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Por Lorena Ortega* — São Paulo


Primeira mulher do Brasil com síndrome de Down a conquistar faixa preta no taekwondo, Mônica Rocha, de 29 anos, mudou de função: foi de aluna a instrutora no Cieja (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos, em São Paulo), em parceria com o Instituto Olga Kos. Um marco para a atleta no mesmo lugar que a formou.

Foram dez anos treinando como aluna. A faixa preta veio em 2023, reconhecida como pioneira pela Liga Nacional de Taekwondo.

A Mônica conquistou faixa preta e agora é instrutora de taekwondo

A Mônica conquistou faixa preta e agora é instrutora de taekwondo

Até as conquistas, porém, a lutadora passou por momentos em que sofreu muito preconceito, principalmente quando entrou no ensino médio em uma escola regular. Antes, Mônica estudava no mesmo Cieja em que se conectou com o esporte - os Ciejas são equipamentos públicos da Prefeitura de São Paulo que proporcionam ensino e atividades à população de maior vulnerabilidade.

– Quando falei que estava indo para lá, algumas pessoas que me conheciam desde criança falaram que minha idade não era idade para ficar no colégio, era idade para fazer faculdade. Me senti meio estranha.

O histórico de bullying no ambiente escolar “foi bem difícil” e, por isso, Mônica não concluiu o ensino. A jovem era a única pessoa com síndrome de Down na sala e contou que não recebia muita atenção dos professores.

– Eu tentei fazer meu possível, mas eu vi que não estava sendo bom para mim. Para não continuar passando pelo o que passei, achei melhor sair e procurar outro lugar para me sentir mais incluída.

Mesmo com a direção da escola insistindo, falando para a aluna ficar, que podia ir quando quisesse e pegar o certificado no fim do curso, ela decidiu parar de ir às aulas.

– Não era assim que eu queria. Eu queria aprender alguma coisa, mas como eu não consegui, quis desistir.

Mônica Rocha recebe faixa preta de taekwondo — Foto: Divulgação

Da exclusão ao acolhimento

Ao deixar a escola regular, Mônica voltou a frequentar o Cieja, mas o local tem regras e prazos definidos: ela já não poderia mais ser aprendiz, como havia sido na primeira passagem, e então retornou como "ouvinte". O problema era que, depois de um tempo, Mônica também não poderia continuar participando nessa posição.

Foi aí que Raniere dos Anjos entrou na história, instrutor do Instituto Olga Kos que estava chegando ao centro de educação devido a uma iniciativa de parceria entre as instituições.

– Me senti incluída. Ali eu vi que as pessoas sem deficiência cuidavam de mim, davam atenção.

Lutadora faixa preta: jovem com síndrome de down dá show no tatame

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Mônica ficou. Começou a se envolver com o taekwondo.

O próximo obstáculo surgiu da própria família: o pai, que achava que esporte de luta não era coisa de mulher.

– Tive que provar para ele. No começo ele não gostava muito não, mas teimosa do jeito que sou, mostrei até o fim. Fui mostrando, mostrando, e ele começou a gostar.

A taekwondista chegou até a fazer testes com o pai, falando que não iria aos treinos, para ver o que familiar diria. O resultado? O apoio, que antes não existia, agora era real.

Depois de convencido, pôde acompanhar a filha crescer no taekwondo e se surpreendeu. Marcio Rocha passou a incentivar a filha, não a deixava faltar, faça chuva ou faça sol.

Mônica Rocha e instrutor Raniere dos Anjos — Foto: Divulgação Mônica Rocha

Além do contato com a arte marcial, ela se aventurou em outras artes.

Por causa da mãe, que foi diagnosticada com câncer de mama, Mônica começou a explorar seu lado artístico para tentar ajudar a condição financeira da família.

– Eu pinto pano de prato também. Por causa do problema de saúde da minha mãe, minha madrinha e minha tia sempre ficavam em casa cuidando dela, foi aí que comecei.

Rocha pinta e vende até hoje. Como os negócios estavam fazendo sucesso na internet, o pai resolveu usar o espaço da garagem para fazer uma lojinha.

– As pessoas gostam, compartilham, vão curtindo e eu vou vendendo. Aí abrimos o comércio. Para não ser só minha marca, escolhi o nome MJM Artesanatos. O primeiro M é o meu, o J é de Jildete, minha mãe, e o outro M é do meu pai, Marcio.

Professora Mônica

Hoje, a atleta comanda as aulas ao lado do seu mestre e amigo Raniere.

– São dez anos que ela treina, não foi de um dia para o outro. Até um pouco antes dela se formar, ela já tinha esse desejo de ajudar. Tudo o que ela aprende ela coloca em prática. Ela se descobriu dentro do taekwondo – diz o mentor

Durante esse período, a taekwondista criou uma relação de muito carinho com seu instrutor.

– O professor Raniere é tudo na minha vida, um super paizão no taekwondo. Eu não consigo ficar longe sem ele. Eu sei que eu era muito teimosinha e ainda continuo sendo, mas ele aguenta. Às vezes eu recebo umas broncas, mas faz parte.

Como o tempo de estrada é longo, a dupla já passou por poucas e boas juntos, como a ida aos parapanamericanos em 2023.

Mônica Rocha no Parapan Santiago 2023 — Foto: Divulgação Mônica Rocha

– Ele me acompanhou em uma das maiores aventuras da minha vida, a viagem para o Chile. Foi minha primeira viagem de avião.

Apesar do medo de altura, Mônica decidiu dar um voto de confiança no instrutor e embarcou na jornada.

– Eu falei para o meu mestre que não ia conseguir viajar. Ele disse que eu ia sim. Sabendo que ele estaria do meu lado, eu consegui. Agora eu quero viajar sempre, mas eu não quero viajar sozinha não, quero viajar com meu mestre.

Desde pequena, Mônica idealizava se tornar professora, ela só não sabia que seria de taekwondo.

– Meu sonho é ser professora, mas não sabia que ia ser de esporte, o Olga Kos trouxe isso para mim. Ser parte da equipe deles foi meu sonho realizado, ter meu primeiro emprego como instrutora.

Para ela, o mais importante é o reconhecimento e a confiança do instituto ao oferecer a oportunidade de ensinar os alunos, que antes eram seus companheiros de aula.

Instrutora Mônica Rocha — Foto: Divulgação Mônica Rocha

– Na minha cabeça passam mil coisas, eu ficava lá na turma de trás. Ir para frente, ver meus amigos ali, mostrar que eu aprendi com meus mentores, é uma mudança.

Além disso, Mônica conta que a conquista é um sinal de respeito.

– Por trás de uma deficiência que eu tenho, eu sou uma pessoa igual a qualquer um. Eu sou igual eles, eu faço. Eu não sei fazer rápido, por causa da minha deficiência, mas eu faço lento, devagarzinho, mas eu faço.

– Ela começa a aula, ajuda nos alongamentos, no juramento, até a contar em coreano - comenta Raniere.

*Colaborou sob supervisão de Diego Ribeiro

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