A Hora da Ciência
PUBLICIDADE
A Hora da Ciência

Médicos e cientistas abordam diferentes aspectos da saúde.

Informações da coluna
Por

Quando as águas da enchente começam a baixar, o foco das preocupações muda. Doenças transmitidas ou facilitadas pela água começam a se espalhar. Neste momento, a população precisa de informações essenciais, sobre prevenção, sintomas e tratamento.

As doenças mais comuns após enchentes são leptospirose, causada por bactéria transmitida por urina de roedores; hepatite A, causada por vírus presente no esgoto; tétano; picadas e mordidas de animais peçonhentos; diarreias agudas causadas por vírus, bactérias e parasitas encontrados no esgoto; e doenças respiratórias, como gripe ou covid que, nos abrigos onde aglomeram-se pessoas, têm mais facilidade de de espalhar. A população precisa que lhe digam como se proteger, identificar os sintomas, e saber quando e onde procurar atendimento. Mas onde as vítimas das chuvas podem encontrar tudo isso?

Nos sites do Ministério da Saúde e do governo do Rio Grande do Sul, claramente a prioridade é fazer propaganda política, não salvar vidas. No Ministério, a pagina de abertura, consultada na sexta, 24 de maio, destacava manchetes e fotos como, por exemplo “Ministra visita abrigo”, ou “Ministério envia dez mil cadernetas da criança ao RS”. Clicando em outras abas, e depois de procurar muito bem, pode-se encontrar uma nota técnica sobre o tratamento para leptospirose, e outra sobre cuidados pós-enchente.

As notas são excelentes em seu conteúdo técnico, e as informações que trazem são certamente muito mais relevantes, neste momento, do que a cobertura publicitária do tour da ministra. A equipe técnica do ministério foi extremamente cuidadosa em revisar a literatura cientifica e recomendar uma conduta baseada na melhor evidência possível. A primeira enfatiza que o uso de antibióticos, como profiláticos para leptospirose, só deve ser feito com muita parcimônia, e restrito a profissionais de resgate. A segunda traz todas as informações necessárias para que as vítimas se protejam dos riscos à saúde trazidos pelas cheias, mas é bem difícil de achar.

A página oficial do governo do Rio Grande do Sul vai na mesma direção. Não faltam manchetes exaltando o suposto heroísmo do governador e das ações do governo local. Agora, para encontrar o também excelente Guia Básico para Riscos e Cuidados com a Saúde Após Enchentes, elaborado pelo Centro Estadual de Vigilância em Saúde do RS (CEVS-RS), o leitor precisa entrar na aba de notícias do site, rolar ate o final, clicar para acessar a segunda pagina, clicar para abrir o press-release a respeito do guia e, então, ufa!, clicar para baixar o guia. São cinco cliques, ao todo, até à informação que realmente interessa mais ao público ouvir do que ao político falar.

Em comparação, no site do Centro de Controle de Doenças Infecciosas dos EUA (CDC), uma busca pela palavra “flood” (enchente) leva o leitor diretamente para o guia de cuidados para vítimas, em que um infográfico condensa toda a informação essencial.

A comparação talvez não pareça exatamente justa. O CDC é uma agência independente mantida pelo Estado americano, os outros são paginas institucionais de órgãos governamentais. Mas valem duas reflexões: a primeira é que contar com agências independentes, principalmente em tempos de polarização política que parecem ter vindo para ficar, pode ser útil para estabelecer confiança.

A segunda reflexão é que mesmo páginas institucionais são mantidas com dinheiro público; são mantidas, e seu conteúdo é produzido por profissionais cujo salário vem do dinheiro dos impostos. Deveriam, portanto, trabalhar para informar a população, não resgatar a boa imagem de agentes políticos que, a esta altura, talvez estejam além de qualquer resgate. Os sites do ministério e do governo não pertencem à ministra ou ao governador. Pertencem ao povo.

Mais recente Próxima Olhar de ver é necessário