Futuro do Agro

Por Rafael Walendorff e Patrick Cruz — São Paulo

Representantes das indústrias exportadoras de carnes, couro e soja do Brasil criticaram a falta de clareza das autoridades da União Europeia sobre a aplicação da lei antidesmatamento do bloco (EUDR), que entrará em vigor no início de 2025 com exigências para a comprovação da origem e do cumprimento de critérios socioambientais desses e de outros produtos.

Durante o 3º Fórum Futuro do Agro, realizado pela Globo Rural em São Paulo em parceria com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), debatedores ressaltaram que o ambiente atual é de “total incerteza” acerca dos procedimentos que serão adotados pelos europeus para verificar informações prestadas pelas empresas brasileiras.

Também não há definição sobre se as iniciativas privadas e individuais já adotadas no país serão aceitas no velho continente.

O presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, disse que as empresas exportadoras já adotam mecanismos de monitoramento da legalidade da produção, mas não há respostas do lado europeu se essas iniciativas serão aceitas para verificação do cumprimento da lei antidesmatamento.

“As autoridades competentes não sabem o que fazer (...) A Comissão Europeia está congelada, completamente parada”, disse Nassar no evento. Segundo ele, existem iniciativas esparsas de países europeus de projetos pilotos para a comercialização de soja de acordo com as regras da EUDR, mas nem eles sabem se os modelos serão aceitos pelas autoridades do bloco.

“O nível de incerteza é enorme. Consideramos que estamos preparados para atender a legislação, mas ninguém diz se o que fazemos aqui vai ser aceito. Vamos saber à medida que forem chegando as cargas”, completou.

Na prática, as cargas dos navios que atracarem nos portos europeus a partir de 1º de janeiro de 2025 já precisam atender às regras. Os esclarecimentos, no entanto, precisam ser feitos antes, no momento do embarque dos contêineres no Brasil, para que todo o processo esteja implementado.

Nassar voltou a defender a criação da plataforma AgroBrasil+Sustentável, em desenvolvimento pelo Ministério da Agricultura, para dar transparência aos dados nacionais e facilitar a aceitação pelos europeus. “Tem que ser feito pelo governo. Vai ser um mudança pra valer na forma como vamos gerar informação e permitir que ela caminhe ao longo da cadeia de forma harmonizada”, concluiu.

Marcello Brito, secretário-executivo do Consórcio Amazônia Legal, acredita que o início da vigência da lei será prorrogada devido à complexidade para a operacionalização das normas. Ele destacou, no entanto, que a União Europeia não vai voltar atrás no objetivo de aplicar as cobranças socioambientais e que o Brasil precisa se preparar para aproveitar essa nova dinâmica mundial.

“Apesar dos problemas, essa também é uma oportunidade (...) O debate é sobre não perder a oportunidade de mostrar o processo que fazemos no Brasil com visão contemporânea”, disse Brito no evento. Ele ressaltou que as discussões mundiais estão concentradas na mitigação das emissões de carbono e que o Brasil pode adicionar seus ativos ambientais a isso.

Oportunidades

Para Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade da Marfrig/BRF, o movimento iniciado na Europa vai se espalhar para outras partes do mundo e valerá para mais commodities, mas o Brasil não tem aproveitado as oportunidades que surgem com as exigências socioambientais impostas.

“Vejo como inexorável esse movimento que começa pela Europa. Na minha visão, esses países, em particular o Brasil, não têm aproveitado oportunidades postas para dar a devida resposta. Acho que a gente tem visão e narrativa muito reativa, e é tudo que se precisa para que essas legislações continuem acontecendo”, avaliou. “[O termo] desmatamento evitado é um equívoco, trata-se de capital natural preservado. A forma que nos colocamos pode ser mais adequada e otimista”, completou.

Pianez disse que o setor de carnes brasileiro já poderia estar pronto para dar resposta efetiva à lei antidesmatamento europeia, mas isso depende de avanços internos para criar um sistema nacional de rastreabilidade bovina.

O uso de instrumentos e informações já existentes, como as Guias de Trânsito Animal (GTAs) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), e o uso de tecnologia aliada ao suporte financeiro e de capacitação técnica aos produtores daria as condições de ir além da comprovação de atendimento à legislação.

“Não atenderia só a questão da legislação, mas mostrar que teria condições de exportar carne com ativo ambiental que nenhum outro país do mundo tem”, disse. Para ele, o modelo de monitoramento precisa ser criado com uma política pública de rastreabilidade individual mandatória.

O setor de couros também pode ser bastante afetado, já que cerca de 25% das exportações brasileiras vão para a Europa. Ricardo Andrade, assessor de Sustentabilidade e Relações Institucionais do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), disse que a entidade desenvolveu um guia para orientar as empresas a cumprirem o monitoramento exigido pelos europeus.

O desafio é obter informações da cadeia completa, desde a origem do animal que gera o produto final. Atualmente, já há dados disponíveis da rastreabilidade industrial, mas a lei europeia exige o rastreamento do couro até as fazendas.

“Se tivesse um sistema de identificação individual seria facilitado, teria informação em cada fazenda, mas ainda não é realidade no Brasil”, disse.

“Se tivesse que exportar hoje [de acordo com a EUDR] teria um grande problema, pois hoje se dá por certificação da rastreabilidade industrial, mas sem a visão para processo de produção. Na prática, se fosse hoje, muito provavelmente teria restrição bastante significativa”, completou.

Cecília Korber Gonçalves, gerente de projetos da ProForest, informou que o grupo vai iniciar um projeto piloto de aplicação da lei antidesmatamento da União Europeia com trading de grãos, frigoríficos e uma empresa de couro. A intenção é testar os procedimentos adotados para atender às regras de lá.

“Soluções existem, mas temos desafios operacionais imensos. Vamos testar de forma individualizada e depois apresentar esses resultados”, afirmou.

Mais recente Próxima Confira a programação do 3º Fórum Futuro do Agro
Mais do Globo Rural

Em ação itinerante, representantes do Mapa se deparam com danos que atrapalham retomada da produção agrícola

Zonas rurais ainda têm problemas de acesso e de solos encharcados no RS, aponta Ministério

Ação do Ministério da Agricultura e Pecuária encontrou impurezas e solicitou a retirada dos cafés de estabelecimentos comerciais

Confira as 14 marcas de café com lotes impróprios para consumo no Brasil

Empresas do agro precisam escutar mais as opiniões das produtoras e empreendedoras rurais, diz ativista

Mulheres são 'espinha dorsal' da segurança alimentar, defende Graça Machel

Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná sentem efeitos de nova massa polar

Sábado já tem geada e queda de temperatura no Sul do país

Grupo revisor contará com produtores e indústrias paulistas para estudos de parâmetros técnicos e econômicos da cadeia; ajustes poderão ser feitos nesta safra

Consecana anuncia estudos de revisão no setor de cana em SP

Veja quais subsídios do Proagro e Proagro mudam

Proagro: Alíquotas do 'prêmio' pago a produtor rural passam a ser definidas por cultura e município

À medida que a cobertura de internet cresce nas zonas rurais, avança também a compra e venda pela internet

Os produtos usados do agro mais vendidos na OLX

Para mitigar os efeitos de extremos climáticos, cientista defende a expansão de sistemas agropecuários que integram o bioma natural à atividade econômica

Produção regenerativa é o caminho para o agro combater as mudanças climáticas, diz pesquisador

Na região de Cacoal (RO), Celesty Suruí é produtora de café robusta amazônico e tem a marca Sarikab, além de fornecer para a 3Corações

Indígena que preparou café especial para Lula quer expandir marca própria

Prato reinventa clássico das mesas brasileiras

Como fazer creme de espinafre com parmesão