A Hora da Ciência
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A Hora da Ciência

Médicos e cientistas abordam diferentes aspectos da saúde.

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Diante dos desafios que ora enfrentamos, inclusive por não haver um consenso na consciência social de que desastres naturais sejam evitáveis, não há dúvida de que vivemos um momento de nossa trajetória no planeta, no qual o excesso de contrastes tem revelado muito mais do que a esperada e benfazeja diversidade. A desigualdade e sobretudo a anestesia diante do que hoje vivemos, ou mesmo crença apocalíptica de que “é castigo de Deus”, vai minando a capacidade crítica de rebelar-se no melhor sentido, ou pior, de se enternecer diante do que vemos com seres humanos, sobretudo os mais vulneráveis, como crianças e velhos, em distintas situações.

O que se passa hoje no Rio Grande do Sul demonstra, mais do que uma tragédia anunciada, pela ausência de prevenção, fato já tão óbvio a todos, algo que vimos nascer na pandemia da Covid-19, efetivamente novo numa sociedade excludente como a nossa e sem uma arraigada cultura da doação: uma solidariedade de nova qualidade, que se materializa em ações diversas com origem na sociedade civil, de par com a responsabilidade governamental. Pensávamos, e eu escrevi sobre isso, que veríamos nascer essa nova cultura de doar na pandemia, e que ela inclusive poderia contribuir para a geração de um fenômeno universal de consciência e generosidade, ou gerar algo maior, como outras epidemias o fizeram ao longo da história, sendo o exemplo maior, o Renascimento, que se seguiu às pestes do final do século XIV.

Estou em San Diego, Califórnia, para um congresso médico de doenças respiratórias, no qual assuntos como vacinas para a prevenção dessas, estão na crista das apresentações, bem como as consequências nefastas do cigarro e agora dos vapers e dispositivos eletrônicos de fumar, e o alto custo gerado no sistema de saúde pelas condições crônicas causadas por eles, como DPOC e câncer do pulmão. A pauta alia as descobertas da indústria farmacêutica, estudos clínicos que geram evidências científicas, como exigido, e a economia da saúde, a fazer parte do processo de análise de custo-benefício de cada um desses progressos. Permanece transversalmente em todas as discussões, a questão do acesso às pessoas que necessitam desses fármacos, alguns de custo muito alto, (aí embutido o lucro da indústria farmacêutica), e de procedimentos, que sabemos é o nó górdio na saúde, em quase todo o mundo.

Num país como os Estados Unidos, onde não há um sistema de saúde pública capaz de dar assistência aos mais desvalidos, é flagrante o contraste, como aliás se observou tristemente durante a pandemia da Covid-19. Ninguém se esquece de Nova York, abrindo covas rasas para enterrar seus mortos. No Brasil, de novo, como foi na pandemia, o SUS será a grande arma para dar conta do desafio inaudito criado pelas enchentes e destruição da estrutura de serviços, e das 100 mil pessoas ora em abrigos. Esse cenário me leva a pensar do momento do Rio Grande do Sul, onde, forçosamente ocorrerão casos das chamadas doenças respiratórias de inverno, para as quais, além de cobertores e roupas, precisamos de vacinas e remédios.

Na pletora de contrastes de que se faz o nosso dia a dia, e observando essa tensa proximidade de San Diego e Tijuana, no México, separadas pela fronteira mais rigorosa do país, onde se passa na saída com facilidade, porém se leva em média duas horas para retornar ao território americano pelo rigor das inspeções, chama a atenção o grande número de mexicanos que aqui trabalham, com um visto especial para tal, indo e voltando diariamente. Ponho-me a pensar, diante do contraste, a tensão entre esta cidade rica, limpa, calma no sentido de uma urbe de 1,5 milhão de habitantes, e de outra cidade, igualmente com quase 2 milhões de habitantes, separadas por poucos quilômetros, vivendo em situação de pobreza e sobretudo da tirânica violência dos cartéis mexicanos. Não deixo de pensar no grande Guimarães Rosa a nos fazer pensar o sentido dessa máxima: “Quem elegeu a busca não pode recusar a travessia”. E quem não elegeu ?

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