais surpreendeu os policiais.

O automóvel havia sido transformado num "veículo de guerra". Embutidas na parte dianteira, havia duas escopetas que podiam ser acionadas pelos ocupantes apertando um botão no painel. Na parte de trás, mais quatro escopetas que também podiam ser disparadas por meio do mecanismo. Foram achadas ainda oito granadas de mão e duas bombas dentro do carro.

Os suspeitos eram os irmãos Alberto e Douglas Loricchio, de 18 e 21 anos. Estudantes e técnicos em eletrônica, eles saíram de casa, em São Paulo, dizendo que iam procurar emprego no Rio. Estavam hospedados no Hotel Praia Leme, a poucos metros do prédio onde Letícia morava.

Na delegacia, um irmão mais velho dos suspeitos disse que a família estava surpresa e que não acreditava na versão de tentativa de sequestro. Entrevistados, os pais deles também desqualificaram as investigações. Eles reconheceram que os meninos tinham alguns problemas de socialização, mas garantiram que nunca haviam apresentado comportamento violento.

Carteira de identidade de Alberto Loricchio, de 23 anos  — Foto: Reprodução
Carteira de identidade de Alberto Loricchio, de 23 anos — Foto: Reprodução

Enquanto a troca de tiros ocorria nas ruas do Jardim Botânico, Xuxa e as paquitas gravavam diversos episódios do programa no Teatro Fênix. De acordo com a reportagem publicada pelo GLOBO no dia seguinte, a apresentadora só soube do ocorrido no fim da tarde. Sua então diretora, Marlene Mattos, evitou que ela tomasse conhecimento, para não prejudicar a atmosfera de alegria no set.

Mas, a certa altura, ficara impossível controlar os comentários dos funcionários da produção que já sabiam de tudo. No início da noite, ao sair do camarim para gravar os últimos programas marcados para aquela quarta-feira, Xuxa demonstrou aos jornalistas que já estava ciente: "O que é que houve que vocês estão todos aqui? Se é sobre o que aconteceu aí fora, eu não vou falar nada".

Marlene disse à imprensa que Xuxa estava assustada com a onda de sequestros no Rio, naquela época. Dias antes, em Buenos Aires, onde a apresentadora passava parte da semana gravando a versão em espanhol do seu programa, a ex-modelo gaúcha havia chorado quando um repórter local perguntou se ela tinha medo de ser sequestrada.

A crise de segurança já tinha levado Marlene a dobrar de quatro para oito o número de seguranças que acompanhava a apresentadora. Depois do episódio no entorno do Teatro Fênix, a empresária decidiu que Xuxa passaria uns dias a mais do que o necessário na capital argentina.

"Ela chegou em casa abalada, dizendo que estava com medo. Abraçou o cachorrinho ao entrar, e disse: 'Olha aí, quase que eu não volto'. E começou a chorar. A Xuxa é uma pessoa muito sensível e está triste com essa onda de violência. Quem não ficaria? Ela adora o Brasil e não quer viver fora daqui", contou Marlente ao GLOBO.

Mapa com o local do Teatro Fênix marcado, achado no carro dos irmãos — Foto: Reprodução/Agência O GLOBO
Mapa com o local do Teatro Fênix marcado, achado no carro dos irmãos — Foto: Reprodução/Agência O GLOBO

Antes de embarcar para o Nordeste, onde faria shows com as outras paquitas, Letícia Spiller disse que nunca tinha visto ou conversado com os irmãos Alberto e Douglas Loricchio. Para a artista, que tinha 18 anos, a tentativa de atentado ou sequestro serviu para deixá-la alerta.

"Não sei o que eles queriam, mas não me entra na cabeça que estivessem planejando algo ruim para a Xuxa. Ela não merece violência e sei que há lá em cima um ser superior a guiando para que nada de mal aconteça", disse Letícia. "Vou me cuidar mais. Antes, eu saía sozinha para passear de bicicleta, ir a um shopping, à discoteca".

Na madrugada de 12 de agosto, cinco dias após ser preso, Alberto Loricchio morreu no hospital do Departamento do Sistema Penitenciário (Desipe), após uma cirurgia. Segundo os vigias do carro-forte que o detiveram, além de estar ferido no pescoço, Alberto tentou se matar cortando os pulsos com os pedaços de vidro. Seu quadro havia melhorado após a cirurgia e, por isso, o óbito gerou surpresa.

A família disse que Alberto se mexia e estava consciente. Mesmo sem falar, teria reagido com agitação quando soube da acusação de sequestro. O irmão mais velho dos suspeitos não acusou a polícia, mas disse que seus pais contratariam advogados para investigar o óbito. Houve quem cogitasse que ele pode ter sido morto em uma retaliação pelo assassinato do policial na Rua Lineu de Paula Machado.

Com a morte dos dois únicos suspeitos da tentativa de sequestro, os detetives da 15ª DP disseram à imprensa que o inquérito seria arquivado.

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