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Por Guilherme Renke

Médico endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e Médico do Esporte Titular da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte

Rio de Janeiro


O hipotireoidismo é uma doença complexa com múltiplos sinais e sintomas fisiológicos e psicológicos, que pode ter um impacto consideravelmente negativo na qualidade de vida, incluindo restrições relacionadas ao exercício e redução da capacidade física desempenho. O problema é causado por disfunção na glândula tireoide, na ação dos hormônios (T4 e T3) ou nas doenças hipotalâmico-hipofisárias. Sua gravidade obviamente depende de inúmeros fatores, sendo normalmente dividido em hipotireoidismo manifesto ou subclínico.

Mulher atleta fadiga eu atleta — Foto: Istock Getty Images

Em pacientes com hipotireoidismo, nos quais os níveis sanguíneos do hormônio estimulador da tireoide (TSH) são elevados, a distinção entre hipotireoidismo manifesto e subclínico pode ser definida bioquimicamente se os níveis sanguíneos de tiroxina livre (T4 livre) estão abaixo ou dentro do faixa de referência, respectivamente. A terapia de reposição hormonal adequada é definida pelos níveis sanguíneos de TSH e T4 livre dentro do intervalo de referência, indicando um estado de eutireoidismo (funcionamento normal da tireoide). Devido à variável nas definições de estados de doença, critérios de seleção, idade e gênero, fatores ambientais e diferentes técnicas para avaliação da função tireoidiana, a prevalência de alterações anormais função tireoidiana é uma área de controvérsia.

A prevalência de hipotireoidismo manifesto em comunidades sem deficiência de iodo está de 1% a 2%, enquanto que a prevalência de hipotireoidismo subclínico pode chegar a 20%, dependendo da idade, sexo e ingestão de iodo.

Qual a função dos hormônios tireoidianos no exercício físico?

A tireoidite autoimune (Hashimoto) é a causa mais prevalente de ambas condições, manifesta e subclínica, em áreas com ingestão suficiente de iodo como o Brasil. A prevalência de níveis elevados de TSH (TSH > 5,1 mUI / L) configurando hipotireoidismo subclínico durante uma pesquisa de triagem transversal chegou a 9,5%, com maior frequência entre as mulheres.

O exercício físico agudo e o treinamento físico requerem funcionamento coordenado do coração, pulmões, circulação periférica e músculos para fornecer uma energia adequada ao esforço realizado. É sabido que os hormônios da tireoide preservam funções cardiovasculares, respiratórias e musculares em repouso e durante o exercício também. Essas funções podem se tornar fatores limitados para tolerância ao exercício no hipotireoidismo, ou seja, a incapacidade de atingir o nível ou a duração de um atividade que seria esperada com base no condição física ou nível de experiência da pessoa.

Em geral, a terapia adequada com hormônio no hipotireoidismo melhora a qualidade vida, inclusive nos pacientes com comorbidades como as doenças cardiovasculares. Contudo, uma avaliação a longo prazo em pacientes com hipotireoidismo tratados mostrou prevalência de comprometimento da qualidade de vida de 62% e prevalência de limitações nas atividades diárias de até incríveis 73%. Nesta linha, um número significativo de pacientes continua a experimentar restrições relacionadas ao exercício e redução do desempenho, mesmo durante a terapia de reposição hormonal. Persistem sinais e sintomas (por exemplo, fadiga, dor muscular, redução da força muscular, resistência limitada), comprometimento diário das atividades e, consequentemente, má qualidade de vida, resultando em um estilo de vida inativo que pode levar a consequências fisiológicas semelhantes às observadas com o descondicionamento físico.

Embora a intolerância ao exercício em pacientes não tratados com hipotireoidismo seja bem conhecida na prática clínica, a presença de intolerância ao exercício em pacientes adequadamente tratados raramente é o foco da literatura internacional. Uma visão geral atualizada pode ajudar endocrinologistas, médicos do esporte e treinadores físicos para entender melhor não apenas as causas de intolerância ao exercício, mas também os efeitos de exercícios físicos regulares em pacientes adequadamente tratados.

Foi feito um estudo muito interessante onde 23 pacientes com hipotireoidismo subclínico foram randomizados em pacientes tratados (n = 11) e não tratados (n = 12). Um teste cardiopulmonar foi realizado em esteira, utilizando o protocolo Balke modificado. A frequência cardíaca, captação de oxigênio, ventilação minuto e outros parâmetros cardiopulmonares foram avaliados no quinto minuto de exercício. Os níveis de T4 livre aumentaram enquanto o TSH normalizou após a reposição hormonal. Os resultados demonstraram que o desempenho do exercício cardiopulmonar submáximo melhorou após seis meses de normalização do TSH e essa melhora pode ajudar a melhorar a capacidade de realizar atividades da vida diária em pacientes com hipotireoidismo subclínico.

Na minha avaliação, o hipotireoidismo subclínico pode sim trazer prejuízos para a performance esportiva se não for tratado corretamente. Além disso, é importante salientar a necessidade da reposição hormonal com possível melhora a longo prazo da capacidade cardiopulmonar desses pacientes que realizam exercícios físicos regularmente.

Referências bibliográficas:

  1. Jeannette A. C. Lankhaar, Wouter R. de Vries, Jaap A. C. G. Jansen, Pierre M. J. Zelissen & Frank J. G. Backx (2014) Impact of Overt and Subclinical Hypothyroidism on Exercise Tolerance: A Systematic Review, Research Quarterly for Exercise and Sport, 85:3, 365-389.
  2. M Mainenti et al. Effect of Levothyroxine Replacement on Exercise Performance in Subclinical Hypothyroidism. Randomized Controlled Trial. 2009 May;32(5):470-3. J Endocrinol Invest.
  3. Xuan Zhang et al. Trials Efficacy and Safety of Levothyroxine (L-T4) Replacement on the Exercise Capability in Chronic Systolic Heart Failure Patients With Subclinical Hypothyroidism: Study Protocol for a Multi-Center, Open Label, Randomized, Parallel Group Trial (ThyroHeart-CHF) Trials 2019 Feb 19;20(1):143.

* As informações e opiniões emitidas neste texto são de inteira responsabilidade do autor, não correspondendo, necessariamente, ao ponto de vista do Globoesporte.com / EuAtleta.com.

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